Anteontem, ao final do dia, alguém me dizia: “Vamos ver se já há imagens do ataque à Síria”, que se presumia para essa noite. Mas a pessoa ia fazer “zapping”, para ver o resumo alargado do Real-Juve.
É impressionante o modo quase indiferente como o nosso mundo olha, nos dias de hoje, para o risco real de guerra que se perfila no Médio Oriente.
Leem-se as notícias, as bravatas twitadas pelo presidente americano e tudo nos parece uma realidade quase virtual, que nunca nos afetará. Ouviu-se Putin anunciar, com deslumbre tecnológico, um mar de armas “inteligentes” e ficou-nos a sensação de estar a ver um documentário de conquistas científicas.
As gerações europeias que aí estão perderam, por completo, a memória da guerra e, por isso, nem sequer a imaginam plausível. A guerra, para os europeus contemporâneos, é sempre a guerra dos outros. O mais próximo que a sentiram, foi nos Balcãs ou no leste da Ucrânia. Banalizaram, pela televisão, os mortos alheios no Iraque ou no Afeganistão, a tragédia síria, o caos líbio. E, por terem visto os Estados Unidos e a Rússia a lançar mísseis à distância, e a enviar drones para proceder a “extra-judicial killings”, acham que tudo se passará sempre com essa “limpeza” estratégica. E, claro, com as vítimas de que nunca conhecerão os nomes.
E, no entanto, de há muito que uma guerra não estava tão próxima. Não sabemos que tipo de guerra, não sabemos mesmo se haverá alguma, e, se houver, o que ela poderá vir a ser. Pensamo-la sempre limitada, distante de nós, como se houvesse um escudo protetor que dela nos afastasse. E, inconscientemente, excluímos um conflito nuclear, pensamos que a dissuasão o afasta do cenário de hipóteses. Damos por adquirido que o poder militar limite está sempre em mãos responsáveis.
Ora, no caso americano, a guerra ou a sua ausência estão nas mãos de um megalómano desequilibrado, cada vez mais rodeado de belicistas. No terreno russo, num autocrata que tem menos fatores de controlo do que tinham os dirigentes soviéticos ao tempo da Guerra Fria. Em seu torno, para além de um assassino sanguinário que, na Síria, segue as passadas criminosas do pai, encontramos hoje um líder turco com ambições desmedidas e incontroladas e aquele que é, talvez, o mais radical dirigente na história de Israel. A isso se soma a tensão extremada entre o Irão e a Arábia Saudita.
O mundo está perigoso. Com sorte, a guerra não virá. Sem ela, poderá surgir. Com grande azar, poderá envolver-nos. Em qualquer caso, não a vemos chegar.