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sexta-feira, dezembro 23, 2011

A História e a justiça

A Assembleia Nacional francesa aprovou ontem a criminalização do "negacionismo" de todos os genocídios, isto é, o seu não reconhecimento ou desvalorização no discurso público e mediático. O que estava imediatamente em causa era o reconhecimento do alegado genocídio da população arménia pelos turcos, entre 1915 e 1917, tema altamente sensível em Ancara, que reagiu com esperado desagrado.

Sobre o tema do "negacionismo", há duas posições opostas.

Há quem considere, à luz dos trágicos extermínios nazis, que não se pode deixar morrer a memória às mãos de uma dolosa contestação de factos incontroversos, que representam crimes contra a humanidade, para os quais é imperioso manter alerta a consciência das gerações seguintes.

Outros entendem que não é pelo direito que se corrige a perceção da História e que a negação pública de uma evidência se combate pelo esclarecimento e pela demonstração de uma verdade que, sendo-o, deve ser suficientemente sólida para enfrentar o seu contraditório público.

terça-feira, dezembro 20, 2011

"Contingency planning"

Devo dizer que, no que me toca, fiquei completamente indiferente à notícia de que o Foreign Office tinha um "contingency plan" para os seus cidadãos, para o caso de poder haver uma situação extrema de crise em Portugal e em Espanha. 

Os países e as diplomacias mais organizadas - e o serviço diplomático britânico é "apenas" o melhor do mundo - fazem exercícios constantes de planeamento para situações extremas, em todos os cenários geopolíticos, o que lhes permite terem uma noção quantificada e qualificada dos meios que têm de mobilizar em situações de emergência. Isso é válido para uma crise financeira, como o é para uma convulsão social, para um terramoto ou um acidente nuclear.

Esta "obsessão" com a organização retira, a esses países, a "graça" de testarem a capacidade de improviso das suas gentes e estruturas - faculdade em que países como Portugal são mestres. Verdade seja que, no caso português, existe, desde há alguns anos, uma unidade de "emergência consular" no MNE que já criou uma certa massa crítica, que lhe permite orientar-se por rotinas já seguidas, com êxito, no passado.

Interessante foi ver o nosso paupérrimo "jornalismo" televisivo, que tem de inventar o inimaginável para encher de "chouriços" (a expressão é do jornalismo, não é minha) a mais de hora e meia dos seus lamentáveis telejornais, a entrevistar cidadãos ingleses ao sol algarvio, perguntando-lhe, patrioticamente, se não temiam um colapso do sistema bancário português. Esses britânicos, serenos e educados, pouparam-nos à humilhação de revelar que, com toda a certeza e naturalidade, utilizavam as suas instituições financeiras além-Mancha e, com probabilidade, não tinham confiado as suas poupanças ao BPN ou ao BPP...

domingo, dezembro 11, 2011

Quai d'Orsay

Há mais de um ano, falei aqui do "Quai d'Orsay - chroniques diplomatiques", um álbum de banda desenhada passado no ministério francês dos Negócios Estrangeiros, ao tempo que era dirigido por Dominique de Villepin (embora, nesta ficção, sob o nome de 'Alexandre Taillard de Vorms'). Saiu agora um segundo volume dessa série, dedicado ao período da guerra no Iraque (país designado por 'Lousdem").

Não estou seguro que a curiosidade com que um diplomata é motivado a ler este tipo de histórias seja comum à de qualquer outro leitor, para quem a vida dos gabinetes e das relações internacionais é marginal ao seu quotidiano. Por mim, devo dizer, diverti-me bastante ao ver reconhecidos no álbum alguns tiques do "métier".

Por lá se encontra a obsessão dos titulares de cargos políticos em conseguir ter, numa simples folha de A4, o essencial de um relacionamento com um qualquer Estado, a "fácil" ordem para preparar um artigo de jornal "para ontem", a determinação em garantir um transporte "impossível" ou a impaciência com alguns detalhes onde, como se sabe, se esconde o "diabo". O texto não escapa à fina caricatura, neste caso muito bem conseguida, de alguns diplomatas-tipo: os irónicos, os "nonchalants", os angustiados, os "workaholics", os autoritários, os "definitivos", os cínicos e outros que tais.

Por uma qualquer razão, o serviço de "cifra", por onde passam as comunicações (os "telegramas diplomáticos") é particularmente visado neste álbum, onde o ministro é colocado a dizer ao chefe desse serviço: "Convosco, podemos sempre ter a certeza de ser informados em tempo real do que se passou na véspera"...

Ainda uma nota para o reaparecimento da figura de 'Claude Maupas', chefe de gabinete do ministro, que retrata, à perfeição, a serenidade e lealdade de Pierre Vimont, um bom amigo que era chefe de gabinete de Villepin, e que hoje dirige o Serviço europeu de ação externa (SEAE)  e de quem já falei aqui.

Finamente, porque a ficção se cruza com a história, vale a pena dizer que, há escassas horas, em solene anúncio na televisão francesa, 'Alexandre Taillard de Vorms', ou melhor, Dominique de Villepin, acabou de anunciar a sua candidatura à presidência da República francesa.

sábado, dezembro 10, 2011

Variações sobre o "sim" e o "não"

"Há por aqui, de facto, expressões separadas e distintas para "sim" e para "não". Mas sendo indelicado, segundo os costumes locais, usar esta última palavra, a primeira é utilizada com ambos os sentidos. Assim, fica ao critério da pessoa que ouve decidir se o "sim" que recebeu como resposta deve ser interpretado, afinal, como um "não" definitivo ou como um "não" que ela pode converter num "sim", expressando o pedido de outra forma. Mas, normalmente, o "sim" quer significar que o pedido recebe um acolhimento favorável, o que acaba por ter como consequência que nenhuma ação subsequente será tomada. Se convidar um nacional local para jantar, e ele aceitar, daí não se deve deduzir necessariamente que ele vai estar presente, mas apenas que, ao dizer que aceitava, ele quis ter para consigo um gesto de cortesia; dessa forma, ele transferiu a obrigação de si próprio para si e considerou-se desobrigado de aparecer."

Extrato de um telegrama de um embaixador britânico, num determinado país, citado em "Parting shots", um delicioso livro de Matthew Parris e Andrew Bryson, sobre correspondência diplomática. 

domingo, dezembro 04, 2011

Ainda o Irão

Em Junho de 2000, coube-me chefiar uma missão de "diálogo político" da União Europeia a Teerão. Da "troika" (já as havia...) que me acompanhava, faziam parte um diretor do Quai d'Orsay (a França iria suceder-nos na presidência, dias depois) e um representante da Comissão Europeia, cuja nacionalidade não consigo precisar. A delegação iraniana era chefiada por um vice-ministro dos Negócios Estrangeiros.

O diálogo com as autoridades do Irão era, previsivelmente, difícil. Cabia-me colocar-lhes todas as questões que a União Europeia via como polémicas, desde os direitos humanos à observância de princípios democráticos, com o tema dos dissidentes e presos políticos, bem como do tratamento de minorias e estrangeiros, na agenda. A conversa começou assim algo tensa, se bem que a experiência diplomática dos dois principais interlocutores a tentasse manter num registo funcional de cordialidade. No meu caso pessoal, não esquecia que, enquanto país, Portugal tem um histórico de relacionamento bastante positivo com o Irão, que devemos tentar salvaguardar, para além de todas as divergências conjunturais. 

Para evitar veleidades que pudessem fragilizar a condução da reunião pela presidência, eu havia decidido, de uma forma algo imperativa, quais os dois temas da agenda cuja apresentação, como é de regra, ficava a cargo dos outros membros da "troika", contrariando explicitamente as propostas que, nesse sentido, me haviam sido feitas pelo secretariado-geral do Conselho, que assessora (e, às vezes, quer conduzir) as presidências semestrais. Nem a representação francesa nem a da Comissão me pareceram apreciar esse meu estilo afirmativo, mas isso era o que menos me importava: para as capitais europeias, o "saldo" geral da conversa, que tinha que ser "craftly worded" na ata, recairía sempre sobre mim. Não estava disposto a que outros condicionassem o trabalho e, por essa razão, decidi "controlar o jogo", desde o primeiro minuto, sem conceder espaço para criatividades.

A agenda foi percorrida no tradicional "ping-pong" de argumentos. Os temas eram introduzidos, alternadamente, pela União Europeia e pelo lado iraniano, com "statements" de cada lado, complementados por comentários de "réplica" e, por vezes, "tréplica", que ficariam registados em ata. 

A certo passo da abordagem de um ponto da agenda, o vice-ministro iraniano acusou um Estado membro da União Europeia, que não identificou, de estar a levar a cabo "atos de espionagem", em articulação com inimigos do país, contra a segurança do Estado iraniano. Interrompi-o, de imediato, e pedi-lhe para identificar o país em causa, dada a gravidade da acusação, porque isso se refletiria, de forma inescapável, sobre toda a nossa política exterior comum. Respondeu-me que não lhe era possível dizer o nome desse Estado, "para não agravar ainda mais as coisas". 

Para grande surpresa dos membros da delegação europeia, reagi de forma muito firme: ou ele identificava o nome do país ou retirava formalmente a acusação, com efeitos na ata da sessão. O "diálogo político" não podia prosseguir sem uma dessas opções. Não podíamos aceitar que ficasse registada uma acusação genérica, que não permitisse uma contestação específica. A solidariedade entre os Estados membros da União a isso obrigava. Pelo que sugeri que o intervalo da reunião que estava previsto para mais tarde, tivesse lugar de imediato.

O ambiente, naquela sala do ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, toldou-se. A delegação do Irão saiu da sala, perplexa e de cara fechada. Nela ficaram os representantes europeus, entre os quais se contavam também os embaixadores português e francês, além do delegado local da Comissão, que me rodearam, perguntando-me alguns se tinha medido bem o risco de dramatização que estava a fazer correr ao já muito crítico e sensível diálogo com Teerão. Eu disse que sim, mas, interiormente, perguntava-me se o "bluff" iria resultar.

Tinha razão. Resultou. Minutos depois, o chefe da delegação iraniana reabriu a sessão dizendo que, com vista "a facilitar um eficaz funcionamento dos trabalhos", propunha que, da ata, não constassem as referências que antes tinha feito sobre o "tal" Estado membro europeu. Agradeci-lhe o esforço e prosseguimos o debate num ambiente que, de certo modo, ficou bem mais distendido. O desfecho provocou um aliviado e expresso agrado do diretor francês, que nos sucederia na presidência e que, seguramente, temeu, por alguns minutos, ficar nas mãos com uma "batata quente", para os próximos seis meses.

Vale a pena notar que, desde o início, todos nós sabíamos que a acusação iraniana se dirigia ao Reino Unido, país com o qual, de há muito, Teerão tem um recorrente contencioso, como os acontecimentos dos últimos dias vieram, uma vez mais, a evidenciar. Ora o vice-ministro iraniano, meu contraparte na chefia das negociações, havia-me revelado, em conversa privada antes da reunião, que, no final desse ano de 2000, deveria ir para Londres como embaixador (o que realmente veio a acontecer), solução que muito lhe agradava. Ao colocá-lo "contra a parede", exigindo a retirada das acusações e a revelação do nome do país, eu tinha tido isso em conta. Se acaso ele mencionasse o nome do Reino Unido, e ficasse na ata ter sido ele quem lançara internacionalmente essa atoarda não provada, com toda a certeza que o governo de Londres nunca lhe daria "agrément".

A vida diplomática também se faz com alguns truques, como se vê.

sábado, dezembro 03, 2011

A questão iraniana

Na vida internacional, as relações entre os Estados processam-se sempre no quadro de certas expetativas de comportamento, pela sua previsível reação face ao posicionamento dos outros atores, que possa vir a ser afirmado bilateralmente ou no quadro multilateral. Se bem que algumas surpresas sempre possam surgir, na grande maioria dos casos é possível, com algum realismo, antecipar atitudes e, dessa forma, medir as condições necessárias para os compromissos ou as probabilidades de rutura. É assim que se procuram evitar guerras e conflitos, cabendo aos diplomatas um papel central no domínio desta diplomacia preventiva.

O grande problema que se coloca à comunidade internacional é o pontual surgimento, no comportamento de certos Estados, de atitudes que, não apenas não era possível prever, mas que igualmente se tornam difíceis de interpretar, em todas as suas possíveis motivações. Esta circunstância cria dificuldades de "leitura", induz interrogações e pode levar a reações diferenciadas por parte de outros Estados.

O comportamento recente do Irão, com o saque às instalações diplomáticas britânicas em Teerão, claramente feito sob a aparente complacência das autoridades policiais, na sequência de sanções bilaterais determinadas pelas mais que legítimas preocupações face à evolução do programa nuclear do país, é um exemplo desses comportamentos de difícil interpretação e de elevado risco. E suscita questões que somos chamados a colocar, nãso tendo para elas uma resposta clara.

Que pretende o Irão com este tipo de atitudes, onde se inclui o seu desafio à AIEA? Que mais riscos está o regime iraniano disposto a correr, nesta linha de comportamento? Até onde estará disposto a avançar? Que avaliação faz Teerão dá utilização do petróleo no seu "jogo" internacional? Como estarão as autoridades iranianas a medir o grau de probabilidade da ameaça de um ataque israelita às suas instalações nucleares?

A persistência destas interrogações nada ajuda à descoberta de soluções para a estabilidade e para a paz na região. E Teerão sabe, com certeza, que assim é, o que torna tudo mais preocupante.

quinta-feira, novembro 24, 2011

America! America!

Não está muito na moda citar Elia Kazan. Mas quase que me apetece colocar pontos de admiração no seu admirável "America, América" para expressar a minha perplexidade em face da pobreza (chamemos as coisas pelo seu nome) do nível do debate, sobre temáticas de política internacional, que se processa entre os candidatos à investidura republicana. O que tem sido dito nesse contexto é, no mínimo, surpreendente e chocante, no tocante à impreparação da maioria dos atores políticos que se perfilam para a corrida à Casa Branca.

Alguns dirão que isso não tem a menor importância, que, a seu tempo, o mundo republicano produzirá "wise men" que darão conteúdo programático em matéria de política externa às candidaturas e que, como se viu no passado, por menos habilitados em temas internacionais que os candidatos inicialmente se mostrem, acabarão por ser enquadrados por "think tanks" que produzirão doutrina sólida, para o caso de virem a ascender ao poder. Alguns lembrar-se-ão de Reagan, outros de George W. Bush. A alguns, isso sossegará, a outros isso preocupará.

Confesso que, com anos desta vida internacional, e com os riscos que hoje existem, o panorama atual não me sossega. Kennedy disse, em 1963, face à fronteira da Guerra Fria que eram as portas de Brandeburgo, "Ich bin ein Berliner" (um amigo meu sempre apostou em como, se estivesse em Hamburgo, ele não se atreveria a dizer "Ich bin ein Hamburger"...). Dada a importância que os Estados Unidos têm para a nossa vida, pelo peso que as suas decisões no plano internacional têm sobre todos nós, eu atrever-me-ia a dizer que, meio século depois, quando um novo presidente entrar em funções, "todos seremos americanos". Uma vez mais. Queiramos ou não. E, por essa razão, a substância dos debates a que me refiro neste post está longe de me ser indiferente.

quinta-feira, novembro 10, 2011

"Le Monde" não é o mundo

Numa destas operações de limpeza de papeladas que os fins de semana propiciam, encontrei há dias um recorte de um número do "Le Monde", já com uns meses, onde se defendia, em editorial, que "é preciso chamar ditador a um ditador, sempre e bem alto".  Arriscando-me a suscitar a cólera dos puristas, quero dizer que, se a frase é bonita em termos de jornalismo, ela é impraticável em termos políticos.

Vamos então aos factos, no que, por exemplo, respeita a Portugal.

Como é sabido, o nosso país mantém relações diplomáticas e económicas com diversos Estados onde vigoram regimes mais ou menos sinistros, alguns travestidos de "democracias", outros com modelos abertamente autoritários ou populistas, onde têm lugar regulares atentados, uns mais graves que outros, a direitos de cidadania que, no nosso mundo, consideramos fundamentais. Convém, aliás, ter presente, para quem o não saiba ou possa ter esquecido, que, na maioria dos países do mundo, a democracia não se pratica, pelo menos no conceito que dela temos no ocidente.

Em alguns desses Estados, vivem, contudo, cidadãos portugueses, por vezes em número bem significativo. Empresas do nosso tecido empresarial mantêm, com entidades públicas ou privadas desses países, regulares negócios, do sucesso dos quais dependem muitos postos de trabalho em Portugal. Não raramente, capitais oriundos desses tais países com regimes muito pouco recomendáveis ajudam a engrossar o investimento direto estrangeiro que o nosso país procura, a todo o custo, estimular. E turistas, chegados desses Estados menos democráticos, desembarcam em Portugal e gastam os seus dinheiros nos hotéis, restaurantes e lojas portuguesas.

Imaginemos, assim, por um instante, que Portugal era tentado a seguir a política de "murro na mesa" (como a recomendada pelo "Le Monde") e que, num acesso de "honestidade" e de insana franqueza na afirmação de princípios, os responsáveis políticos portugueses decidiam declarar publicamente que, no país X, os direitos políticos dos cidadãos são frequentemente desrespeitados pelo autoritarismo populista aí reinante, que a liberdade de imprensa não vigora em plenitude no Estado Y e que existe uma clique corrupta que rouba o Estado Z.

O que sucederia? Com toda a certeza, na sequência do ressoar mediático dessas declarações, os nossos cidadãos residentes nesses Estados iriam sofrer retaliações nos respetivos interesses, empresas portuguesas iriam ver os seus negócios prejudicados, alguns capitais migrariam de Portugal para outras paragens e, atento o poder de controlo que os governos desses países têm sobre os seus cidadãos, eles deixariam de nos procurar como destino turístico. Além disso, e por muito tempo, a capacidade de interlocução política de Portugal, para a defesa dos seus interesses e dos seus cidadãos residentes nesses países, baixaria para zero. 

Porém, outros Estados que não houvessem seguido o angélico conselho do "Le Monde" fariam, de imediato, todas as diligências necessárias para recuperarem, para as suas empresas, os negócios que as suas congéneres portuguesas haviam perdido ou para recuperarem os capitais que Portugal tivesse alienado. E, podem crer, nesses Estados que se movimentariam para nos substituir estariam vários parceiros nossos da União Europeia.

Mas não será que a "valentia" retórica portuguesa poderia acabar por ter um efeito para a melhoria dos aspetos denunciados? Só por ingenuidade ou desconhecimento alguém pode pensar dessa forma. Alguém, com um mínimo de sensatez, acha que um país estrangeiro iria mudar a sua política só porque a diplomacia das Necessidades decidia congelar relações ou manifestar bilateralmente uma oposição à orientação da sua política? O único efeito de tais gestos iriam ter seria o pontual acalmar das consciências de quantos pensam como o "Le Monde", o que seria um saldo bem curto. Só que esses puristas - que andam por aí a blogar ou a comentar, com foto tipo passe, nas colunas onde escrevinham pagos à linha - não têm, e sabem que nunca terão enquanto emitirem tais juízos, quaisquer responsabilidades políticas na proteção dos interesses dos nossos compatriotas que vivem no estrangeiro, nem ninguém lhe iria pedir que defendam os postos de trabalho das nossas empresas ou da nossa indústria turística. "Mandar bitaites" sobre política externa é muito diferente de ter de a executar.

Mas, então, a opção é estarmos calados? Então Portugal não tem uma "diplomacia ética", respeitadora dos direitos humanos, promotora da defesa das liberdades? Claro que tem e, para tal, há locais próprios para atuar. Salvo para Estados com grande poder à escala global, que dispõem de meios de pressão, económica ou outra, que podem, em certas circunstâncias, garantir a produção de alguns efeitos no plano bilateral, a luta pelo respeito pelas liberdades e pelos direitos fundamentais, bem como a promoção de fórmulas de boa governação, tem hoje outros patamares de tratamento. Apenas o quadro multilateral ou de coordenação regional permite um espaço de intervenção minimamente eficaz,  muitas vezes com a utilização do mecanismo de condicionamento de ajudas ou pela imposição de sanções, por forma a exercer alguma pressão que force a mudança.

Mas, mesmo essas pressões, não nos iludamos, terão sempre uma eficácia que varia na razão inversa da dimensão económica e da importância estratégica do país sobre o qual elas se objetivam. A "coragem" da União Europeia, por exemplo, é tanto maior quanto o país que é objeto das suas medidas "punitivas" é irrelevante para os negócios dos seus principais Estados membros. Basta ver, aliás, como a voz europeia "engrossa" na manhã seguinte ao dia em que os ditadores (até então parceiros) caem, por via da necessidade de colocar esses interesses europeus em consonância com os novos ventos que passam a soprar localmente. Não preciso de dar exemplos, pois não?

O mundo não é o "Le Monde". É uma pena, mas não é.

quarta-feira, novembro 09, 2011

Um abraço, Georgios

Não é vulgar repetir um post. Mas vou reproduzir o que aqui publiquei, em 5 de outubro de 2009, porque ele é o melhor retrato que consigo fazer de um amigo que foi, até há uns minutos, o primeiro-ministro da Grécia:

"Georgios Papandreou foi ontem eleito primeiro-ministro da Grécia.

Desde o tempo em que foi secretário de Estado e depois ministro dos Negócios Estrangeiros do seu país, Georgios anima anualmente um clube internacional de discussão, para o qual tive o privilégio de ser por ele convidado algumas vezes - o Symi Symposium. António Guterres e Jaime Gama foram os outros portugueses presentes nessas reuniões, que têm uma composição variável. Por lá passaram já Bill Clinton, Amartya Sen, Joseph Stiglitz, Richard Holbrook, Fernando Henrique Cardoso, Yossi Beilin, Ségolène Royal, etc. São encontros com cerca de 25 pessoas, cada uma de sua nacionalidade, realizados sempre em locais diferentes da Grécia, nos quais, durante uma semana, se pensa livremente o mundo e, muito em especial, a Europa.

Houve um desses debates, creio que em 1999, que nunca mais esquecerei. Estávamos no tempo imediatamente posterior à grande crise do Kosovo e, à mesa, desencadeou-se uma acesa discussão entre uma resistente sérvia, aberta opositora de Milosevic, e um intelectual kosovar, recém-saído de meses de clandestinidade em Pristina. Num certo momento, o kosovar, num óbvio excesso de argumento, volta-se para nossa amiga sérvia e ataca-a da seguinte forma: "tu podes ser pró ou anti-Milosevic, mas o problema que nunca poderás ultrapassar é o facto de seres sérvia!".

Todos ficámos gelados! O ambiente de diálogo e cordialidade que caracteriza, desde há vários anos, aquelas reuniões, que não impede discussões acesas e vivas, nunca terá chegado a um extremo tal de agressividade, muito fruto de um tempo de tensão balcânica cuja conflitualidade inter-étnica ficámos, naquele instante, a perceber bem melhor.

Foi então que, com o seu ar sereno, no tom suave que nunca perde, Georgios interveio. E fê-lo para contar uma história, que se tinha passado consigo, já há muitos anos.

Durante a ditadura militar grega, o seu pai, Andreas Papandreou, que mais tarde viria a ser primeiro-ministro, encontrava-se na clandestinidade. Uma noite, o exército invadiu a casa da família de Georgios, que era então adolescente, e levou-o de carro para uma qualquer zona da Grécia. Umas horas mais tarde, ao chegarem a uma moradia isolada, cercada pela tropa, Georgios viu o oficial que o detivera e que comandava o grupo pegar num megafone e dirigir-se à habitação, que logo compreendeu ser o esconderijo onde estava o seu pai. O oficial gritou então para que Andreas Papandreou se rendesse, informando-o de que tinha ali o seu filho, que prenderia se ele não se rendesse, tudo isto acompanhado de outras ameaças violentas. Perante este cobarde ultimatum, o pai Papandreou entregou-se e foi preso.

A história que Georgios nos contou tinha um significado que ele pretendia projectar no ambiente de tensão que se criara no nosso debate. Porque acrescentou: "na passada semana, encontrei casualmente o militar que fez essa chantagem comigo e com o meu pai, utilizando-me como refém. Estendi-lhe a mão e cumprimentei-o. Essa é a nossa superioridade como democratas".

Recordo-me que todos olhámos para os nossos amigos da Sérvia e do Kosovo, para tentar perceber se eram sensíveis à lição. Não estou certo que ela tenha sido eficaz.

Se outras razões não tivesse, fruto da minha já antiga amizade com Georgios Papandreou, este testemunho reforçou-me a admiração pelo perfil humanista do homem que, desde ontem, dirige os destinos da Grécia. E a quem já dei os meus sinceros parabéns."

quinta-feira, setembro 01, 2011

Na hora da Líbia

Em 1 de Setembro de 1969, um grupo de militares chefiados por Mouammar Kadafhi tomava o poder na Líbia. 

Em 1 de Setembro de 2011, a comunidade internacional acolheu, em Paris, os novos dirigentes líbios, numa Conferência onde ecoaram todas as boas vontades para ajudar o novo regime a consagrar um futuro de paz e democracia para o seu povo.  

Portugal, que chefia nas Nações Unidas o "comité de sanções" que ajudou a isolar o regime de Kadafhi e que, no respetivo Conselho de Segurança, deu o seu apoio à resolução 1973, esteve presente nesta Conferência através do chefe do seu governo e do chefe da sua diplomacia. Somos um país com uma ativa política mediterrânica, com uma forte presença económica na Líbia desde há várias décadas e pensamos que a continuidade empenhada nesses laços bilaterais é a melhor forma de, à nossa maneira, contribuirmos para o regresso à normalidade do país.

A nova revolução líbia está praticamente concluída. Agora, é preciso reconstruir o Estado, num país onde o peso tribal e as tensões históricas entre a Tripolitânia e a Cirenaica colocam algumas interrogações. A Líbia não tem grande população, tem uma relativa homogeneidade étnica e religiosa, dispõe de quadros técnicos preparados e, o que é fundamental para ancorar qualquer processo de desenvolvimento, possui importantes recursos naturais. É decisivo que, sobre as feridas de uma guerra que foi muito violenta, se afirme rapidamente uma vontade de reconciliação e de pacificação interna, sob a égide dos novos dirigentes. Recorde-se que a mobilização da comunidade internacional foi feita com o único objetivo de criar condições para uma Líbia democrática e tolerante.

O rápido termo da violência no país, assente num processo intenso de desarmamento e desmobilização dos combatentes, é a chave para o sucesso da nova Líbia. A Europa, que esteve no centro da ação militar que muito contribuiu para a vitória dos rebeldes líbios, não pode dar-se ao luxo de assistir a que um novo ciclo de violência e morte se suceda a esta aplaudida revolução. A Líbia não deve converter-se no Iraque da Europa.

sábado, agosto 27, 2011

A Líbia vista de outro lado

Há textos que ficam para a história (pequena ou grande, cada um que escolha) do nosso jornalismo. Hoje chegou-me um deles. É uma interpretação do que se passa na Líbia, sob uma perspetiva e um estilo lexical que eu pensava já arquivados nos escaparates da memória. Mas não, pelos vistos. 

Duas notas neste relato: uma curiosa, outra irónica. A referência aos "supostos criminosos de guerra da ex-Jugoslávia" e o facto de uma das fontes ser, assumidamente, o "The Economist". Não percam, a sério. Aqui.

sábado, julho 23, 2011

"Orelhas de aço"

Eu e o João Niza Pinheiro tinhamo-nos aprimorado para que o discurso que aquele ministro, de uma pasta técnica, ia proferir numa reunião internacional, numa certa cidade europeia, acabasse por ser uma bela peça de oratória.

Havia semanas que por lá estávamos como membros da delegação portuguesa, numa conferência em que esse ministro ia intervir, como o mais alto representante do governo português. Estudámos o tempo disponível e decidimos que havia que fazer uma "obra" para 7 a 10 minutos.

Com falaciosos argumentos de autoridade técnica, para termos as nossas mãos completamente livres na elaboração do texto, havíamos convencido o ministro, que estava há escasso tempo em funções, a afastar a hipótese do seu gabinete ter um "droit de regard" final sobre o discurso: adiantámos que só nós conhecíamos a "chave" dos equilíbrios que era preciso introduzir na mensagem, que havia que ter em conta certos aspetos (que não revelámos) que a presidência rotativa europeia gostava de ver refletidos em todas as intervenções nacionais, que havia pormenores de política externa que era importante fazer transparecer subtilmente no texto, etc. Nós trataríamos de tudo, ninguém precisava de se preocupar. Enfim, vetustas técnicas do MNE para evitar que alguém venha perturbar o nosso trabalho...

Obtida que foi a total "luz verde" do crédulo governante e arranjadas umas cervejas, umas sanduíches e boas doses de café, em um pouco mais de três horas de trabalho, comigo ao teclado e com o Niza Pinheiro a dar sugestões de frases, aviámos, num muito razoável francês (melhor o do João que o meu), uma intervenção que até tinha algumas subliminares graças de que eu e esse meu colega, agora embaixador num posto europeu, ainda hoje nos rimos. Ao final da noite, fomos deixar duas cópias do discurso ao hotel em que o nosso ministro se hospedava.

No dia seguinte, aguardámos pela chegada do governante, na imensa sala de conferências. Chegou bem disposto. Era um homem cordial e simpático, sem uma grande experiência das coisas internacionais, mas com uma boa bagagem técnica. Inteligente, deve ter percebido que o que lhe propúnhamos era perfeitamente aceitável. E era, de facto. A nós, agradou-nos a circunstância de ele ter gostado do texto. Missão cumprida, assim.

Neste tipo de reuniões internacionais, que contam com largas dezenas de delegações, cujos discursos se distribuem ao longo de vários dias, as salas estão, em geral, pouco compostas. Há muitos países cujos lugares estão mesmo sem ocupantes. Raramente um ministro ouve com atenção o discurso de outro, isto é, os oradores chegam apenas durante a intervenção que antecede a sua e, acabada que é a sua função, logo partem para contactos bilaterais. Ou para as compras, como muitas vezes é o caso...

Na sala, ao longo dos dias, orgulhosos atrás das placas com o nome dos países, ficam, em geral, os mais jovens funcionários das delegações. Compete-lhes, acabada que seja cada intervenção, dirigir-se à delegação de quem a proferiu e pedir uma cópia do texto. Pelo sim pelo não, esses funcionários novatos tomam também nota de algum aspeto que tenham por mais relevante, que haja surgido durante as intervenções, por forma a delas poderem fazer um registo, que será enviado às capitais, as mais das vezes acompanhadas dos textos proferidos. E que, salvo no caso de países com opinião decisiva, quase de certeza que ninguém lerá. Uma tarefe chata, mas que não pode deixar de fazer-se. Esses funcionários de plantão são comummente designados, entre nós, como os "orelhas de aço", porque têm de manter, em permanência, um auscultador plástico no ouvido, para acesso às traduções. Ora fazê-lo por horas seguidas coloca uma pressão na orelha externa, a qual chega dorida ao final do exercício. Perceber-se-á agora melhor o apôdo.

O nosso nóvel ministro chegou à reunião bem antes da sua hora, como sempre acontece com os oradores angustiados. Sentou-se no centro da delegação, conosco a rodeá-lo (guardo uma fotografia do instante). Chegado o momento da sua intervenção, foi chamado à tribuna pelo presidente da sessão e leu, para nosso descanso, num francês aceitável, o texto exato que lhe havíamos preparado. Recordo de antes ter visto marcadas a lápis, no exemplar que levou para o palanque, as pausas para respiração, prova de que estivera a ensaiar o discurso, na véspera ou nessa manhã. Coisa de "maçarico" mas, igualmente, de pessoa responsável.

O texto saíu-lhe fluído, escorreito... isto é, tal como o tínhamos escrito! No final da prestação, enquanto se dirigia ao seu lugar,, ressoaram na sala umas palmas oficiosas e tépidas, nem mais nem menos calorosas do que as que acolhem, neste tipo de reuniões, intervenções idênticas, do Burundi a... Portugal.

Recolhido o ministro ao conforto patrioticamente consensual da nossa bancada, uns nossos "parabéns!", ou "esteve muito bem!" sossegaram-no. Nesse instante, o largo bando de "orelhas de aço" presentes, quais abutres à procura de presa fácil, começou a avançar, de todas as partes da sala, sobre a nossa delegação, com a finalidade de colher exemplares do texto, que entretanto tínhamos fotocopiado às largas dezenas. Não foi essa, contudo, a interpretação do nosso inexperiente ministro. Convencido que todos esses diplomatas de deslocavam à delegação portuguesa para o cumprimentar, deixou-se ficar de pé, no centro e, para nosso indisfarçado embaraço, passou a distribuir apertos de mão, à esquerda e à direita, gerando espanto e orgulho nessa colmeia de adidos e de terceiros secretários, desses "orelhas de aço", de todas as cores e extrações geográficas, que mais não queriam do que obter simples cópias do discurso. Mas que acabaram presenteados, cumulativamente, com calorosos "merci beaucoup!". Foram alguns minutos em que esperámos, com ansiedade, o fim da romagem, sob o sorriso de alguns velhos "routiers" daquele tipo de eventos.

À saída, tivemos de retorquir ao ministro, que perguntava: "É sempre assim? Vem sempre tanta gente cumprimentar? O nosso discurso caiu bem, não caiu?" Claro que caíu!

quinta-feira, julho 14, 2011

"14 juillet"

No dia da sua Revolução de 1789, a França homenageou hoje as suas tropas, como é de regra, com um desfile militar pelos Champs Élysées.

O desempenho dos militares franceses em teatros de guerra, onde cumprem missões legitimadas por mandatos internacionais, justifica bem este gesto de gratidão.

Ainda ontem, no Afeganistão, cinco militares franceses morreram naquela que é uma das novas fronteiras da nossa segurança.

Às vezes, os cultores de certas escolas de pensamento, motivados por preconceitos ideológicos ou por animosidades políticas, tendem a esquecer que há operações militares justas. E que temos obrigação de saudar os militares que nelas se empenham.  

terça-feira, julho 12, 2011

A hora da crise

Há quem pense que a zona euro pode estar a entrar no seu verdadeiro primeiro momento de verdade. O alargamento da situação de fragilidade de uma economia nacional com a dimensão e a importância da Itália, a confirmar-se a sua gravidade, conduz agora a crise europeia para um patamar diferente. 

Já não se tratará, simplesmente, de controlar derivas de economias periféricas, com mais ou menos "panos quentes" e "espadas de Dâmocles" individualizadas, mas de decidir, de uma vez por todas, se um projeto monetário comum pode, ou não, sobreviver sem instauração de outros mecanismos de natureza compensatória ou instrumentos criativos de financiamento, como os "eurobonds". Porém, a viabilidade destes modelos está dependente de um conjunto tão complexo de variáveis, nas muito diversas ordens políticas nacionais, que começa a ser legítimo interrogarmo-nos sobre se isto não será "areia demasiada" para a "carroça" europeia. 

Ontem à noite, um observador com grande experiência nestas andanças europeias dizia-me que temia que, um destes dias, um projeto que demorou décadas a construir pudesse ruir, como um castelo de cartas, em pouco tempo. Esperemos que este pessimismo não tenha razão de ser, até porque o modelo europeu tem agregado a si um conjunto de realizações (em especial, algumas políticas comuns), independentes do projeto da moeda única, que seria de grande irresponsabilidade pôr em causa.

Uma coisa é certa: em qualquer desses cenários, o saneamento das contas públicas, como aquele que Portugal está a levar a cabo, com grande coragem e determinação, continuará sempre a ser essencial. Não é por uma doença deixar de ser individual e, eventualmente, começar a mostrar-se como epidémica, que devemos deixar de tratar-nos.

sábado, julho 09, 2011

Otão de Habsburgo

Só hoje falo do desaparecimento de Otão de Habsburgo, que teve lugar há já uns dias. Mas este atraso não tem a menor importância, porque também ele fez esperar a morte pelos muitos e bons 98 anos.

Sai de cena um descendente de outra Europa, o herdeiro virtual do império austro-húngaro. Acabou por ser protagonista ativo da Europa contemporânea ao manter-se, durante 20 anos, deputado ao Parlamento Europeu e um ardente defensor da unidade europeia. Politicamente cultivava opções ideológicas muito conservadoras.

Otão de Habsburgo viveu uma parte da sua vida em Portugal. Foi um dos beneficiados com os vistos dados por Aristides Sousa Mendes, o que permitiu à sua família atravessar a fronteira franco-espanhola e seguir para o exílio nos Estados Unidos, através de Portugal.

Conta-se que, um dia, ao ouvir dizer que havia um jogo de futebol Áustria-Hungria, terá perguntado: "contra quem?".

terça-feira, julho 05, 2011

Condecorações

Olhar para as condecorações dos outros, de forma mais ou menos discreta, é um vício que é muito típico de alguns diplomatas. Há dias, numa cerimónia no Mónaco, vi que um colega meu se fixava atentamente numa condecoração vermelha que eu trazia na lapela. A certa altura, não resistiu: "Que condecoração é essa? É a "Légion d'Honneur" francesa?", inquiriu.

Não, não era, expliquei-lhe. Era "apenas" a nossa Ordem de Cristo. "Mas tu, em Paris, andas sempre com outra condecoração na lapela!", retorquiu. Expliquei que assim era porque, em França, usava, por regra, uma condecoração que, em tempos, me tinha sido atribuída pelo governo francês, muitos anos antes de eu pensar em vir viver para Paris. E lembrei-lhe algo que pouca gente sabe: existe uma legislação francesa, datada do século XIX, que proíbe os cidadãos franceses de usarem, no seu território, as insígnias da Ordem de Cristo e de uma ordem da Santa Sé cujo nome não lembro, apenas porque ambas têm a mesma côr que a "Légion d'Honneur" e podem confundir-se com ela.

Lembro esta mania dos diplomatas curiosos, a propósito de uma história que o meu amigo Jaime Nogueira Pinto me contou, há uns tempos. Era a propósito de um militar que trabalhava no gabinete do presidente Óscar Carmona, nos anos 40 do século passado e que tinha então a seu cargo o serviço do protocolo. Por diversão e interesse cultural, esse coronel tornara-se num especialista em condecorações estrangeiras. Identificava-as e sabia a história de cada uma.

Numa certa receção, nesses tempos idos da ditadura, o seu olhar fixou-se nas condecorações vistosas de um embaixador latino-americano, que tinha a casaca pejada de insígnias. Com a complacência do hiper-condecorado, lá foi revelando os nomes das ordens de que esse diplomata era portador. Mas, a certo ponto, embatucou: "que condecoração é esta? Nunca a vi!". O diplomata, sobranceiro, respondeu-lhe: "Pois se o senhor as conhece todas, também tem de conhecer esta. Mas não lhe vou dizer o nome. Descubra!..."

A evolução da receção fez com que o militar e o diplomata acabassem por se separar antes do mistério ser esclarecido. É nessa altura que, com um sorriso, este último se volta para um colega português e lhe diz: "Gostei de ver a cara do vosso militar. Não conseguiu descobrir que condecoração era esta. Pudera! Fui eu que a desenhei e que a mandei fazer para mim mesmo...".

Depois de ouvir esta história, já tenho dado comigo a pensar se todas as condecorações que brilham no peito de alguns dos meus colegas são verdadeiras.

terça-feira, junho 28, 2011

TPI

O Tribunal Penal Internacional (TPI) iniciou um processo contra o líder líbio Mouhamar El Kadhafi e familiares. Nada de espantar, tendo em atenção os inaceitáveis atentados perpetrados, sob a sua ordem, contra populações civis. 

A independência e a legitimidade de ação do TPI, uma instituição cujo prestígio é da maior importância reforçar, muito ganhariam se tivesse a imediata iniciativa de proceder, de idêntica forma, face a outras práticas similares atualmente em curso. Mesmo que aí não haja petróleo nem se verifique uma tão vigorosa reação, salvo no plano declaratório, dos "powers that be" internacionais.

quinta-feira, junho 16, 2011

Grécia

Aquando da sua chegada à chefia do governo grego, falei aqui de Georgios Papandreou, de quem sou amigo há mais de 15 anos. Assumiu essas funções num dos momentos mais delicados da história recente do seu país, depois de ocupar vários outros cargos políticos. 

Georgios é uma personalidade serena, com um humor discreto e uma imensa atenção aos outros. Uma sua estada em Lisboa, em 1998, a meu convite, coincidiu com a morte súbita, precisamente em Atenas, de um grande amigo meu, diplomata português, que aí se encontrava de passagem. Recordarei sempre o modo emocionado como Georgios partilhou esse momento delicado, da morte na sua terra de alguém de quem os seus anfitriões estavam muito próximos. A sua sensibilidade tocou-nos a todos.

Neste tempo bem complexo em que, de certa maneira, "todos somos gregos", gostaria de poder dar um abraço ao Georgios e à Ada, extensivo ao vários amigos gregos que tive a felicidade de criar ao longo da vida.

Em tempo: lembro-me do que, há um ano, aqui escrevi sobre a crise grega.

quarta-feira, junho 15, 2011

Notas soltas

1. Imaginemos que um país "do Sul" da Europa tinha levantado uma qualquer "lebre" sobre um produto alimentar alemão, que viesse a provocar uma disrupção na produção e nos circuitos de comercialização do país. Caía o Carmo e o Reichstag! Não tendo sido assim, paga o orçamento da União Europeia...

2. Nestas coisas de sensibilidade dos mercados - talvez porque nunca tenha sido um grande fã da "mão invisível" - não me considero dos melhores "meteorologistas". Porém, o ambiente de divisão que se está a criar entre o Banco Central Europeu, por um lado, e a Alemanha e o Eurogrupo, por outro, relativamente às soluções para a situação grega, traz-me muito maus pressentimentos. Bastante para além (ou aquém) da Grécia, claro.

3. O caso de "Amina Arraf", uma suposta lésbica sírio-americana que, de Damasco, editava um blogue que estava a fazer sensação junto de quem seguia, à distância, a crítica situação na Síria, é bem a prova de que a "balda" no mundo da internet acaba por dar alguma razão a quem o pretende regular. Um suposto rapto de "Amina Arraf", que sublinhava nos seus textos a situação de repressão que se vive naquele país, provocou uma onda de solidariedade internacional. Afinal, "Amina Arraf" era um americano, estudante em Edimburgo, que inventava as histórias no seu blogue...

4. Fui hoje ver "La conquête", um filme de quase-ficção sobre a ascensão de Nicolas Sarkozy à presidência da República francesa. Os primeiros comentários davam a obra como uma caricatura achincalhante para a figura do chefe de Estado. Depois, foi com curiosidade que li uma apreciação benévola do filme por parte de Brice Hortefeux, uma das personalidades mais próximas do presidente francês. Hoje confirmei, uma vez mais, que uma obra tem a leitura que cada um estiver disponível para fazer.

5. Tira-teimas com um amigo diplomata que comigo entrou, no mesmo dia, no Ministério dos Negócios Estrangeiros: quantos ministros já tivémos nas Necessidades, até hoje? Ele dizia 16, eu dizia 19. Na realidade, depois de consultarmos o Anuário (um dia falarei deste clássico "instrumento" da nossa carreira), verificámos que, desde a nossa tomada de posse, em 14 de agosto de 1975, houve 18 personalidades diferentes que assumiram o cargo de chefe da diplomacia portuguesa, embora duas delas o tivessem feito por duas vezes, o que significa que tivémos, de facto, 20 ministros. É muito, em 36 anos? Talvez. No mesmo período, os EUA tiveram 12, a Espanha e o Brasil 13, a França e o Reino Unido 15, a Itália 18. Porém, desde que cheguei a Paris, o Quai d'Orsay já teve três titulares.

quinta-feira, junho 09, 2011

Diplomatas britânicos

Vale a pena ler o que o site do "Foreign Office" refere, no tocante aos blogues dos seus diplomatas:

"Foreign Office blogs provide a place for officials and Ministers to engage in a direct and informal dialogue with public audiences about international affairs and the work of the Foreign and Commonwealth Office. 


We want our blogs to be personal, real time, integrated with other things we're doing, responsive to commments, and written for particular (sometime niche) audiences. But there's no right or wrong way to blog, and you'll see that our bloggers take different approaches. 

Our blogs are personal and attributed - they are all written by the named authors. 

Some are written by ministers, some by ambassadors, some by staff on particular themes. Some are about particular foreign policy issues, some cover a range of our work. Some of our bloggers are on our officially branded websites, some are hosted on other web platforms. Most of our blogs are written in English, but some of our bloggers write in local languages. 

Anyone in the Foreign Office with a good reason to can write an official blog. We provide some guidance and support because we want our bloggers to make the best use of the medium. But the bloggers themselves take full responsibility for the blogs that they publish"

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...