Olhar para as condecorações dos outros, de forma mais ou menos discreta, é um vício que é muito típico de alguns diplomatas. Há dias, numa cerimónia no Mónaco, vi que um colega meu se fixava atentamente numa condecoração vermelha que eu trazia na lapela. A certa altura, não resistiu: "Que condecoração é essa? É a "Légion d'Honneur" francesa?", inquiriu.
Não, não era, expliquei-lhe. Era "apenas" a nossa Ordem de Cristo. "Mas tu, em Paris, andas sempre com outra condecoração na lapela!", retorquiu. Expliquei que assim era porque, em França, usava, por regra, uma condecoração que, em tempos, me tinha sido atribuída pelo governo francês, muitos anos antes de eu pensar em vir viver para Paris. E lembrei-lhe algo que pouca gente sabe: existe uma legislação francesa, datada do século XIX, que proíbe os cidadãos franceses de usarem, no seu território, as insígnias da Ordem de Cristo e de uma ordem da Santa Sé cujo nome não lembro, apenas porque ambas têm a mesma côr que a "Légion d'Honneur" e podem confundir-se com ela.
Lembro esta mania dos diplomatas curiosos, a propósito de uma história que o meu amigo Jaime Nogueira Pinto me contou, há uns tempos. Era a propósito de um militar que trabalhava no gabinete do presidente Óscar Carmona, nos anos 40 do século passado e que tinha então a seu cargo o serviço do protocolo. Por diversão e interesse cultural, esse coronel tornara-se num especialista em condecorações estrangeiras. Identificava-as e sabia a história de cada uma.
Numa certa receção, nesses tempos idos da ditadura, o seu olhar fixou-se nas condecorações vistosas de um embaixador latino-americano, que tinha a casaca pejada de insígnias. Com a complacência do hiper-condecorado, lá foi revelando os nomes das ordens de que esse diplomata era portador. Mas, a certo ponto, embatucou: "que condecoração é esta? Nunca a vi!". O diplomata, sobranceiro, respondeu-lhe: "Pois se o senhor as conhece todas, também tem de conhecer esta. Mas não lhe vou dizer o nome. Descubra!..."
A evolução da receção fez com que o militar e o diplomata acabassem por se separar antes do mistério ser esclarecido. É nessa altura que, com um sorriso, este último se volta para um colega português e lhe diz: "Gostei de ver a cara do vosso militar. Não conseguiu descobrir que condecoração era esta. Pudera! Fui eu que a desenhei e que a mandei fazer para mim mesmo...".
Depois de ouvir esta história, já tenho dado comigo a pensar se todas as condecorações que brilham no peito de alguns dos meus colegas são verdadeiras.
14 comentários:
Hilariante. O dito diplomata fez muito bem condecorar-se a si próprio!
Isabel PB
mandar fazer condecorações pessoais é algo que desconhecia, espero que não se tenha tornado moda.
Com o passar do tempo, aprendi que neste mundo, quase tudo é possível!
Ah!Jóias de imitação?
Narcisismos?!...
Sim Senhor... Bonito
A propósito, o Principe viu-se aflito para escolher o Fatinho a impressionar...Penso até que enlevou a noiva a um olhar permanentemente (...)Desarmado?Não? Então não sei.
Isabel Seixas
"Um conde que cora ao ser condecorado"
(Alexandre O'Neill)
O sogro do Jaime Nogueira Pinto, citado no post principal, contava que, no tempo da outra senhora, tinha ido a uma recepação em França de homenagem ao gen.Fosh, acompanhando o então ministro da Educação prof. Leite Pinto. Leite Pinto era muito exuberante, vivo, inteligente e desenrascado. Olhando para a lapela do seu amigo, então novíssimo, perguntou: mas voçê não tem uma condecoração? Não pode ir sem uma! E escolhendo entre as suas múltiplas pespegou-lhe uma na lapela. Na recepção formou-se uma bicha para cumprimentar o herói Fosh e para ela correu o nosso amigo, esperando pacientemente a sua vez. E no momento de cumprimentar o herói, emocionado, ouviu este dizer: Meu rapaz, como é possível que, tão novo, já tenha a Legião de Honra?
Perguntei, quando ele me contou a história uns quarenta anos depois: E o que fez? Eu? Virei costas e fui para casa!
João Vieira
erro= Fosh= Foch
desculpe
João Vieira
A propósito do comentário de João Vieira lembro-me sempre de alguem muito condecorado. Estranhando tanta condecoração um amigo ousou perguntar a origem. " São de família e eu sou o primogénito"!
Ora aqui está o que uma primogénita nunca faria...
O seu texto fez-me lembrar um filme do Cantinflas, intitulado "O Sr. Embaixador", em que em determinada cena o "embaixador" Cantinflas inicia uma troca de condecorações com outro actor, mas, a certa altura, vendo-se sem mais insígnias para oferecer, "rapa" de uma medalha de uma santa qualquer que a mãe lhe tinha dado e pendura-a no peito do outro.
Enfim, recordações de um tempo em que não perdia um único filme que passasse numa sala de Lisboa, independentemente da sua qualidade.
Também, havia bem menos diversões nesse tempo.
Carlos Fonseca
Sr. Embaixador
Eu sou dos que pensam que, quanto a condecoracoes, só existem aqueles que gostam e aqueles que dizem que nao gostam.
Francisco F. Teixeira
Num comboio algures na Europa dois cavalheiros distintos sentados frente a frente. Um não deixa de mirar a roseta do outro e, sem resistir, finalmente avança: "c'est le Christ? Resposta do outro: "Non ce n'est que la Légion d'Honeur"
Si non es vero...faz bem ao ego (nacional)
Con de corações(...)
Gosto das que aludem
vida
Isabel seixas
Para mim condecorações, medalhas e afins, só mesmo para quem de facto as merece.
Por obra supostamente feita ou a fazer, outras nem por isso, só mesmo porque existem e são amigos desde sempre e então toma lá uma para ti e outra para mim.
A vulgaridade de atribuir medalhas a tudo e a todos, pelas mais diversas razões, pior ainda, por razão alguma, tornaram o momento e o ato, demasiado "pindéricos", como diz a/o outra/o.
Há dias recebi uma medalha grau ouro, só porque TRABALHO há trinta e cinco anos numa empresa, uma outra pessoa também recebeu uma medalha igual só por tem andado por aqui os mesmos trinta e cinco anos!
Pergunto-me se estas medalhas assim atribuídas têm algum valor, para mim o valor é igual a zero, se ao menos fosse ouro maciço, sempre dava para ir por no prego e, tendo em conta os tempos que correm, até poderia dar algum jeito.
Sr Embaixador,
a tal outra condecoração, do Vaticano, é a mesmíssima Ordem de Cristo. Creio, mas não estou certo, que houve há muito um acordo entre Portugal e o Vaticano sobre a matéria. Assim, o Vaticano só atribuiria o Grande Colar, e nós (ou o Chefe do Estado) todos os restantes graus. Daí não haver na nossa Ordem de Cristo aquele grau, ao contrário do que acontece com Aviz e Santiago, também elas antigas Ordens Militares. Como poderia o Vaticano deixar de ter o seu Cristo?
Amigo abraço do East River.
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