quinta-feira, junho 19, 2025

Uma viúva do Irão


Lembrei-me disto agora, quando tanto se fala do Irão.

No final dos anos 50, as revistas de atualidades que, em Vila Real, via lá por casa - "O Século Ilustrado" e a "Flama" - trouxeram amplas reportagens sobre o divórcio do Xá da Pérsia da sua segunda mulher, Soraya. Eu era miúdo mas recordo a simpatia que, para as senhoras amigas da família, merecia a jovem imperatriz que tinha sido forçada a afastar-se do Xá pelo facto de não conseguir dar-lhe um herdeiro. Soraya era muito bonita, tinha uns belos olhos verdes, mas a imagem que dela guardo é a preto e branco, são fotografias em que ela aparecia com um ar permanentemente triste. A tragédia de Soraya ficou-me para sempre na memória. Mais tarde vim a saber que veio a acabar por ter uma desafogada vida em Paris, embora aparentemente não muito feliz.

Após o divórcio de Soraya, o Xá, Reza Pálavi, que não perdia tempo, encontrou, quase de seguida, uma outra mulher, Farah Diba, bastante mais nova do que Soraya, que passou a ser a nova Xabanu, título que significa mulher do Xá. Quando Pálavi foi afastado do poder, fugindo do Irão, Farah Diba acompanhou-o.

Ao tempo em que fui embaixador em França, privámos com um simpático casal iraniano, que tinha um andar magnífico, no Boulevard Saint Germain, com vista sobre o Sena. Por duas vezes, em jantares, cruzei por lá a deposta imperatriz Farah Diba. Tinha então pouco mais de 70 anos e era a convidada de honra desses nossos amigos. Ao que sei, o meu antecessor, António Monteiro, teve-a como visita na nossa residência.

Farah Diba era uma senhora elegante e discreta, que se relacionava com toda a gente que por ali andava, com aparente simplicidade. De uma das vezes em que conversámos, falou-me, com imensa admiração e gratidão, do presidente egípcio Anwar Al Sadat, o único que tivera coragem de receber o Xá no exílio. Já sem nota visível de ressentimento, mesmo com alguma ironia, comentou que, dos muitos amigos que o seu marido foi tendo, enquanto esteve no poder, praticamente todos se tinham prudentemente afastado após a queda da monarquia em Teerão, desde logo a começar pelos Estados Unidos. Por curiosidade, perguntei-lhe se mantinha contactos com a sua família no Irão. Disse-me que a grande maioria dos seus familiares próximos estavam fora do país - em Paris, na Suíça, em Londres ou nos Estados Unidos - mas que, por vezes, ainda era procurada por algumas pessoas vindas do Irão. Pouco lhe consegui extrair, em termos de comentário, sobre a situação que então se vivia no seu país. Era um tema a que manifestamente fugia. 

Por esse tempo, Farah Diba vivia em Paris, curiosamente a cidade onde o Xá a conhecera, meio século antes. Em Paris, também viveu e morreu Soraya. De Paris partiu, em 1979, para derrubar o regime do Xá, o Ayatollah Khomeini. 

O filho de Farah Diba, que há muito vive nos Estados Unidos, tem vindo a sugerir-se, nos últimos dias, como alternativa de poder em Teerão, no caso de um processo de "regime change". O retorno de monarcas aos antigos tronos não está muito na moda, mas, sabe-se lá! Com Trump, qualquer absurdo parece possível.

(Em tempo - Escrevi isto, ontem à noite, a propósito da situação no Irão. Hoje, soube que Farah Diba está por Lisboa. "... que las hay hay!")

7 comentários:

Patch disse...

É sempre um prazer lê-lo. Bem haja pelas memórias e esclarecida opinião.

Anónimo disse...

Todos os projetos de "regime change" em geral são de rechaçar.
O povo iraniano certamente que não quer regressar à monarquia, um regime político medieval.
Os EUA, Israel, os europeus deveriam deixar-se de pretender ajudar a instalar regimes políticos em países estrangeiros.
Tratem dos seus próprios regimes políticos e deixem de meter o nariz no que não lhes diz respeito.

Janita disse...

A não ser as partes que só ao senhor respeitam, nada do que nos conta é novidade para mim. Também tive acesso a essas revistas, embora mais tarde. Já nos inícios dos anos sessenta.
Aliás, se me permite, arrogar-me-ei a vaidade de acrescentar que, o então jovem Xá da Pérsia, não conheceu acidentalmente a ainda mais jovem Farah Diba, que não tinha sangue azul, mas descendia de gente abastada, quiçá, aristocrata. Foi um encontro premeditado, marcado e combinado entre o interessado e os pais da jovem, pois o Xá não pretendia apenas beleza e juventude, não senhor! Também queria unir-se com a cultura. Ora a jovem Farah vivia em Paris porque frequentava a melhor Universidade europeia; a Sorbonne. : ) Tive tanta pena da bela e estéril Princesa Soraya...

Senhor Embaixador, desejo-lhe um excelente dia!

João Cabral disse...

Não me parece que seria absurdo. Vejamos: o que poderia unir todo um povo se o actual regime cair? Pois, é isso mesmo.

ematejoca disse...

Eu sou contra contra aiatolás e Netanyahu ao mesmo tempo.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Nunca se sabe, mas se for por aí temos ainda mais "barraqueiro" garantido.

Luís Lavoura disse...

Coitada da senhora, segundo li na wikipedia, dois dos seus quatro filhos suicidaram-se. Deve ser duro para uma mãe assistir a tal.

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