sexta-feira, setembro 03, 2021

Três mil carateres


Foi muito simpático este convite. Deram-me liberdade para escrever sobre o que me apetecesse. O jornal, ao fazê-lo, estava longe de saber que sou um seu leitor, desde o primeiro número. Verdade seja que, de há uns tempos a esta parte, já só me apetece ler aquilo com que sei, de certeza segura, que não vou concordar. Ora o “Novo”, com uma frontalidade rara, traz sempre, nas suas colunas, muito daquilo que eu claramente não penso nem penso vir a pensar. Mais ainda: defende, quase sempre, precisamente o contrário daquilo que são as minhas ideias. E isso é valiosíssimo! Cada vez me convenço mais de que ler aquilo com que sei que vou estar de acordo é uma redundância comodista. Para pensar como eu penso, basto eu! O que hoje cada vez mais me interessa - e não estou a ironizar, podem crer - é o confronto de opiniões, a guerra das trincheiras, verbais ou tecladas. Há nisto um pouco de masoquismo? Seja, mas tem muito mais graça assim. Porém, vindo eu de outra “freguesia”, uma pergunta impõe-se: que diabo posso aqui trazer que leve o leitor médio do “Novo” a ler-me? É que já estou a imaginar a maioria dos que chegaram a esta página três do jornal a refilar: “Quem foi que teve a ideia de pôr aqui este tipo?”. Ora eu tenho a certeza de que quem me convidou sabia bem o que fazia. E não quero desiludi-lo. Surjo aqui na quota da diversidade a cujo luxo o jornal se dá. O “Novo” - honra lhe seja! - não nos leva ideologicamente ao engano, desde que abriu folhas. Por isso, pode permitir-se o gesto de fazer um convite como este que hoje me dirige. "Será que o tipo vai aqui defender o Costa e o quase unanimismo da missa laica algarvia?", alguém deve ter perguntado. "Não é muito o estilo dele", imagino que possa ter dito o Pedro Correia, o único da casa que convive heterodoxamente com este improvável escriba, embora lhe não adivinhe os humores. "Às tantas, vai falar dos talibãs e do Afeganistão, porque aquela é a praia dele, depois de décadas de croquetes nos claustros engravatados das Necessidades”, terá saído a alguém. Estive quase para o não desiludir, mas isto de ocupar um espaço nobre num jornal de direita e resistir à tentação de dar uma bicada na ala política mais triste, órfã e desesperada da pátria seria uma contenção excessiva para alguém como eu. Aproveitar um pretexto, e tenho tantos e tão bem artilhados, para dizer que "a culpa é do Passos!", é algo a que muito dificilmente resisto. Mas, espera aí!, há outras maneiras de levar a cabo uma flor de provocação: fazer aqui a discreta apologia de Rui Rio e, de caminho, deixar uns elogios a Marcelo. Assim, atiçaria a zizânia, matando dois (outros) coelhos de uma assentada. Mas não, não quero ser chato para a LapaNews, precisamente um nome que sugere o bairro em que vivo. Além disso, dizer bem deles só iria confirmar o que alguma direita há muito já pensa: Rui Rio é uma espécie de MDP-CDE do PS e o presidente já se bandeou com Costa (é não o conhecerem!). Mas, sendo as coisas o que são, então vou falar de quê, neste espaço que o “Novo” me concedeu? De nada! Já passei os três mil carateres que me tinham dado!

(Artigo hoje publicado no semanário “Novo”)

12 comentários:

Lúcio Ferro disse...

Podia, por exemplo, escrever sobre a deriva cada vez mais populista do Pedro Correia, o mesmo que após o seu trabalhinho de sapa no dn laranja e no delírio de opinião obteve um tacho muito bem remunerado junto daquela figura queirosiana chamada Miguel Relvas (qye será feito desse brilhante facilitador de negócios?). Podia indagar sobre quem paga uma imprensa de direita que não dá qualquer lucro durante anos e anos a fio, como é o caso do I, do Observador, do Novo Sol e agora do Novo Semanário, entre outros. Podia elaborar sobre os porquês de tais meios de comunicação serem financiados a fundo perdido por conhecidos empresários "liberais" da nossa praça, sem que ninguém se interrogue como é que "homens de negócios" despejam impressionantes verbas em empreitadas que só dão prejuízo, para além do enorme lucro que é estabelecer as agendas políticas que lhes interessam. Só aí teria um enorme manancial de investigação, reflexão e de escrita, mas duvido que lhe dessem os tais 3000 caracteres por muito tempo.

Francisco Seixas da Costa disse...

Luís Ferro. O Pedro Correia é meu amigo. Ponto.

Lúcio Ferro disse...

Sr. Embaixador, não coloco de todo em causa as suas ligações de amizade, também tenho as minhas e por vezes em quadrantes muito diferentes dos meus e não me passaria pela cabeça, só porque discordo profundamente de certas atitudes e de tomadas de posição de amigos meus, deitar borda fora um percurso feito de anos de vivências, alegrias, cumplicidades, dificuldades e etc em comum. Seja como for, apenas tentei apresentar sugestões temáticas que poderia abordar, até e tendo em conta que, estou em crer, lhe é dada a possibilidade de escrever em tais órgãos "informativos" o que lhe der a si na real gana. Claro que, e não me levará a mal, tais órgãos "informativos", penso eu de que, "recrutam" personalidades como o Senhor Embaixador para que as mesmas lhes emprestem, pelo prestígio e valor incontornável, uns pozinhos de "pluralismo" opinativo que, no meu entendimento, pura e simplesmente não existe.

José disse...

É pena o Lúcio Ferro não se ter lembrado de acrescentar à sua lista o Público, um jornal que, na sua longa vida, sempre deu prejuízo, e apenas existe por "birra" do falecido Belmiro de Azevedo, agora continuada pelos seus herdeiros. Provavelmente, o facto de o Público se ter tornado numa espécie de pasquim do Bloco de Esquerda torna-o aceitável...

Raisparta o facciosismo!

Lúcio Ferro disse...

José, um pasquim onde bota discurso a nódoa do João Tavares e outros iluminados dominado pelo BE? Não me faça rir, não o mencionei, mas realmente deveria tê-lo feito. Mais esclareço que em nada me revejo no BE apenas chamo a atenção para quem de facto domina a esmagadora maioria da CS em Portugal. Se tal é facciosismo, estamos conversados.

José disse...

Para quem confunda óculos escuros com vendas, aqui fica: manchete do Público às 18:30 de hoje - uma exposição de uma artista "negra" sobre a escravatura. Parece que é uma lisboeta mas saiu de cá com grande alívio porque o racismo era insustentável... MANCHETE!

José disse...

Já agora, este extrato do Ferro diz tudo...

"(...) órgãos "informativos", penso eu de que, "recrutam" personalidades (...) para que as mesmas lhes emprestem, pelo prestígio e valor incontornável, uns pozinhos de "pluralismo" opinativo que, no meu entendimento, pura e simplesmente não existe. "

Pronto, tem aí para que serve a "nódoa" do JMT. È para nos distrair da cor da toalha.

Lúcio Ferro disse...

Ó José, não se abespinhe com a cor das pessoas, lá está você a desconversar.

Jaime Santos disse...

O Lúcio Ferro apresentou a 'sugestão' ao Sr. Embaixador de que ele deveria ofender um amigo e quando percebeu que tinha metido a pata na poça, rapidamente reduziu essa 'sugestão' a uma mera sugestão.

A Esquerda, em vez de andar sempre a fazer queixinhas sobre o predomínio da Direita no setor da comunicação social (é natural que os empresários financiem projetos editoriais que defendem o seu modo de ver as coisas e isso não deveria constituir espanto ou escândalo para ninguém) deveria era fundar ela própria projetos editoriais alternativos.

O que duvido é que convidassem o Sr. Embaixador para aí escrever...

Lúcio Ferro disse...

O que eu duvido, Jaime Santos, é o que o senhor alguma vez entenda os paradigmas políticos sociológicoa e económicos que lhe condicionam a forma de "ver" as coisas, que no seu caso costuma ser ofensiva, provocatória e, a bem dizer, ultrapassada. Azar o seu, já levou para o bagaço no Ladrões e aqui também já tem sido bombo de festa, quem o manda meter-se a dar bitaites sobre o que não sabe? Enfim, chá meu caro, chá, cada qual toma do que gosta.

Jaime Santos disse...

Lúcio Ferro, o que é que isso tem a ver com o tema que lançou à discussão, aliás já a desconversar sobre o texto do Sr. Embaixador, que era acima de tudo humorístico?

O José não está sozinho...

Realmente, a linha Louçã parece que faz escola. Humor zero e quando ele tenta ser engraçado, dá asneira...

Mas eu entendo razoavelmente bem os paradigmas sociológicos e económicos que me condicionam o pensamento (esta frase não lhe parece horrivelmente pomposa, mesmo em registo sarcástico?) e também os que condicionam o seu.

Só que os meus não me levam à defesa de ditaduras como a de Cuba, China, etc, e também não faliram estrondosamente nos idos de 1989 a 1991...

É extraordinário como algumas pessoas conseguem defender linhas políticas e medidas que foram tentadas e falharam e continuam a ignorar olimpicamente esse pequeno embaraço chamado História... E depois ainda dizem que são os outros que estão ultrapassados.

Enquanto eu continuar a ganhar, não me importo nada que me considerem ultrapassado...

Sobre eu ser ou não o bombo da festa aqui ou onde for, não se preocupe com isso que é problema meu, porque se me respondem, é porque eu incomodo... E vou continuar a escrever onde bem me apetecer, enquanto publicarem os comentários que eu submeto, como faço aliás há muitos anos...

E sobre eu ser ou não ofensivo (provocatório, com certeza) aconselho-lhe que leia bem o que escreveu acima. É ofensivo e é provocatório. E ainda tentou emendar a mão falando de 'sugestões', mas sem retirar nada do que disse, o que não abona muito a favor da sua frontalidade, para não lhe chamarmos outra coisa.

Gostei particularmente da frase sobre o '[não] deitar borda fora um percurso feito de anos de vivências, alegrias, cumplicidades, dificuldades e etc em comum'... Por detrás da verborreia, o Lúcio Ferro recomenda a prática da duplicidade para com os amigos, se o entendi bem... Rico amigo que você deve ser...

Eu pelo menos tento aplicar a mim próprio a mesma bitola que aplico aos outros. Não sei se consigo sempre, mas há quem não o faça nunca...

De novo, não há mal nenhum que a linguagem revolucionária seja agreste, mas se assim é não esperem flores dos vossos adversários e não se armem em virgens ofendidas... O estatuto de militante de Esquerda não é salvo-conduto moral para ninguém...

Quanto a chás, sou de facto um apreciador, o meu favorito é mesmo o da Gorreana, mas não enjeito o Darjeeling ou o Assam...

Jaime Santos disse...

Ah, pois e as 'sugestões' são 'sugestões temáticas'... Lindo!

Fora da História

Seria melhor um governo constituído por alguns nomes que foram aventados nos últimos dias mas que, afinal, acabaram por não integrar as esco...