domingo, setembro 12, 2021

Meia dúzia de histórias com Jorge Sampaio - Gdansk


1998. Uma das várias viagens internacionais que, em representação do governo, acompanhei Jorge Sampaio foi à Polónia. Era uma visita de Estado, com uma deslocação ao campo de extermínio de Auschwitz. Tinha estado anos antes nesse local que a História tornou trágico, mas Sampaio não o conhecia e, sabendo-se a sua propensão para a emoção, pode imaginar-se o seu estado na ocasião.

Nem tudo foram momento desta natureza, numa visita muito agradável, com deputados de vários partidos. O partido “Os Verdes” tinha então, na Assembleia da República, duas deputadas: Heloísa Apolónia e Isabel de Castro. Recordo-me da surpresa que atravessou a mesa de um almoço, quando eu, voltando-me para Isabel de Castro, lancei a frase: “A sua vinda nesta delegação, Isabel, é um erro de casting!” Jorge Sampaio, como toda a gente, olhou para mim com um ar de estranheza. O que é que eu queria dizem com aquilo? Tive de ser rápido a explicar, claro. Então não era mais lógico que “Os Verdes” enviassem Heloísa “à Polónia”?!

Nesse mesmo dia, ainda em Gdansk, a capital da Pomerânia polaca, onde nasceram Schopenhauer e Günter Grass, ao olharmos o programa da visita, demo-nos conta de que ela não incluía uma passagem pelo histórico estaleiro Lenine, local onde, em 1980, Lech Walesa liderara a greve que abalou o regime comunista. 

(Devo dizer que então estranhei - e disse-o - que Lech Walesa não tivesse sido associado a nenhuma das cerimónias oficiais, como antigo presidente do país. A minha observação foi, contudo, recebida com uma explicação por parte dos nossos anfitriões: Walesa já não era então uma figura muito popular, a imagem "heróica" que dele sobrevive no imaginário oficial internacional não parece ser acompanhada internamente, um pouco ao jeito da de Gorbachev, na Rússia de hoje. "Vocês convidam o Otelo para as cerimónias oficiais?", perguntou-me ironicamente um amigo polaco com alguma memória lusitana. Anos mais tarde, tive oportunidade de, finalmente, jantar ao lado de Lech Walesa, em Varsóvia.)

Nesse dia, Sampaio e eu próprio não queríamos deixar de passar por aquele marco político. E lá se adaptou o programa ao desejo português. Parece-me que ainda estou a ver a cara sorridente de Jorge Sampaio, no fim dessa escala, voltando-se para mim, no autocarro, à distância, num tom de formalidade brincalhona e cúmplice, dizendo: “Doutor Seixas! Nós não podíamos perder esta, não era?”

1 comentário:

Luís Lavoura disse...

o campo de extermínio de Auschwitz

Campo de extermínio foi, por exemplo, o de Treblinka e, em geral, os da operação Reinhardt (Treblinka, Belzec e Sobibór). Auschwitz foi primariamente um campo de concentração, onde se queria aproveitar a força de trabalho dos prisioneiros e não principalmente matá-los (os, pelo menos, não se pretendia matá-los a todos).

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