quarta-feira, março 31, 2021

Os livros ou Samuel Wainer, escolham!



Ontem, senti-me como uma criança numa casa de doces! Ia a passar, de carro, na rua da Escola Politécnica e, num instante, vi que a “Livraria da Travessa” estava aberta. Fiz uma guinada tal com o meu Smart, para estacionar junto à Faculdade de Ciências, que ia quase provocando um acidente com um Uber Eats.

Nem podem imaginar como me fez bem entrar naquela “catedral” do livro brasileiro, “cheirar” o extraordinário mundo editorial do Brasil. Só por vergonha não listo aqui o que me apeteceu comprar!

A “Livraria da Travessa” e, em especial, as “Cultura”, eram a minha perdição, quando vivia no Brasil. Entrava por ali, no Rio ou Brasília ou São Paulo ou Recife, e começava a angustiar-me, pensando: “não vou ter tempo para ler tudo o que me apetece comprar”!

É este sentimento que continua a atravessar-me, e cada vez mais (porque o tempo é cada vez menos), quando entro em livrarias. Como já não se vendem discos e eu, à parte livros, não gosto de adquirir nem roupa nem “gadgets”, constato que não sei comprar mais nada. Com uma exceção: compro “stationary” (blocos, marcadores), que depois não gasto.

Andei ontem, assim, por aquelas mesas da “Travessa”, nos escassos minutos que tinha, antes da casa fechar, deliciado.

E dei com um livro que sabia que tinha sido publicado, há poucos meses: uma biografia de Samuel Wainer. A maioria dos leitores deste espaço perguntarão: mas quem diabo é Samuel Wainer?

Há muitos anos, mais de trinta, eu ouvira falar, pela primeira vez, de Samuel Wainer. Foi num jantar na residência do Cônsul-Geral português no Rio, que era então José Stichini Vilela. Eu estava por ali de férias. A pessoa que, nessa noite, nos (me) falou de Wainer, um brasileiro amigo do nosso cônsul, cujo nome esqueci. Descreveu-mo como um jornalista hiper-talentoso, mas, essencialmente, como sendo uma figura marcante da vida política do Rio, que tinha sido combatido ferozmente por Carlos Lacerda (o que, para mim, era uma medalha), que tinha estado ao lado de Vargas, de Kubitchek, de Jango. Fiquei curioso e guardei o nome.

O Brasil é um país que tem uma extraordinária história de imprensa, jornais e revistas magníficos, mesmo numa comparação internacional. E, com os anos, vim a constatar que o jornal “Última Hora”, de Wainer, tinha um capítulo muito importante nessa mesma história.

Weiner não era um santo, longe disso. O seu talento tinha um “outro lado da moeda”. Subiu alto, desceu baixo e, há alguns anos, li umas memórias suas em que ajustava algumas contas - e os livros de ajustes de contas, se têm a sua graça, são, quase sempre, retratos não muito favoráveis de caráter.

Conta-se que, no fim da vida, num jornal de São Paulo onde Weiner terminou a profissão, um jovem repórter terá dito que não sabia quem ele era, ou melhor, que só sabia que ele tinha vivido com Danuza Leão, uma muito interessante figura feminina, irmã da cantora Nara Leão. Danuza, uma “musa” que marcou os “swinging sixties” do Rio, foi uma mulher deslumbrantemente bonita. Chegou a trabalhar na TAP, no Rio. Ainda é viva e também escreve - e, aliás, nada mal. Porém, reduzir Wainer a ter sido companheiro de Danuza era, de facto, bastante cruel. Mas, vá lá!, podia ser pior!

Em 2005, comigo acabado de chegar a Brasília, o conselheiro de imprensa da nossa embaixada, Carlos Fino, perguntou-me se eu queria conhecer uma das figuras, quase históricas, do jornalismo da capital, a primeira mulher a ser acreditada junto do Itamaraty, uma pessoa que era bastante sua amiga.

Convidei-a para almoçar. Era uma senhora já muito idosa, com uma extraordinária lucidez, de grande simpatia e uma visão muito equilibrada sobre o mundo altamente complexo da política brasileira. Chamava-se Sofia Wainer e era irmã de Samuel Wainer. Ficou, desde esse dia, nossa amiga, por todo o tempo que vivemos no Brasil.

Nunca falei com a Sofia o quanto gostaria de ter falado sobre a figura fascinante que tinha sido o seu irmão. Também nunca lhe perguntei muito sobre a sua família judaica, saída no final de 1920 da Bessarábia, região hoje na Moldova, que chegou ao Brasil quando Samuel tinha 10 anos. Sofia foi a única irmã que já nasceu no Brasil. Quando não se sabe: a idade de Sofia foi sempre um dos segredos bem guardados de Brasília. Morreu em 2015.

Vou ler esta biografia de Samuel Wainer também a pensar na Sofia.

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