terça-feira, março 23, 2021

O grande arquiteto

“O teu avô era da Maçonaria”, dizia-me o meu pai, na minha juventude, lá por Vila Real. Imagino que o fizesse em voz baixa, por forma a não inquietar o meu outro avô, com quem vivíamos, pai da minha mãe, pessoa conservadora e que imagino seria pouco dado a apreciar esses caminhos de secretismo cívico. O meu avô mação tinha morrido no início dos anos 20, era o meu pai ainda uma criança, e estas nossas conversas tinham lugar nos anos 60.

Como o meu pai e o seu sogro se davam muito bem, não obstante o meu pai ser “das esquerdas”, como se dizia nessa ala da família, a boa educação e a solução para um são entendimento entre os dois passaram sempre, ao que creio, pela fuga a temáticas politicamente polémicas. E resultou muito bem, pelo que vi.

Nenhuma das duas heranças dos meus avós me tocou. Nem fui nunca para a Maçonaria, assunto que sempre abordei com risonha curiosidade, nem me deixei alguma vez catequizar por uma leitura benévola de algumas caraterísticas do Estado Novo, que o meu avô materno discretamente cultivava.

Como sempre dei por mim com um favorecimento tendencial das causas minoritárias, a Maçonaria, que sabia diabolizada e perseguida pelo Estado Novo, e que ainda por cima estava ligada a essa memória distante do meu avô paterno, acabava por merecer-me alguma simpatia, desde a juventude. Devo confessar, contudo, que os seus ritos me pareceram sempre um tanto bizarros e em nenhuma circunstância tive a menor tentação de aderir ao reino do “grande arquiteto universal”. Verdade seja que também nunca ninguém me convidou para tal, talvez porque resultasse expectável a minha reação.

Serve isto para dizer que, nada tendo a ver com tais obediências filosóficas, acho insensato e anti-democrático que se pretenda sujeitar à transparência e escrutínio público a eventual pertença a essas confissões. Ninguém tem o direito de perguntar ao outro a sua religião, o seu clube preferido, as suas inclinações no voto ou a sua orientação sexual. Se vamos por aí - e já se percebeu que este ataque tem uma agenda política clara, parte dela passando pela luta interna no PSD - arriscamos a transformar-nos numa sociedade pidesca, coscuvilheira e intrusiva. Como se diz em inglês, “mind your business” que, por cá, se traduz popularmente por “trata da tua vida e não chateies os outros!”

3 comentários:

Portugalredecouvertes disse...

tentei perceber como funciona e li este texto
https://expresso.pt/sociedade/2017-06-04-Maconaria-em-busca-da-influencia-perdida
lembrei-me que se parecerá com algumas práticas de praxe nas universidades?!

jose duarte disse...

Pois, o que não se percebe mesmo é o Rio querer usar este truque, para resolver os

problemas caseiros.Se calhar também anda aqui a ideia de criar fatos ou

distrações....???

josé ricardo disse...

Vamos lá ver, caro embaixador. Um deputado não pode ser considerado um cidadão comum. As responsabilidades que advém da sua profissão (ou do seu "estar" deputado, como alguns gostam de referir) não tem nada a ver com as responsabilidades de um bombeiro, arquiteto, engenheiro, mecânico ou pedreiro. Os deputados têm uma prerrogativa que as restantes profissões não possuem: propõem, compõem, rejeitam as leis da República. Para mim, bastaria este argumento para concordar com a obrigatoriedade de declarar se pertencem a alguma espécie de associação manifestamente influente na sociedade, religiosa inclusive. E, já agora, dada a pacovice como o nosso país vive o futebol - provavelmente, a atividade menos democrática em Portugal - acho que deveriam também declarar se são sócios de algum clube, dos "três grandes", claro, visto que o futebol em Portugal gravita à volta dos "três grandes" (para quem não queira entender, as aspas em "três grandes" são depreciativas).

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...