A História regista vários casos de personalidades que, tendo revelado um mérito excecional nas áreas em que operam, com isso concitando a admiração e respeito da sociedade, praticaram, noutras dimensões da sua vida, atos graves de natureza cívica. A questão que se coloca é saber se a comunidade, ao querer reconhecer publicamente os méritos de uma atividade que todos aplaudem, o pode fazer sem levar em conta os restantes aspetos.
Esta questão veio à baila a propósito da atribuição do prémio Camões ao professor Vitor Aguiar e Silva, cuja empenhada partilha dos valores da ditadura fascista, com reconhecida militância política contra a liberdade de quem lutava pela democracia, suscita legítimas dúvidas sobre a oportunidade de um reconhecimento académico que iluda esses outros aspetos da sua vida.
Provavelmente não há uma resposta de sim ou não a esta questão, dividindo-se as opiniões, mas colocá-la, muito abertamente, é a expressão da dúvida que a muitos assalta. Como é o meu caso.
11 comentários:
Não terá sido decerto por ignorância que, em 2006, Jorge Sampaio lhe atribuiu uma comenda. E, quanto a lutas académicas, esse PR tinha CV e pergaminhos bastantes.
A questão é eterna e tem muitos protagonistas - Céline, por exemplo. Os puritanos e rigoristas condenam desde logo. Considerando que um Homem tem de ser peça única e coerente.
Serei parte interessada? Talvez. Aprendo sempre com o seu ensaísmo fundamentado e sério, e tive-o como assistente competente, de A. J. da Costa Pimpão, nos meus tempos de Coimbra.
Que as virgens atirem os calhaus politicamente correctos.
De facto no que li até aqui sobre esse indivíduo omite-se cuidadosamente o seu Curriculum político. Porquê? Pode merecer o prémio, mas por que não falar dos seus feitos sem omissões? Eu estava em Coimbra em 1969 e lembro-me bem dele.
Mas o que está em causa é o passado do homem? Ou o seu valor literário? este tipo de atitude fazem-me lembrar as que foram tomadas contra o Aquilino Ribeiro ou Jaime Cortesão ou indo mais atrás contra o José Relvas ou Brito Camacho ou recuando mais atrás ao António da Silva o "judeu". Deve ser pêcha dos lusitanos.
Razão tinha o D.Filipe I de Portugal ao escrever para a sua filha que estava em Madrid como regente.
-Que raio de povo são os portugueses que "Sofrem mais com a ventura alheia do que com a miséria própria" Não aprendemos nada! A inveja corroi-nos!
Senhor Álvaro:
Não é isso. Pergunto somente porque é que o Curriculum dele, pelo menos em vários sítios onde li sobre o prémio, não é completo. Ou os seus feitos no campo político não interessam? Porquê? Não ponho em dúvida os méritos dele em matéria de literatura. Quando se estuda um literato ou um pensador é costume estudá-lo em toda a sua dimensão. Porquê omitir uma parte? Só isto.
Sim o que está em causa é o passado. Foi pelo passado que mereceu o prémio e não pelo que vai fazer no futuro. Esse (o futuro) só será premiado quando se tornar passado. É simples.
O prémio reconhece o génio e o trabalho, não o carácter, muito embora fique a pergunta se uma pessoa que tivesse sido condenada por um crime gozaria da mesma tolerância pela parte do júri que goza alguém que se limitou a apoiar um regime opressivo como o do Estado Novo. Eu entendo que deveria gozar.
Pensei que este tipo de questões já tinha sido ultrapassado. Ou será que é conforme a pessoa, lembrando-me assim de repente de Adriano Moreira? Haja pachorra.
Eu de Adriano Moreira diria o mesmo. A par dos seus méritos, quando um dia se fizer história, e da sua capacidade intelectual tem de se referir, nos estudos que se fizerem, que fez parte de um Governo que mantinha a censura e a Pide e também que ele assinou uma portaria sobre o Tarrafal. Ou deve omitir-se isso? Não é uma questão de pachorra, é uma questão de rigor e honestidade. E do Marquês de Pombal? Deve-se falar das reformas importantes que promoveu e omitir o caso dos Távoras? Em investigações de História não se trata de pachorra. Já em questões de propaganda política ou luta partidária é outra coisa: omite-se o ue nos prejudica. Exemplo: quem nega on holocausto está a fazer História ou simplesmente propaganda política (pró nazi, diga-se). Nada está ultrapassado deste ponto de vista.
se o Saramago, que defendeu as piores ditaduras, podia, porque não há-de poder Aguiar e Silva?
Eis FSC dando-nos um bom exemplo da "cultura de cancelamento".
Saramago, não só era comunista, como também defendia o iberismo (quando é que isto começa a ser considerado crime, já agora?). Mas... nada a apontar.
Excelente resposta:
«Ao Sol, o professor Aguiar e Silva disse desconhecer o charivari mas sempre foi adiantando que “haverá aqui confusões tremendas entre valores estético-literários e valores ideológicos. Há pessoas que põem acima de quaisquer valores, o valor de um partido ou de uma ideologia, o que comigo nunca aconteceu.”»
https://sol.sapo.pt/artigo/713727
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