quarta-feira, outubro 14, 2020

Tempos de dúvida

 

Portugal atravessa aquele que é, porventura, o momento mais delicado da gestão da pandemia. Não me refiro à questão médica e sanitária, assunto que deixo a quem dele sabe.

O ponto que aqui me importa é a dimensão cívica e política do tema. Como questão de cidadania, essa é uma questão sobre a qual é legítimo que todos tenhamos opinião.

Em março, o país tomou um susto e confinou-se. O governo esteve bem no modo como atuou e as medidas impostas, com maiores ou menores reticências de alguns, foram genericamente bem aceites. A tragédia italiana, somada ao agravamento da situação em Espanha, criou o caldo de temor que permitiu que se tivesse ido mesmo bastante longe nas medidas coercivas.

António Costa mostrou então uma autoridade equilibrada e o país reconheceu o valor dessa liderança. No seu estilo, o presidente fez o que lhe competia, na solidariedade institucional que era indispensável. Rui Rio, acompanhado pelo país político responsável, mostrou-se à altura do momento. Os resultados eram animadores e isso ajudou, se não ao consenso, pelo menos a uma maioria de adesão.

Depois, vieram as “exceções”, para todos os gostos – das datas institucionais às manifestações cívicas, por causas ou por causa de algum partido. E, claro, Fátima. Com o progressivo retorno a alguma normalidade, surgiu o natural agravamento dos números.

O discurso oficial, que, compreensivelmente, sempre navegou um pouco à vista, entre os exemplos alheios e os números pátrios, ressentiu-se, muitas vezes, em termos de coerência. Nunca se assumiram nem se confessaram os erros praticados, o que, de certo modo, debilitou a confiança nas caras que titulavam a orientação seguida. Foi injusto, mas foi assim. E a chicana política foi encontrando espaço para operar.

Do quase consenso, algum país descolou então da narrativa oficial, duvidando da proporcionalidade de algumas medidas, ironizando de outras. Com a segunda vaga, muitas pessoas sentem-se inquietas e duvidosas do saber de quem as deve orientar.

A minha preocupação, olhando os últimos números mas, principalmente, lendo as tendências em vários países europeus, é saber se, perante a constatação de que podem vir a ser necessárias novas e mais fortes medidas limitativas, existe ambiente público para conseguir impor esse novo pacote de restrições, em condições de garantir a sua obediência generalizada.

É que um eventual incumprimento dessas novas medidas emergiria como um fator de corrosão da autoridade do Estado. E esse seria um drama a somar à tragédia.

17 comentários:

Anónimo disse...

«Depois, vieram as “exceções”»

o embaixador não percebe nada.

de excepção são as regras e limitações protectoras que nos impõe a mão intendente destes dias disciplinados.

o resto é a vida na polis.

releia C. Schmitt e G. Agambem - e, já agora, o 1984 do Orwell, que isso é novilíngua.

Anónimo disse...

O problema é que estamos a tratar este vírus como se se tratasse do Ébola. No ano passado por esta altura os hospitais tinham uma taxa de internamentos superior à de agora. É preciso afastarmo-nos um pouco e ver tudo em perspectiva. O pânico e informações falsas difundidas pelas televisões (que só procuram share) são completamente descabidos. Em vez de dar a gestão deste surto aos políticos, porque não deixar este assunto nas mãos da comunidade científica?

Cristina

Luís Lavoura disse...

Em março, [...] O governo esteve bem no modo como atuou

Não. Esteve muito mal.

Tomou medidas que nunca se tinham tomado em nenhuma epidemia, e cuja eficácia a destruir a epidemia era desconhecida, mas de cuja eficácia a destruir a economia ninguém podia duvidar.

Causou um prejuízo imenso a crianças e jovens ao interromper as aulas. Prejuízo inútil, dado que as crianças são imunes à covid-19.

Causou um prejuízo imenso a doentes (inclusivamente a mim, que tive um grave problema oftalmológico por essa época) ao interromper consultas e tratamentos.

Colaborou e incentivou um prejuízo imenso a muitas empresas.

E tudo isso para quê? Para salvar a vida, muito temporariamente, a meia dúzia de pessoas cuja vida já estava, de qualquer forma, por um fio. A idade média dos falecidos foi, segundo li algures, de 81 anos!

Luís Lavoura disse...

Com o progressivo retorno a alguma normalidade, surgiu o natural agravamento dos números.

Não. A evolução dos números (descida no verão, aumento no outono) não se deveu a qualquer atividade (ou falta dela) humana, mas sim, essencialmente, para não dizer mesmo somente, à evolução das condições meteorológicas.

São as condições meteorológicas quem tem comandado a evolução desta epidemia, tal como das epidemias de doenças respiratórias em geral. As atividades e atitudes humanas têm tido um efeito puramente marginal. As ordens emanadas pelos governos, idem aspas.

AV disse...

Leio alguns dos comentários anteriores com incredulidade.
Não é verdade que as crianças sejam imunes ao COVID-19. Em geral são menos susceptíveis à infecção e têm sintomas mais ligeiros. No entanto, existem casos de crianças saudáveis com formas mais graves da doença e algumas dessas desenvolveram outras complicações como a doença de Kawasaki atípica. A associação com a última não está provada, mas é possível. De qualquer forma, as crianças não deixam de ser portadoras do vírus e é aí que reside o,problema.
A taxa de internamento hospitalar por outras doenças diminuiu em vários países em comparação com o ano passado. No entanto, existem estudos que apontam para que isso se deva a motivos negativos e não por razões positivas.
Concordo que a gestão da pandemia deveria ser, em maior parte, feita por profissionais da saúde e cientistas. O Reino Unido é um caso exemplar pela negativa de como Governo e outras instituições têm ignorado as recomendações dos seus próprios conselheiros científicos oficiais com consequências desastrosas. É uma atitude que permeia, infelizmente, por muitos dos seus cidadãos. Os governos e os políticos também têm uma responsabilidade grande na orientação da consciência cívica.

Luís Lavoura disse...

Cristina

O problema é que estamos a tratar este vírus como se se tratasse do Ébola.

Exatemente. É precisamente isso que penso.

Se se tratasse do ébola - um vírus altamente letal, e que mata toda a gente, incluindo gente a priori saudável e jovem, sem distinção - as medidas aplicadas teriam sido plenamente justificáveis.

Para este vírus - que somente afeta uma pequeníssima parte dos infetados, e que somente mata pessoas muito enfraquecidas pela idade ou pela doença - as medidas são totalmente injustificáveis.

Tendo sido claro desde muito cedo que este vírus não é o ébola nem nada de parecido, as medidas aplicadas, em particular todas as medidas coercivas, foram totalmente injustificáveis, e causaram muito mais dano que benefício.

Como atualmente é evidente.

Anónimo disse...

O governo foi tíbio em relação a algumas coisas. Não impôs a máscara obrigatória mais cedo, não tomou medidas em relação aos transportes, permitiu e encorajou manifestações, espectáculos, feiras, etc, não testou o suficiente, não cuidou dos lares, não tomou as medidas que se impõem nas escolas etc, etc, etc. Como sempre, vai atrás do prejuízo, não quer ou não pode gastar o suficiente. O nosso facilitismo e uma espécie de crença na protecção de N.S de Fátima (que até os ateus portugueses sentem) ditou esta tragédia. E o o nosso PR, que não quer problemas, tudo o que tem a recomendar´é contenção no Natal! Voltámos ao estado de calamidade. E se não pômos travão vamos parar ao estado de emergência, leia-se, ao confinamento em casa. Outra vez!

Corsil Mayombe disse...

Ainda estamos no segundo capítulo do PROGRAMA COVID-19.
A saga continua...!

Anónimo disse...

A minha pergunta é: não há por aí nenhum estalinista a querer opinar sobre isto? Se assim for, então aqui vai: Trump! Trump! Trump! Hey, hey, hey, USA!

Anónimo disse...

... E quem no Mundo inteiro poderá ter certezas?
...E quem no Mundo poderá não ter dúvidas?
Devia haver mais modéstia e humildade em quem opina. Esperar para ver, na sua dose é muito útil...

Anónimo disse...

Anónimo das 08:42h

Não opinar, esperar para ver.... é como fazer prognósticos no fim do jogo.
É falta de opinião própria, falta de coragem para assumir uma posição. Se a história fosse assim construída, nunca aconteceria nada, estariamos permanentemente à espera para ver para nunca corermos o risco de falhar.
Felizmente não é assim que o mundo gira.

Anónimo disse...

Vamos lá a ver:

O SARS-CoV-2 não anda sózinho. Mesmo nas mais adversas condições meteorológicas, se, não houver hospedeiro há ZERO vírus. Este ou outros...porque não são detectados...
São as atividades e atitudes dos hospedeiros, que, ditam a sua propagação.
As pessoas agora não têm medo, mas, continuam irresponsáveis.
Sem vacina, a única medida eficaz é o confinamento total. Não pode ser!
Perante este vírus bonzinho, que, não anda sózinho, não pensa e morre com sabão:

-manter o distanciamento físico
-usar máscara, sempre que não for possível manter o distanciamento físico
-usar máscara em todos os espaços fechados
-lavar as mãos

A máscara quebra a cadeia de transmissão. Um positivo de máscara, não é contagioso.
Para a comunidade científica isto é um facto.
Usemos o cérebro.

Sim, uso máscara e detesto. Não sou profissional de saúde. Uso para minha proteção e dos outros.
É fácil. É cívico. É sempre melhor prevenir....

Anónimo disse...

Eu recuso-me a instalar a app e a permitir que a polícia consulte o meu telemóvel. O governo q siga nesse caminho e em 24 horas o Estado perde a autoridade que lhe sobra!

O que vai fazer o polícia? Dar-me uma bastonada? Pôr-me de cana? Haveria de ser lindo de ver.

Vai ser o fim do Estado como o conhecemos.

Anónimo disse...

Curiosa a posição das diferentes "industrias da saúde" -e o respectivo inefável peso político- perante um fenómeno que ultrapassa regimes políticos, fronteiras ou Continentes.

Anónimo disse...

Já instalei a aplicação ontem. Antes de instalar pensei, então estou agora preocupado com a privacidade, quando sou seguido ao segundo pelo cartão de crédito, nos estabelecimentos e nas ruas gravam a minha cara, quando saio de um restaurante logo a seguir o telefone dá sinal a perguntar se gostei do dito, e agora estou com parvoíces com a falta de privacidade na aplicação?! Olha ( desculpe Sr Embaixador , o latim Alentejano) que porra de medo, em aproveitar uma possibilidade mínima de saber quem me rodeia?

Anónimo disse...

Diz agora na tv o João Tiago Silveira do (PS), que tudo fará para lutar contra a (aplicação), está no seu direito se assim entender.
Será que o Tiago Silveira paga tudo em dinheiro vivo?
Será que o Tiago Silveira usa disfarce quando anda na rua, nos hipers,nos cinemas, para não aparecer nas gravações desses estabelecimentos?
Eu sou contra a intrusão na privacidade, mas hoje é possível fugir a essa intrusão com a tecnologia que nos rodeia?

Anónimo disse...

Esperar para ver, queria dizer, avaliarmos se as medidas que os profissionais de saúde e os que estão a dirigir e a decidir por nós, serão as adequadas dentro do que se possa fazer. É que a maioria do povo atira a matar e nem têm em conta que todos estão já a dar o seu máximo. Ninguém está parado. É desencorajante estarmos a desfazer , à partida , em tudo. Todos andam a tentar. Os erros podem surgir, mas se estivessem parados seria muito pior. Humildade, referia-me a sermos flexíveis ás falhas de quem "trabalha".
Devemos acolher de boa vontade as normas que fazem sair.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...