sexta-feira, outubro 09, 2020

Os sucessores


Raramente, numa eleição presidencial americana, se olhou tanto para os candidatos à vice-presidência. O único debate entre Mike Pence e Kemala Harris foi observado à luz do que seria a eventualidade de qualquer deles poder vir a chegar à titularidade da Casa Branca.

Verdade seja que nunca, como hoje, a questão da idade de um presidente dos Estados Unidos tinha assumido uma tão grande importância. Com a evidente fragilidade física de Joe Biden, somada à questão da pandemia que atingiu Donald Trump, suscitou-se como que uma atenção pouco usual às figuras que, em caso de uma crise limite do estado físico dos presidentes, poderiam ser colocadas no seu lugar.

Como observadores exteriores, só poderemos imaginar o que significa, em termos humanos, o exercício das funções de um presidente dos Estados Unidos. Sendo um Chefe do Estado que acumula com a direção executiva do país, qualquer líder americano concentra em si, além de responsabilidades globais que usualmente têm vindo a ser as suas no quadro internacional, um poder de recorte muito singular.

Lendo-se os muitos livros que relatam o dia a dia da Casa Branca, em várias encarnações presidenciais, pressente-se as tensões que por ali habitam, os jogos políticos, as mais das vezes de natureza nacional, que nele recaem. Nos Estados Unidos não existe um governo, no sentido colegial do termo. A gestão sectorial do pais é assegurada por figuras designadas pelo presidente, mas é este que surge como a cara do poder político.

Serve isto para dizer que num presidente americano assenta um peso de responsabilidades que, muito dificilmente, pode ser exercido por alguém que não esteja na plenitude de uma condição físico-anímica forte e capaz.

O primeiro debate Trump-Biden revelou um contraste. O antigo vice-presidente de Obama, que joga nestes tempos a necessidade de se mostrar como uma alternativa credível a Trump, revelando um perfil presidenciável, deu de si mesmo uma imagem frágil, aqui e ali hesitante no discurso, suscitando legítimas interrogações sobre a sua capacidade para estar à altura de um exigente mandato de quatro anos.

Trump, por seu turno, ao assumir o seu estilo “bully”, terá confortado os seus tradicionais apoiantes. Em face de um Biden fraco, com voz débil, com um fácies onde as marcas da idade não iludem, Trump foi ali a afirmação da força e do vigor.

Só que a vida traz surpresas: pouco tempo depois, Trump viu-se afetado pela pandemia e, de um instante para o outro, o forte passou a fraco. Trump percebeu este reverter de posições, pelo que o modo quase “macho” com que procurou sair daquela situação revelou que a dimensão física do poder faz parte integrante da sua imagem de marca. Se acaso viesse a ser vencido pela pandemia, isso seria muito mais do que uma doença: seria um estilo e uma presidência que estariam em causa. O que os factos e os debates subsequentes nos trouxerem será, assim, algo de decisivo.

Numa segunda linha, Harris e Pence tentaram mostrar-se como opções dignas no “banco” dos suplentes, para usar uma imagem do futebol, no caso de uma substituição vir a ser necessária.

Para os democratas, a prestação de Kemala Harris pode ter ficado um pouco aquém daquilo que estariam à espera: um “arrasar” do vice-presidente, colando-o à imagem desastrosa do presidente, ao mesmo tempo apresentando-se com uma imagem de alternativa, não apenas a Trump mas, igualmente, ao próprio Biden. Sem ter sido excecional, Harris esteve bem.

Pence não apresenta a imagem “afetiva” de Kemala Harris. É um politico profissional, com um discurso conservador estruturado, passando, embora de forma monocórdica e inexpressiva, uma mensagem coerente e arrumada. Quem tiver visto o debate terá reparado que, ao contrário de Harris, nunca por ali se falou de Pence, da sua figura. O vice-presidente desapareceu no debate, por detrás de Trump. Nada mais ficámos a saber dele. Cumpriu o seu papel.

O “banco” de suplentes das presidenciais americanas apresenta, ao que parece, dois “safe pair of hands”, como os anglo-saxónicos costumam dizer.

7 comentários:

alvaro silva disse...

Tem razão sr embaixador, Quando li o nome dela como Nobel veio-me á mente a Glock, sim a pistola distribuida á nossa PSP que foram e postas á venda no mercado do sub mundo nacional pelo armeiro.mor da dita. Que querem?

Anónimo disse...

Quem serão os sucessores em Portugal?

Eles sabem que correm contra o tempo e que depois da próxima falência nem o “melhor povo do mundo” (o actual PR faz parte da clique) lhes voltará a deixar pôr as mãos na gamela. O tempo urge, eles andam frenéticos e agora vale tudo.

Anónimo disse...

Ontem, fiquei estarrecido, num programa de Zakaria, com a possibilidade de o Trump ganhar na secretaria. Bem, se tal acontecesse, seria o fim da picada, perdoe-se-me a expressão.

Anónimo disse...

Na verdade, sucessores. Um encontro Biden ou Kamala / Xi será "business as usual", conversa entre sócios. Já um encontro Pence / Xi seria espetacular. Nenhum deles jamais piscaria primeiro.

Anónimo disse...

O mais giro de ver nisto tudo é a forma como todos os dias aparece alguém com um novo cenário, decorrente de cada Estado ter as suas regras e haver várias leituras da Constituição. Por paradoxal que pareça, isto só pode acontecer num país com uma fortíssima tradição democrática, assente na Liberdade e na Justiça.

Em ditaduras ao gosto de muito maluco que por aqui anda nada disto é possível já que o sistema é muito mais simples: não há eleições e manda quem estiver à frente do "Partido".

Joaquim de Freitas disse...

Anonimo 9 de outubro de 2020 às 14:32 escreve: « um novo cenário, decorrente de cada Estado ter as suas regras e haver várias leituras da Constituição. Por paradoxal que pareça, isto só pode acontecer num país com uma fortíssima tradição democrática, assente na Liberdade e na Justiça”



Ah, bela democracia, “fortíssima tradição democrática,”, onde grupos armados, milícias, de direita, organizam “golpes de estado” (Michigan) visando sequestrar a governadora, “porque tem as suas regras, do partido democrata, para deter o vírus.

Seria sequestrada e julgada no Wisconsin, segundo leis das milícias! Milícias democráticas…

Ainda bem que os americanos têm boas polícias, muito profissionais (FBI) que detectaram a coisa…

Joaquim de Freitas disse...

Anonimo 9 de outubro de 2020 às 14:32 escreve: « um novo cenário, decorrente de cada Estado ter as suas regras e haver várias leituras da Constituição. Por paradoxal que pareça, isto só pode acontecer num país com uma fortíssima tradição democrática, assente na Liberdade e na Justiça”



Ah, bela democracia, “fortíssima tradição democrática,”, onde grupos armados, milícias, de direita, organizam “golpes de estado” (Michigan) visando sequestrar a governadora, “porque tem as suas regras, do partido democrata, para deter o vírus.

Seria sequestrada e julgada no Wisconsin, segundo leis das milícias! Milícias democráticas…

Ainda bem que os americanos têm boas polícias, muito profissionais (FBI) que detectaram a coisa…

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...