Era um tempo em que a Caixa era vista pelos seus depositantes como o banco mais seguro do país, onde os mais humildes depositavam, não apenas os seus bens mas, igualmente, a sua confiança. A Caixa era uma imensa pessoa de bem.
Em 1971, fazendo uma surpresa ao meu pai, fiz um concurso público e, a meio do meu curso universitário, entrei para funcionário da Caixa. Foi o meu primeiro emprego no serviço público, onde fiquei, com imenso gosto, 42 anos da minha vida. Creio que data dessa altura uma nova conta que por lá ainda tenho, onde, desde então, os meus salários e a minha reforma sempre foram depositados. Até ao final deste mês.
Durante anos, a Caixa Geral de Depósitos (que então se chamava também “Crédito e Previdência“) foi, para mim, o sinónimo de banco. A minha afetividade pela Caixa era imensa.
Até um dia, até ter começado a ser “agredido” pela Caixa.
Há uns anos, assisti ao espetáculo degradante de ver uma pobre senhora de aldeia gritar, numa dependência da Caixa, em Vila Real. Queria levantar um dinheiro que tinha depositado mas, afinal, tinha-lhe sido impingido, anos antes, um “produto” e, para o movimentar no final da maturidade, tinha de perder parte do capital. A senhora não tinha lido o “small print”. Desmaiou e foi necessário chamar o 112, perante a revolta de quem por ali estava. Fiquei escandalizado, saí dali e queixei-me a pessoas que conhecia na administração da Caixa. Nada aconteceu! Meses mais tarde, um funcionário, a quem contei o episódio, comentou: “Se soubesse o que somos obrigados a induzir os clientes a comprar. Às vezes, até tenho vergonha...”
A Caixa, nos últimos anos, tornou-se, a meu ver, nos dias que correm num dos piores bancos portugueses. Se não mesmo o pior. As suas comissões são obscenas e a qualidade dos serviços bateu no fundo. Há muito tempo que não tenho uma experiência medíocre sempre que recorro aos serviços da Caixa: são todas más!
A Caixa foi recapitalizada pelo Estado (isto é, também por mim e por si, que me lê). Em troca, a Caixa comprometeu-se a comportar-se exatamente como qualquer outro banco. Logo, a Caixa não pode financiar, com quaisquer vantagens, as políticas públicas, nem se sente na obrigação de manter uma rede de âmbito nacional, nomeadamente em locais de onde não extrai lucros, mas onde se pensava que pudesse exercer uma presença de serviço público. Tem de reduzir balcões e pessoal. Mas então, se a lógica é a Caixa funcionar como qualquer outro banco, por que diabo o erário público tem de colocar lá dinheiro? Eu, como contribuinte, não quero ser banqueiro. Mas, dizem alguns, é importante ter um banco do Estado! A mim, confesso, não me apetece ver a Caixa privatizada, apenas por um reflexo ideológico. Mas, intimamente, por muito que puxe pela cabeça, não consigo vislumbrar, com o atual modelo de funcionamento da Caixa, qualquer vantagem em tê-la pública. Para me explorarem nas comissões e depois darem parte dos lucros ao Estado? Talvez preferisse que me baixassem as comissões e os impostos. Mas estou aberto a ser convencido.
Nos dias de hoje, chega-se a uma dependência da Caixa e as filas desestimulam-nos logo dessa triste ideia que tivemos. Ligar pelo telefone para lá é uma missão impossível. Há semanas, estive numa dependência e os telefones tocavam, sob a olímpica desatenção geral. Dizem-me que é a regra. Uma das chamadas desse dia era minha, ali ao lado. Nunca foi atendida. Alguma rapaziada, entretanto, conversava jovialmente e uma parte saía para almoçar...
Há meses, cansado de mudar de “meninas“ que me vinham a impor, sucessivamente, como “gestoras de conta”, tentei mudar de local de agência. Fui ignorado, mesmo depois de vários pedidos. Ando nisto há quase um ano! A Caixa anda a gozar comigo...
Hoje, dia em que a Caixa anuncia que teve lucros de 776 milhões de euros, estive aí uns 45 minutos à espera, numa linha telefónica 707. No final, ninguém me atendeu. Paguei quase seis euros. A Caixa não tem vergonha de sujeitar os seus clientes à exploração das chamadas de valor acrescentado? Vale tudo para ganhar dinheiro, é?
Tenho imensa consideração pessoal pelo Dr. Paulo Macedo, um qualificado gestor graças a quem, noutras funções que exerceu, o fisco é hoje mais eficiente e todos pagamos os medicamentos mais baratos. Mas tenho que confessar que perdi, por completo, a confiança na instituição que hoje dirige.
Depois de quase seis décadas de cliente da Caixa, daqui a dias vou encerrar a minha conta, vou pedir à Caixa Geral de Aposentações para alterar o destino da minha reforma e vou mudar de banco. E levo a família comigo. E alertarei os meus amigos.
Pelos vistos, a Caixa acha que lhe não faço falta, como cliente. Eu, como cliente, também acho que a Caixa, a ”minha” Caixa de sempre, deixou de me fazer falta. Estamos quites. Podemos “desquitar-nos”
Deixo assim de ter “dinheiro em Caixa”. Creio que o meu pai, que entrou para a Caixa em 1929 e saiu em 1976, me perceberia. Talvez com alguma tristeza, como é hoje a minha.