sábado, novembro 16, 2019

Da água


Ao ouvir hoje, num debate, Catarina Albuquerque, uma especialista portuguesa que se tem destacado mundo multilateral que se ocupa da questão vital da água, falar-nos, com o seu convincente entusiasmo, da tragédia - porque é de uma tragédia que se trata - que envolve a gestão global desse recurso escasso, lembrei-me de um episódio passado comigo há cerca de 15 anos. 

Foi numa travessia do Usebequistão, na Ásia Central, numa carrinha da OSCE. O calor exterior, nessa viagem pelas montanhas, era imenso e nós ali íamos, bem instalados, muito confortáveis, numa espécie de “oásis” em movimento.

Era uma estrada de montanha, sem localidades visíveis, com uns casebres à distância, de quando em quando. Em um ou dois locais do percurso, reparei que havia umas crianças que nos estendiam garrafas de água, que traziam na mão. Por curiosidade, perguntei à funcionária local da organização, que nos acompanhava, se elas estavam a vender água. 

A jovem, funcionária local da OSCE, riu-se: “Não. Eles estão a pedir água a quem passa. São mandadas pelos pais, das casas lá em baixo, para pedirem um pouco de água para beberem, em especial nesta altura de grande calor”.

Fiquei siderado com a revelação. As pessoas que me acompanhavam, quatro embaixadores junto da OSCE em Viena, ficaram incomodados pela firme recusa do motorista e da guia de voltarmos atrás, para darmos aos miúdos algumas garrafas das muitas que, bem geladas, nos abasteciam a carrinha. Isso atrasaria o nosso programa, disseram-nos. Verdade seja que não íamos resolver nada de essencial, apenas apaziguar a nossa consciência. Mas sempre seria melhor do que não fazer nada.

Não existe ainda entre nós uma consciência da importância política do tema da água, que é central nas questões de sustentabilidade com que o mundo se confronta. E que isto é já, nos dias de hoje, um problema já com um potencial de conflito muito sério em certas regiões do mundo.

5 comentários:

Portugalredecouvertes disse...


deve ser deveras monumental a quantidade de coisas que não são feitas, unicamente com a frieza de que não se pode atrasar programas?!

Joaquim de Freitas disse...

Muitos especialistas vêm chamando a atenção para uma futura escassez de água e a sua possível ligação a conflitos violentos.
A água é um dos pontos litigiosos na Bolívia, que se arrasta desde há anos. O conflito relacionado aos recursos hídricos em Cochabamba, durante o ano de 2000, tornou-se um ícone do discurso anti-globalização não apenas sul-americano, mas mundial. Desde então, vários artigos publicados têm caracterizado a Guerra da Água na Bolívia enquanto luta da sociedade civil local contra o consórcio multinacional “Aguas del Tunari”.

Nestes últimos dias o problema da privatização da água, que Morales sempre recusou, voltou à baila com os fascistas que apanharam o poder através dum golpe de estado.

Anónimo disse...

A invencao da agua MHL
por mario viegas

https://www.youtube.com/watch?v=a-ctEMpcAXY

Anónimo disse...

Dizia-se que o português mata por ciúme e por águas ( entenda-se a partilha de acesso à água em sistema comunitário ou familiar)

Pedro Sousa Ribeiro disse...

No norte do país a partilha das águas para rega era, nas primeiras décadas do sec. XX uma fonte de conflitos que muitas vezes originava violentas agressões e mesmo mortes.
A 2ª metade do sec. XXI vai ter no acesso à água a sua principal fonte de conflito que poderá originar mesmo graves conflitos armados.

Nota

Alguns comentadores deste blogue, por coincidência sempre aqueles que vivem refugiados num confortável anonimato ou em pseudónimos, procuram...