Durante a Guerra Fria, da cinematografia e da literatura de espionagem que nos chegava, o inimigo era facilmente identificável: os comunistas. Antes, os “maus da fita” tinham sido os nazis alemães, depois passaram a ser os “vermelhos”. O maniqueísmo facilita imenso a vida.
Os “bons” eram sempre os ocidentais, com os seus serviços secretos eficazes e inteligentes, leais às suas pátrias, corajosos, dispostos a sacrificarem-se pela liberdade global dos povos. Eram, em geral, ingleses e americanos, representados na pantalha por “beautiful people”. Os poucos que, do lado de cá, se colocavam ao serviço do outro lado, por fanatismo ideológico ou por fraqueza material sempre devida a falha de caráter, eram tidos como desprezíveis traidores. Apenas alguma melhor literatura foi capaz de ir um pouco mais longe numa análise mais sofisticada de motivações.
Os “maus” eram uma caricatura sempre fácil de fazer. Quase sempre feios (o que facilita o reconhecimento imediato), ou bonitos mas nesse caso gélidos, eram tributários de uma hierarquia impiedosa, peças de uma máquina sinistra, gerida apenas numa lógica de finalidades, onde “valia tudo” para atingir os seus sinistros objetivos. Quando, num rebate de consciência ou por outra razão mais comezinha, algum desses “maus” se decidia passar para o lado “bom”, nunca o qualificativo de traidor se lhe aplicava: juntar-se ao lado “certo” da História isentava-os do labéu. A ordem dos valores tinha consequências semânticas.
O fim da Guerra Fria confundiu, por algum tempo, os desenhadores da História conveniente. O que sobrara da implosão da União Soviética, da Rússia aos restos do Cáucaso e da Ásia Central, passou a ser apresentado como um completo caos, em que preponderavam déspotas sucessores do comunismo, oligarcas e o sub-mundo do crime organizado, não se percebendo bem onde cada uma dessas coisas terminava. Eram películas cinzentas, sem sol, onde um mundo de miséria e ruínas urbanas dava razão póstuma à teimosia ocidental que abalara o Kremlin e, em Berlim, derrubara um muro.
O 11 de setembro abriu uma nova frente de diabolização: permitiu dar aberta legitimidade à islamofobia, que rapidamente passou a ser um dos fatores centrais na equação das forças do “mal”. Veio depois o Estado Islâmico, bem como as metástases terroristas, e, com a guerra na Síria, juntou-se finalmente ao grupo o Irão, hoje destacado como uma das forças essenciais do “eixo do mal” que preocupa o ocidente, leia-se Washington. Pouco já deve faltar para a China surgir como o novo “satã”.
Dei comigo a pensar isto ao fim de alguns milhares de páginas de alguns “thrillers” da moda, que por aí se vendem como manteiga e que eu tenho consumido como diversão, nestes tempos em que só quero “sopas e descanso”. E também concluí, com facilidade, que há uma entidade que, com escassos “mas”, sempre com muita dose de admiração, surge nesses confrontos, nuns casos abertamente incensada como a fonte do “bem” estratégico, noutros realisticamente assumida como útil subcontratante para algum “dirty work” que o mundo ocidental (leia-se, de novo, Washington) decide não ser ele próprio a executar. Essa entidade, que os cuidados primários de credibilidade política aconselham sempre a que se trate com pinças, é Israel.
Esta é uma análise simples, reconheço até que simplista.
9 comentários:
Nunca vi, não sei se me escapou o filme épico em que são varridos da superfície do planeta os povos que habitavam a parte norte do continente americano. Não sei se nesse holocausto foram usadas câmaras de gás. Põe-se uma pessoa a imaginar filmes.
o Sr. de cima não viu filmes de cowboys armados de pistolas
com índios a cair dos cavalos ?!
será prático para o descanso da cabeça, acreditar que sabemos quem são os maus e os bons!
e por acaso na nossa literatura ou cinema há mesmo poucos "heróis" bons, ou então não lhes corre lá muito bem o final da história !
talvez daí um certo fado que nos deixa nostálgicos e um pouco abalados ?!
Não sei se o Senhor Embaixador vai aceitar que escreva o que penso neste momento sobre o último parágrafo do seu excelente texto. Very exciting… E depois, estou com receio de acordar os habituais “americaníssimos” leitores deste blogue . Vou fazer a sesta, primeiro, porque andei uma horas lá pelo maciço da Chartreuse.…onde comprei uma garrafinha da “Verde”
Sai Freitas!!!
A propósito dum « subcontratante para algum “dirty work” que o mundo ocidental (leia-se, de novo, Washington) decide não ser ele próprio a executar. Essa entidade, que os cuidados primários de credibilidade política aconselham sempre a que se trate com pinças, é Israel.
Esta é uma análise simples, reconheço até que simplista.” Escreve o Senhor Embaixador.
Sem pinças, diria simplesmente que o país que faz o ““dirty work” é os EUA, cobrindo todas as politicas sujas de Israel, e pagando ainda por cima alguns biliões d dólares todos os anos…
Os judeus foram os párias da Europa. O Sionismo fez dos judeus israelitas os colonos europeus na Ásia. As leis que seguiram a guerra de 1948 (que inclui a lei «presente/ausente» que permitiu roubar a terra aos palestinos expulsos) deram-lhes a posse quase exclusiva da terra. Os novos párias, os palestinos, tornaram-se num povo de refugiados, rejeitados e discriminados por toda a parte. A "lei do retorno" organizou o roubo de terras, de casas e de propriedade palestinas para os novos imigrantes Judeus. Após 1967, o roubo aumentou nos territórios recentemente ocupados. O que é diferente é que os ocupantes legítimos da terra ainda estão lá, confrontados diariamente à violência dos colonos e do exército.
Os sobreviventes do genocídio e imigrantes que foram arrancados às suas terras natais foram informados de que eles tinham agora "um país que lhes pertencia "e que era "uma terra sem povo para um povo sem-terra." Ofereceram a Polacos, Soviéticos e Marroquinos, um país e a sua riqueza que não lhes pertencia. Para os judeus orientais, havia uma condição: que se libertassem da sua "Arabidade"
Um romance nacional foi inventado para justificar a grande substituição e o roubo: "Estávamos no exílio e regressamos a casa". "Deus deu esta terra ao povo judeu." Este discurso continua a funcionar para justificar a conquista colonial.
Todos os primeiros-ministros israelitas ao longo dos últimos 50 anos amplificaram a colonização. Todos multiplicaram as leis supremacistas. Todos acompanharam a tendência para o apartheid descomplexado.
Como um país colonizador, Israel brevemente se questionou: "será que vamos procurar um compromisso como os africanos na África do Sul, ou esmagar o povo autóctone até ao fim como a OAS tentou fazer na Argélia?"
Conhecemos a resposta. E esta só foi possível porque o aliado indefectível cobriu todos os crimes na ONU, votando todas as resoluções como as …Bahamas …
O que acontece hoje teria sido impossível há alguns anos. Um fascista assumido, Bolsonaro, vai para o Memorial Yad Vashem ao braço do seu amigo Netanyahu. Ele explica que os nazistas eram da esquerda, e que o Holocausto deve ser perdoado.
Netanyahu explica que Hitler não queria matar os judeus, e que foi o Grande Mufti de Jerusalém que surgiu com essa ideia.
Com Trump, com a cumplicidade dos líderes árabes (MBS na Arábia Saudita, Sissi no Egipto...), com Orban, Bolsonaro ou Cristãos Evangélicos, Netanyahu pensa estar numa situação hegemónica onde tudo é permitido.
Quando este membro da nova Internacional Fascista, com métodos expeditos, reivindica a memória do anti-semitismo e das vítimas do genocídio nazista, ele também se comporta como um assassino da memória.
Eles não são apenas assassinos do povo palestino. Eles também assassinam a memória do judaísmo, seja secular ou religiosa.
Ao comentador anterior, filmes de apocalipse desse género, há vários. Mas leia o Dr. Bloodmoney, or How We Got Along After the Bomb, do Philip K. Dick, que vai gostar. Ao senhor embaixador, recomendo antes os policiais nórdicos, que são de um género diferente desses e são excelentes. Não esteve na Noruega? Pois então. Da espionagem, tenho é saudades do Le Carré do tempo da guerra fria. Não havia bons nem maus, heróis ou vilões, eram compinchas de profissão, business as usual. O homem era da "casa".
Vais viver para o paraíso dos maus que logo mudas de opinião. Ao menos respeita os milhões que vivem em paraísos como Cuba Coreia Norte China etc
Ao Sr.Joaquim Freitas, aconselho a emigrar para: Irão, Arábia Saudita, Coreia do Norte, Cuba e chega.
O Sr.aamgvieira esqueceu o tema do texto do Senhor Embaixador, onde não era questão de emigração, e parece ter viajado muito pouco, porque aconselhar-me a ir viver na Arábia Saudita, prova que não sabe onde é e como se lá vive. Fui lá algumas vezes para o meu trabalho e fiz lá bons negócios. Exportam muito, importam muito e pagam muito bem…
Aliás os europeus, duma maneira geral, são muito bem recebidos e vivem lá muito bem.
Quem vive muito mal são os imigrantes, paquistaneses, indianos, bangladeshis e palestinianos, todos tratados como verdadeiros escravos.
Claro que aparte este detalhe, se aceitamos ver cortar a mão aos larápios, decapitar na praça pública os inimigos do poder, (e por vezes esquartejados num consulado em Istambul) e lapidar as mulheres por adultério, tudo bom, como diz o outro do Rio…
Mas a Arábia Saudita é um aliado dos EUA e nosso, do Ocidente, por conseguinte… O Sr. tem algo a dizer contra um dos nossos aliados?
Quanto à China, conhece? Sabe que vivem lá milhares de europeus e apreciam os Chineses? Até o Sr. os aprecia que lhes paga a sua electricidade todos os meses. Não será um grande investidor em Portugal?
Talvez o Sr. não saiba, mas olhe que as coisas mudaram muito desde aquele dia de 1541, em que Jorge Alvares chegou à ilha de Ling-Ting e da assinatura do primeiro acordo comercial Luso-Chinês…
Quanto aos outros dois países, enquanto os seus amigos americanos continuarem os seus embargos mortais, que os impede de viver, não tenho nenhum desejo de seguir o seu conselho… Merci.
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