sábado, outubro 12, 2019

“I’m back!”


Sexta-feira à noite. “Jantamos em casa?” Era só o que faltava! 

Antes, havia sido uma semana de hospital, de tabuleiros cinzentos, talheres em envelopes de papel, sopas sempre iguais (ou era eu que as via como tal), pratos sem pinta de graça, que chegavam cobertos por uns “pudins” de plástico translúcido, sobremesas em que o mais sexy que nos era oferecido era uma maça assada. Eu bem me tentava convencer que não estava ali como crítico da “Evasões” ou da “Epicur” (que já deixei de ser) ou de júri do “Lisboa à Prova” (que atribui “garfos”, função onde ainda faço uma “perninha”) ou de membro da direção da Academia Portuguesa de Gastronomia, mas, muito prosaicamente, para tratar de um joelho. Mas qual quê! A certa altura, dentro daquelas quatro paredes, perdi mesmo o apetite. Como sou um bocado hipocondríaco (nem só o Marcelo tem esse direito, ora bem!), pensei logo que, para além da camoeca na articulação, me tivesse “dado alguma”. Olhava de viés os tabuleiros, tirava uma peça de fruta e mandava o resto para dentro. Com mais quinze dias, como alguém me dizia com ironia estética, estaria com o peso ideal. (Verdade seja que seria a mais cara dieta de Lisboa - e mais não digo).

Regressado finalmente a casa, com uma canadiana de cada lado, também regressou logo o apetite: afinal, era o ambiente do hospital o culpado pelo fastio. Retomei as vitualhas correntes do lar, só não indo mais vezes à cozinha pela noite (ao pão, ao chocolate, às bolachas, ao queijo, ao salpicão) porque ela fica no andar de cima e as canadianas, até lá chegar, fazem pela escada um restolho que denuncia o meu caminho de Damasco para o pecado da gula. E logo eu, que sou, por natureza, muito envergonhado com os meus pecados. Diferentemente do hospital, tenho de admitir que as coisas, em casa, começaram a ter o seu sabor próprio. Mas, claro, continuavam ainda a ser diferentes do ambiente dos restaurantes, um vício pessoal antigo. 

Até ontem! Ontem, passava já das oito da noite, Portugal já vencia o Luxemburgo, enterrado num sofá, deu-me um “vaipe” e telefonei para um restaurante. Um dos bons, claro, porque só se vive uma vez e, segundo alguns amigos, esta é mesmo a última! Estava cheio! Era sexta à noite! Como quem não quer a coisa (mas quer), “deixei cair” o meu nome na conversa. Porque, do outro lado, estava gente conhecida e simpática, logo uma mesa surgiu, como por milagre. Foi um “golpe” algo anti-democrático? Talvez, mas assumo-o, em “estado de necessidade”. Arranjou-se mesmo uma excelente mesa. Chegado ao restaurante, bem instalado, com duas canadianas e uma portuguesa ao lado, “desbundei” (isto diz-se?): pão, patés, manteigas (tudo aquilo de que o meu colesterol gosta), umas boas entradas, um prato magnífico, um belo vinho “à maneira”, um queijo da serra no ponto, acabando com um bom whisky, para “desinfetar” e tirar o gosto ao café. 

Pronto! Vinguei-me de duas semanas em que me senti quase “recluso”. No final, no ar já frescote da noite lisboeta, lembrei-me da última frase de Paul Newman no “The colour of money”: “I’m back!”. Já não era sem tempo, caramba!

5 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Lutter contre le vieillissement c’est, dans la mesure du possible, ne renoncer à rien. Ni au travail, ni aux voyages, ni aux spectacles, ni aux livres, ni à la gourmandise, ni à l’amour, ni au rêve.

Maria Isabel disse...

E pensou:
Agora sim, posso ir sentar no sofá e com o estômago bem composto, vou repousar o joelho.
Rápidas melhoras
Maria Isabel

Anónimo disse...

Muito folgo por o ver de volta, qual Paul Newman. So lhe deve faltar o bigode e os oculos escuros. Em vez do taco para umas carambolas... a canadiana mas como diz, nao se pode ter tudo.

Aqui pela terrinha o festival de cinema esta de volta e decidi aproveitar o que ha de novo no jovem cinema europeu."The Painted Bird", baseado no romance de Kosinski e quase insuportavel. Tinha lido Kosinski no final dos anos 60 mas mesmo "avisada" nao foi facil. E no entanto um filme soberbo com influencias de Tarkosvky, Dryer, Bergman, sei la... Ontem passei ao jovem cinema italiano "Martin Eden" de Pietro Marcello, adaptado do romance de Jack London, transposto para Napoles. Usa "footage" da epoca incluindo Malatesta numa manifestacao afagando um bebe ao colo de sua jovem mae…
Fui depois ao Cine Lumiere ver outro filme de 1 jovem alemao, Jan-Ole Gerster, "Lara". Muito bom, tema dificil mae pianista, dominadora (como professora de piano) do filho jovem etc, etc.

Tudo isto para me queixar. Chove mas quando chove e o que e, aguenta-se. E o transito? Um caos. Continuam as manifestacoes ambientais e ate ai tudo bem. Mas as tecnicas de guerrilha, Santa Ingracia me valha! Ja dura ha semanas e continua.Estavam autorizados a manifestar-se e contidos em Trafalgar Square guardados pelos leoes. Extravasaram mais uma vez e de repente ocuparam ruas, monumentos etc: BBC perto de Oxford Circus, de onde foram rapidos para Liverpool Street. Caos no metro, comboios, autocarros… City of London airport um homem consegue empoleirar-se em cima de 1 aviao...outros colam-se uns aos outros com super cola....e escondem pregos e laminas em tubos usados para enfiar os seus proprios bracos…. Estou a ficar velha? Talvez mas realizadores, organizadores, actores, publico, tem tudo virado do avesso. P. Marcello nao chegou a tempo de apresentar o filme… o alemao nao estava presente e hoje as 5.45 no ICA passa o ultimo filme de Pedro Costa" Vitalina Varela", repetindo amanha no Curzon. De qualquer modo tudo de dificil acesso. Recebi aviso da bilheteira do NFT... " no taxis, no buses, arrive early". Espero que Pedro Costa esteja a tempo o bem disposto. Inshallah!

Bom fim de semana. Cuidado com as escadas!

Saudades de Londres

F. Crabtree

Anónimo disse...

Grande novidade,ou não fosses tu,o pioneiro da "esquerda" caviar...!

Anónimo disse...

Que belas palavras do migras de Grenoble. Agora, é só dizer quem é o autor das ditas. "L'auteur" - quero dizer...

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