sexta-feira, outubro 11, 2019

Adeus, Geringonça!


Quando António Costa, naqueles dias tensos de 2015, deu indícios de poder vir a fazer um acordo parlamentar com o Bloco de Esquerda e o PCP (e com essa ficção chamada PEV), deu um passo maior do que muitos estavam à espera. Eu, por exemplo. 

Para um país cuja credibilidade perante os credores era então muito frágil, com o exemplo grego a não ajudar à imagem do “sul”, temi que o “espetro” da esquerda radical na soleira do poder em Lisboa pudesse vir a provocar sobre nós uma onda negativa, com efeito nesses mercados que, por muito diabolizados que sejam, existem mesmo e têm de ser tidos em conta. 

Trazer a “esquerda da esquerda” para um “programa comum” (o que isto lembra, a quem tem boa memória!), ainda que limitado, era uma aposta bastante arriscada. 

Mas António Costa tinha razão: era possível estabelecer uma plataforma que, simultaneamente, garantisse poder vir a utilizar uma margem do crescimento previsível da economia, para recuperar rendimentos perdidos durante os tempos tristes da “troika” e dos seus amigos, e, simultaneamente, cumprir o essencial dos compromissos que o país (porque era o país e não um qualquer governo em especial) tinha com a Europa e com o FMI.

Os eleitorados da “esquerda da esquerda” gostavam da ideia da Geringonça, parte deles ainda traumatizados com as consequências de as suas direções partidárias terem votado, em 2011, ao lado da direita, o derrube de um PEC IV que, viesse a ter o destino que tivesse, era contudo uma esperança que, politicamente, lhes não cabia a eles pôr fim. É que, como imediata consequência, saiu-lhes na má rifa Passos Coelho e a vontade de ir além da dieta da “troika”. A abertura para a Geringonça, do lado dessa esquerda, foi isso mesmo: tudo menos a direita!

A Geringonça foi o que foi. O principal usufrutuário, a grande distância, foram os portugueses, o bem-estar de muitos, em especial de quantos antes tinham sido mais vitimados pela política desumana da direita. Como partido, o PS foi quem mais ganhou com o “negócio”, embora muito menos do que estaria à espera, creio eu. O PCP foi o principal perdedor. O Bloco ficou ela-por-ela. 

Agora, para o futuro, cumprido já pelo PS o máximo que poderia fazer sem colocar em causa os seus princípios - e o seu equilíbrio interno, de que Costa continua a ser o único garante -, partimos para um tempo novo: acordos caso-a-caso. É um cenário muito mais complexo para gerir, mas não é de todo impossível de levar a cabo com êxito. Se a conjuntura externa se não degradar, se a direita se não reencontrar em torno de pretextos internos para explorar, as coisas podem caminhar bem, pelo menos até depois das presidenciais, onde se espera que o coração de Marcelo - um “padrasto” da Geringonça - continue a bater no sentido do interesse do país.

A Geringonça, essa, acabou. A situação está agora mais imprevisível, mais perigosa para António Costa. Mas o que é a vida política sem riscos, não é?

Adeus, Geringonça! Vamos ter saudades tuas.

13 comentários:

Anónimo disse...

É de um cinismo atroz responsabilizar o Passos Coelho pela troika. Embora nem sempre seja justa a História pode trazer-nos surpresas: por exemplo, pôr, em conjuntura desfavorável, o António Costa a fazer de Passos Coelho...

Luís Lavoura disse...

Acordos caso a caso já foram feitos no passado por Guterres e por Sócrates. Em ambos os casos a coisa só funcionou durante dois anos. Mal a economia deu para o torto, a esquerda juntou-se à direita para derrubar o governo.
Também é verdade que Costa é politicamente muito mais hábil que Guterres e que Sócrates. E que a esquerda já aprendeu, pela experiência passada, que quando se alia à direita recebe como resultado um governo de direita.

aamgvieira disse...

O Público, essa folhinha de esquerda, diz hoje que Portugal deixou de convergir com a Europa e foi ultrapassado pelas economias de Leste....

Grande novidade..... só os "cegos" é que não vêem......



Anónimo disse...

Anónimo das 11,30
Tem TODA a razão , começa já a ser cansativo e quase agressivo pôr continuamente as culpas em cima de Passos Coelho . Até lhe deviam agradecer ter deixado o país pronto a ser governado , ficando com os louros todos . Que se faça o exercício ao contrário ...
E quem é que se livrou da geringonça ? Pois se não houve maioria absoluta ela aí está , com o mesmo nome mas de forma diferente . Até eu ficaria com pena de ter de deixar de usar tão perfeita palavra ...

Anónimo disse...

Senhor Embaixador

Leio regularmente o seu blog, que muito me agrada, apesar de por vezes discordar do que diz.

A referência à desumanidade dos cortes da direita não é minimamente correcta. Quem colocou o país na bancarrota foi o PS, nomeadamente o Governo Sócrates, Por causa dessa desgraça é que o próprio Ministro da Economia de então, Teixeira dos Santos, se viu forçado a recorrer ao auxílio internacional e à Troika.

O programa de assistência foi negociado pelo Governo PS.

O que veio a seguir, já durante o Governo de Passos Coelho foi a aplicação dessas medidas, que causaram muita austeridade, mas infelizmente foi necessária.
Esse Governo fez também as reformas que permitiram a reforma e o crescimento económico, cujo principal beneficiário foi o Governo de António Costa.

Não se deve esquecer o passado, se houve essa desumanidade os seus responsáveis originários foram os governantes do PS.

Anónimo disse...

Lido


Despacho

Quando se fala do governo de Passos nunca se fala das exigências da Troica para tirar o país da eminência de falência em que o governo de sócrates o deixou.
Foi o mesmo sócrates que recorreu à Troica para salvar o país.
É fundada ignorância ou tudo isto é..... (fado).... propaganda?

Não deferido

Anónimo disse...

Sr. Embaixador
Que texto este!! Nem o comentador do regime, Pedro Adão e Silva, faria melhor! Só faltou despolir e passar verniz.
Ou será que nos está a escapar qualquer coisa!
Há realmente muitas cadeiras por preencher. No entanto, dou-lhe o benefício da dúvida e não conto com uma desfeita dessas de sua parte.
Um abraço

Francisco Seixas da Costa disse...

Cadeiras?! Anónimo das 17:12. Passou-se? Eu, há muito, quero sopas e descanso e gosto imenso da vida que tenho, não outra. Passa cada coisa pela cabeça das pessoas? Aos 70 e tal anos? Quanto ao texto, é exatamente o que penso. De uma coisa pode estar seguro: se pensasse o contrário também o dizia

António disse...

Caro embaixador, admiro a sua posição. Portugal e o PS precisavam de mais vozes como a sua. É uma voz moderada, ponderada, crítica. Não concordo com tudo o que escreve, mas respeito a integridade, e essa é a raíz da civilidade. Aprendo com o meu opositor, com o meu crítico. Uma argumentação construtiva muda ou reforça o meu ponto de vista, é evolutiva.
Na minha modesta opinião, Passos Coelho fez o que eu faria na minha casa - e aliás já tive de fazer. Quando a situação económica se deteriora corta-se onde se pode, o mais que se pode. A prioridade é pagar o que se deve, o mais rápido possível. É duro, mas tem um propósito claro. Manter a soberania. Um professor de política disse-me uma vez que solvência e soberania estão intimamente ligadas. Era novo, mas por alguma razão não esqueci. Quando a Grécia desabou percebi.
Não lhe fica bem distorcer a obra dum homem que tirou Portugal dum garrote herdado. Talvez não da maneira perfeita, mas conseguiu. E o povo entendeu - ganhou as eleições.
Dar é infinitamente mais popular. Nem sempre é o mais avisado. António Costa também percebeu isso, e tirou mais que deu. Tem dotes políticos, que respeito, para tirar sem dor. Mas tira. Estamos mais felizes? Talvez. Melhor? Duvido. Eu, não estou. Não só a vida não me ficou mais fácil, como não vejo a utilidade do propósito actual. Portugal está mais fraco, os portugueses mais endividados. E a felicidade não paga dívidas.

Anónimo disse...

Sr. Embaixador
Lamento que a minha pequena provocação o tenha irritado tanto. Certamente confundi a árvore com a floresta.
No entanto a forma vincada da resposta na defesa de convicções reserva o melindre de alguns temas.
Lamento o embaraço.
Um abraço

Anónimo disse...

Há pequenos pormenores que os "vencedores" ditam, os media assinam e que refazem a história.
Quem hoje lembra que Passos Coelho em reunião "privada" em S. Bento concordou em deixar passar o PEC IV que já tinha luz verde de Bruxelas e foi mais tarde forçado a faltar à sua palavra?

Mal por Mal disse...

Grande Costa.

Quantos coelhos ainda vão sair da cartola, daqui para a frente.

Passa tudo a ferro e não se cansa, e nem se queima.

Seguro, Passos Coelho, Catarina e Jerónimo, Rio e Cristas e até sindicatos.

Sem falar no abandono ao deus-dará, daquela ministra dos incêndios e do ministro de Tancos que morreram na praia a gritar por socorro.

E vamos ver o que vai acontecer com o Presidente!

lidiasantos almeida sousa disse...

Caríssimo Embaixador, admiro as suas sábias palavras normais num grande embaixador e nao os de proveta como Ana Gomes. Considero António Costa um dos melhores políticos diplomatas de suprema inteligência, mas um lunático que trocou um lugar de sócio da maior sociedade de advogados da península ibérica, para salvar o mundo. Não esquecer que o cata-vento disse: António costa foi o meu mais dilecto aluno na Faculdade de direito. O RESPEITO É MUITO BONITO.

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