O Chico era um pouco mais velho do que eu. No liceu, a diferença de idades era um fator decisivo na formação dos círculos de amigos. O Chico, contudo, simpatizava comigo e, com os anos, fui-me aproximando daquele tipo divertido, que morava na rua Central e namorava então com a Astride, filha da dona Judite, senhora que tinha trazido meia Vila Real ao mundo, comigo incluído. O namoro com a Astride, que foi coisa séria, acabou por não durar, como é da lei da vida, e cada um foi para seu lado. O Chico, diga-se, era homem para afivelar, por vezes, um ar carrancudo. Era temível nas sessões de pancadaria, por exemplo, quando uma qualquer excursão, vinda de Chaves ou de algures (mas, em especial, de Chaves, claro), desaguava na avenida algum pessoal atrevido, que se metia com as pequenas da Bila. Aí, o Chico passava-se! Mas havia nele um outro Chico, também “gentleman”, de um outro modo. Ainda o estou a ver, elegantíssimo, cabelo brilhante, vestido de presidente da Academia, de capa-e-batina, faixa ao peito, nos efe-erre-ás gritados dos degraus da Capela Nova. Ah! Já me ia esquecendo! Ao Chico, toda a gente chamava Chico “Pança”, por razões mais do que óbvias de avantajamento abdominal. Mas sempre nas suas costas, claro! É que constava que ele ia aos arames com a designação, coisa que nunca corri o risco de testar, não fosse dali voar um bufardo dos antigos. Quando fui para a tropa, em Mafra, dei um dia de caras, num corredor do quartel, com o Chico, que ali era oficial. Demos os abraços da praxe, como se estivéssemos na esquina da Gomes. Ele tinha, entretanto, “metido o chico”, que é como quem diz, no jargão da época, tinha saído de miliciano para o quadro profissional. E logo fomos, creio que nessa mesma noite, fazer um jantar, a recordar o Bertelo, o padre Henrique e a Cardoa, ao “Frederico”, um restaurante em frente ao convento, então tido pelo melhor bife da região. Depois, com os anos, perdi o Chico “Pança”, Martins de seu nome, de vista. Para sempre. Falavam-me que estava na GNR. Nunca tive a sorte de o encontrar nas tertúlias onde alguns vilarrealenses, em que às vezes me incluo, se emborracham de nostalgia e de histórias de outras eras. Há muito que o sabia doente. Agora, dizem-me que o Chico morreu. Deixo-lhe aqui o abraço possível, do tamanho do (velho) Circuito, que, lá por Vila Real, era, no nosso tempo, a medida de todas as coisas e o espaço por onde, em noites cálidas, circulavam em conversas muitos dos nossos sonhos.
3 comentários:
Gostei de ler...
Paz profunda ao Chico.
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Lamento sabê-lo. Cheguei a ir visitá-lo um par de vezes ao Quartel da GNR na Calçada do Combro. R.I.P.
Este blogue parece-se cada vez mais com um obituário. O Francisco está a ver, um após outro, irem-se todos os seus antigos amigos e conhecidos. Faz-me lembrar a canção Les Vieux de Brel.
Que a terra lhe seja leve!
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