terça-feira, novembro 02, 2010

"Tour de table"

Desde o início que pressenti algo de estranho na atitude daquele técnico, que Lisboa tinha enviado a uma reunião especializada, numa certa capital europeia onde eu estava colocado. Era uma pessoa oriunda de um determinado departamento ministerial português. A sua deslocação justificava-se, essencialmente, para a abordagem de um ponto particular da agenda de trabalhos, supostamente importante para os nossos interesses.

A minha estranheza prendia-se com o facto de, ao ter-lhe formulado algumas perguntas sobre aquele assunto, ter dele recebido respostas muito vagas e inconclusivas. Como era a ele que competia intervir, levei essa atitude à conta de estar a "guardar o jogo". Não insisti.

A reunião tinha lugar durante todo o dia. A mim competia-me apenas acompanhar os trabalhos. No período em que estive presente, a agenda fluiu, sem grandes intervenções. Portugal, por intermédio do nosso técnico, não teve necessidade de se pronunciar. Na parte da tarde, porque fui chamado à Embaixada, deixei o homem sozinho na delegação portuguesa. Esse era o período em que ele tinha necessariamente de intervir, para expressar a nossa posição, naquele ponto específico, que motivara a sua deslocação.

A meio da tarde, quando regressei à sala da reunião, vi o nosso técnico nervoso. Fumava imenso e parecia algo agitado. Perguntei-lhe que tal tinham corrido os debates, no tal ponto da agenda. Seco, respondeu-me: "Juntámo-nos ao consenso". E perguntou-me: "Pode assegurar o resto da reunião? Tenho de ir andando". E lá foi, de regresso a Lisboa.

No final da reunião, um colega da delegação de outro país perguntou-me: "Então vocês não tomaram posição?" Referia-se ao tal tema. Foi então que eu soube que a presidência da sessão havia, a certo passo, decidido fazer um "tour de table" (uma volta à mesa, na qual cada delegação toma a palavra). Nesse instante, o técnico português ter-se-á escapulido da sala, deixando vazio o lugar do nosso país. Claro que, ao chegar à ausente delegação portuguesa, o "tour de table" passou à frente, para a delegação seguinte. O homem terá voltado à sala depois de encerrado o debate sobre o tema. A tempo, pelos vistos, de se informar que havia sido adotado um consenso, proposto pela presidência. Estava explicada a razão pela qual Portugal "se juntara" ao consenso... 

Nunca percebi a razão desta singular atitude de "chaise vide". Seria receio de intervir? Estaria pouco preparado sobre o assunto? A verdade é que, como dizem os ingleses, aquela não terá sido "our finest hour" diplomática.

8 comentários:

Anónimo disse...

"Cadeira no deserto"...Sob um céu Dúbio.
Interessante.
Isabel Seixas

Anónimo disse...

Caro Francisco,

Neste momento devo ser o leitor que está mais longe a ler os teus textos.
Quero apenas dar-te um abraço de incentivo e dizer-te que tenho aqui aprendido algumas coisas, mas tambem dado muitas gargalhadas.

Até breve,

De Sidney

Simeão

patricio branco disse...

podia nem sequer ter instruções ou ter medo de tomar uma qualquer posição; ou não estar nada dentro do assunto nem preparado para estar ali.
O que se percebe é que fizemos má figura. Enfim, o tecnico desertou no momento "apropriado".

Helena Sacadura Cabral disse...

Ai Senhor Embaixador, porque será que alguns dos seus episódios de carreira me fazem lembrar tanto alguns dos que, também, vivi?!
Num desses semelhante ao seu, o homem deslocara-se ao bar quando a votação foi anunciada. Eu, prevenida já pelo meu Governador, de que "algo" podia acontecer ao chefe de missão, quando o vi levantar-se, segui-lhe a peúgada. Se bem o pensei melhor o fiz. E, sem sombra de piedade, arrastei-o para a mesa das reuniões com tal veemência física, que o "cordeiro" não teve alternativa e prestou-se ao sacrifício.
Ainda hoje, quando me vê, foge de mim como diabo da cruz...O que se explica visto que era muito católico. Progressista, claro!

Unknown disse...

Entre le "tour de table" e a "chaise vide", não me restam dúvidas que a presença desse técnico foi "seulement pour meubler".

Luís Bonifácio disse...

Cenas dessas ocorrem todos os dias.
O que não falta é pessoas que querem ser "chefes", mas tomar decisões e assumir responsabilidades nem pensar.
No fundo esse funcionário devia ser daquele tipo de pessoa que a falr no café é o gajo mais importante do departamento (O ministro não toma uma decisão sem pedir a minha opinião), mas na realidade é alguém que quando instado a decidir responderá de certeza "Eu não mando nada", "Eu não ganho para tomar decisões", etc e tal.

Julia Macias-Valet disse...

Creio que este enigma so podera estar à altura de Laurence J. Peter...; )

Helena Oneto disse...

Uma vergonha para Portugal e para o Ministro/Ministério que ele representou. Maus (para não dizer pior) técnicos sempre houve e ainda há, e muitos, a passearem-se na Assembleia da República, nos ministérios, nas câmaras municipais, nos hospitais, nas empresas participadas pelo estado, enfim, pelo pais fora...

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