quinta-feira, novembro 11, 2010

Adeus

A quem quereria dizer adeus o homem que dizia adeus?

Quase todas as noites, na área do Saldanha, em Lisboa, essa figura insólita, de óculos escuros e cabelo branco, acenava ao carros que passavam. Dizem que um trauma familiar terá estado na razão desse estranho comportamento.

Agora, segundo as notícias, chegou a hora de dizermos adeus ao homem que dizia adeus.

16 comentários:

cunha ribeiro disse...

Eu desejo que esse homem diga a Deus que zele por todos os homens que cá na terra vão dizendo ADEUS a quem passa.

Anónimo disse...

Não me lembro se, alguma vez, me cruzei com o “Senhor do Adeus”, embora pelas fotografias que vi na imprensa me pareça uma cara familiar.

Li que era proveniente de uma família abastada, mas que o importante no seu gesto era “afastar a solidão”… Veio-me à memória o chocante caso do português que morreu em França e só foi descoberto ao fim de dois anos.

É impressionante passar tanto tempo e não se dar pela falta de um ser humano!

Há uns anos, estava a almoçar num restaurante com a minha mãe quando uma senhora com uns oitenta e tal anos perguntou se podia partilhar a mesa connosco. A minha mãe disse de imediato que sim, a mim pareceu-me uma ideia um pouco absurda.

A senhora pouco falou e só sorria. No final, agradeceu imenso porque vivia sózinha e a nossa companhia a fez lembrar os tempos de juventude em que também saía com a mãe.

Foi um episódio que me marcou. E muito!!! Mais do que falar, era a necessidade de companhia.

Estamos, infelizmente, perante um enorme flagelo das "sociedades modernas" – a SOLIDÃO, mas ao qual se dá pouquíssima importância.

IBP

anamar disse...

Lembro-me de ter lido algo sobre esta figura, há tempo, que muito me despertou a curiosidade...
mas como não ando muito por ali à noite , não tive o privilégio de o conhecer, mas é como se....
.))

Helena Oneto disse...

Penso que ele queria dizer, simplesmente, adeus à solidão.

Anónimo disse...

Adeus

Eugénio de Andrade


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.

Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,gastámos as mão à força de as apertarmos,gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!e eu acreditava.
Acreditava,porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,no tempo em que o teu corpo era um aquário, no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água. o passado é inútil como um trapo.

E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Se tem mesmo que ser...
Então... Como Eugénio de Andrade.
Isabel Seixas

César Ramos disse...

(...) Penso que terá acontecido o pior a essa invulgar criatura.

Penso ainda, observando a foto do 'post', tratar-se do mesmo homem que, diariamente à tarde, dizia adeus numa avenida do Restelo, frente a uma das Embaixadas.

Amanhã... lá irei confirmar!

Cumpts.
César

Julia Macias-Valet disse...

"Chamam-me o Senhor do Adeus, mas eu sou o Senhor do Ola.", dizia Joao Manuel Serra numa entrevista que deu à jornalista Ana Sofia Fonseca do jornal "Expresso" em Março de 2008.
Aos 80 anos acenou-lhe a morte...

Como disse um grande amigo meu Fellini teria gostado de o conhecer. Jarmusch também.

patricio branco disse...

Que se passa na mente de certas pessoas que têm comportamentos que saem do padrão considerado normal, social e psicologicamente? quais as motivações, as intenções?

Anónimo disse...

Confesso que Adeus assim de chofre me faz por milésimas de segundo fazer paragem cardiorespiratória, a reanimação processa-se com uma leve massagem cardíaca e uma inspiração profunda e enquanto indago a dimensão do dito ou não dito Adeus e o meu olhar pena com uma avidez pela ambiência, retomo a minha frequência cardíaca e respiratória à medida que
constato que afinal era um xau adeus , arrivederci , au revoir , auf wiedersehen , goodbye, sayonara...

Porque

Adeus é tão tarde e só...
Que doí.
Isabel Seixas

Helena Sacadura Cabral disse...

A propósito do senhor do Adeus, lembro que uma amiga minha recentemente falecida me dizia que se não fossem os meus telefonemas semanais ela passava meses sem falar com ninguem.
Haverá algo mais triste?!
Nessa altura dizia-lhe "sai e vai por aí, que acabarás por fazer amigos". Continuo a pensar o mesmo. O problema é quando a saúde já nem permite sair...
Onde andarão os valores familiares, a solidariedade, a amizade, enfim, um certo amor pelo próximo"?

LP disse...

Estou em crer que o apelidado "adeus" é mais um "olá", como a citada, pela Julia Macias-Valet, Ana Sofia Fonseca.

Tal como diz, com total pertinência, Anónimo IBP, a solidão faz-nos ter atitudes que aos olhos dos demais podem parecer estranhas e excêntricas. Quando, na verdade, os estranhos e excêntricos, somos nós - tirando aqueles dias de solidão que nos torna mais humanos - de nariz empinado e cheios de pseudo-valores.

Confundimos intimidade com "ninguém tem nada a ver com isso". Confundimos solidão com momentos sós. Confundimos amor social com maluquice. Enfim, confundimos coisas simples com coisas confusas.

Anónimo disse...

Segundo uma pequena reportagem integrada num dos nossos telejornais, aqui há uns tempos, comoveu-me e impressionou-me bastante ver idosos em camas de lares, sós e abandonados, isto apesar de terem família (e alguns até numerosa). Nos casos ali referidos, alguns desses idosos não recebiam visitas desses mesmos seus familiares, ou mesmo qualquer contacto telefónico, há anos! E algumas das idosas senhoras choravam, à frente da Câmara, por, como referiam, “terem muitas saudades dos seus filhos, netos, etc, que fazia tanto tempo que não apareciam ali a visita-las!” Inacreditável! Pergunto-me como é possível acontecerem coisas destas? Que sociedade é esta, nos dias de hoje, que atira idosos para a solidão e o esquecimento como se fossem trapos velhos, que afasta filhos dos pais desta maneira? Para onde caminhamos?
Se bem que já se comecem a registar igualmente casos graves de solidão nas aldeias, mais devido ao isolamento e despovoamento de muitas delas (regionalização onde paras?), os casos mais gritantes, todavia, por estranho que possa parecer, sucedem nas grandes cidades, como Lisboa e Porto…onde se encontra e vive mais gente por m2!
P.Rufino
PS: tocante, o comentário do anónimo IBP!

César Ramos disse...

(...) em aditamento às palavras comentário que aqui deixei antes, confirmo que o Senhor "Adeus" do Saldanha, era o mesmo que diariamente vi durante as tardes, saudando quem passava naquela avenida do Restelo.

Consta que andou desaparecido do Saldanha, enquanto dizia adeus, afinal, aos passantes de Belém e do Restelo.

Paz à sua Alma(...)

Devia ter sido mais falado e acompanhado... quando era vivo. Mas a vida... é isto mesmo!

Cumprimentos
César Ramos

Anónimo disse...

Caro Patrício Branco, eis a resposta para a sua questão “Que se passa na mente de certas pessoas que têm comportamentos que saem do padrão considerado normal, social e psicologicamente? Quais as motivações, as intenções?”, sendo que a explicação é dada numa entrevista pelo próprio “Senhor do Adeus” quando o questionaram porque se expunha na via pública cumprimentado desconhecidos:

«Após a morte da minha mãe, foi a forma que encontrei para afugentar a solidão. Essa senhora é uma malvada, que me persegue por entre as paredes vazias da casa. Para lhe escapar, venho para aqui. Acenar é a minha forma de comunicar, de sentir gente».

Aqui vou parafrasear o LP “(…) Confundimos amor social com maluquice. Enfim, confundimos coisas simples com coisas confusas.”.

Em Portugal, tudo o que “foge” ao paradigma dito normal é maluquice ou excentricidade… Só se vive uma vez e um qual deve viver de acordo com o seu conceito de felicidade, desde que isso não prejudique os outros (e só apenas isso!).

P.S. O «Senhor do Adeus» inspirou também uma música do mais recente disco do fadista Marcos Rodrigues, «Tantas Lisboas», chamada «O Homem do Saldanha», com letra de Boss AC, música de Tiago Machado e interpretada por Carlos do Carmo e Marco Rodrigues.

IBP

margarida disse...

" (...)Confundimos intimidade com "ninguém tem nada a ver com isso". Confundimos solidão com momentos sós. Confundimos amor social com maluquice. Enfim, confundimos coisas simples com coisas confusas."

Nem mais.

Luís Bonifácio disse...

Respondendo à sua pergunta:

A NINGUÉM!!


O SENHOR Serra nunca disse adeus, esteve sempre a dizer OLÁ.

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