terça-feira, janeiro 09, 2024

O PCP e a memória

Em 1960, um grupo de dirigentes do PCP evadiu-se da cadeia de Peniche. Entre eles estava Francisco Martins Rodrigues. A imprensa clandestina do PCP deu nota dessa fuga histórica, indicando os nomes de todos os intervenientes. Com o tempo, Rodrigues veio a entrar em dissídio ideológico com o PCP, que acabou por expulsá-lo. Nada de mais natural, perante divergências de fundo que espelhavam a tensão entre a linha oficial do partido e uma deriva pró-maoísta que veio a criar a FAP e o CMLP - que Álvaro Cunhal veio a qualificar de "radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista", na linha da crítica do "esquerdismo" que já Lenine rotulara de "doença infantil do comunismo". Francisco Martins Rodrigues foi a cara dessa linha dissidente, que refletia o que então se chamou o "cisma sino-soviético". Depois da sua expulsão do PCP, nunca mais o nome de Francisco Martins Rodrigues voltou a surgir em todas as referências que o "Avante!", ou outras publicações que refletiam a linha do partido, iam fazendo à fuga de Peniche. E foram muitos anos! Veio o 25 de Abril e PCP decidiu voltar a contar a história como ela foi. E, já com Portugal a viver em liberdade, passou a colocar de novo o nome de Francisco Martins Rodrigues nos seus relatos da fuga de Peniche.

Há dois dias, no Twitter, ironizei com o modo "estalinista" como algum CDS tinha tentado e estava ainda a tentar fazer desaparecer o nome de Diogo Freitas do Amaral da história do partido. E acrescentei: "Faz lembrar o PCP, que também procurou "esquecer", nos relatos da célebre fuga de Peniche, o seu dirigente Francisco Martins Rodrigues, que entretanto se afastou do partido". Não pretendi "fazer História", mas apenas uma inocente ironia.

Foi o bom e o bonito! Caiu-me meio mundo à volta do "Partido" em cima! Foram dezenas de comentários, onde a acusação de "anti-comunista" foi o epíteto mais doce. Dando-se o caso de não ser anti-comunista, é, contudo, o lado para que durmo melhor. Aqui fica a nota de uma "polémica" com que alguns se entretiveram. Resta deixar também uma versão de Francisco Martins Rodrigues sobre alguns dos factos. Leiam aqui.

segunda-feira, janeiro 08, 2024

Memória


Eu não queria ser desmancha-prazeres, mas sempre gostaria de lembrar que dois dos três líderes da AD de 1979, tão elogiada pela direita que por aí anda, acabaram a apoiar candidatos e projetos socialistas. 

domingo, janeiro 07, 2024

É só isto?

Se o melhor que a direita democrática tem para oferecer aos portugueses é este projeto titulado pelas três figuras da nova AD podemos concluir que a sua ambição é muito limitada. 

Abril

Um excelente discurso do novo secretário-geral do PS. Um prenúncio daquilo que espero venha a ser um primeiro-ministro à altura dos 50 anos do 25 de Abril.

No 11 de março

Uma depressão em cadeia vai afetar o universo de comentadores dos media que tão militantemente anti-PS se têm revelado nestes últimos tempos. Se as coisas lhes correrem mal no dia 10 de março (e espero que corram), aposto que Luís Montenegro vai acabar por ser o bode expiatório. 

sexta-feira, janeiro 05, 2024

Muito bem!

 


Presidente de Portugal no funeral de Jacques Delors!

Smart guys

O CDS, quando tinha quatro lugares em S. Bento, era conhecido como o "partido do táxi". Agora, com a borla dos dois lugares que o PSD lhe dá, passa a "partido do Smart". Por passar a ter dois lugares? Não, porque foram espertos...

Levanta-te e anda, se conseguires!

 


O PPM !

Com o PPM a coroar a (re)nova coligação, consta que o pânico assentou arraiais no largo do Rato.

CTT

A minha grande questão ao governo que agora cessa funções é saber por que diabo não mandou a Parpública comprar mais ações dos CTT. 

Ou será que o Estado só pode ter, no seu portfolio de participações, empresas que não sejam lucrativas?

No "Nascer do Sol"

 


quinta-feira, janeiro 04, 2024

Mesas recentes


Muito bem que se come na Toca da Formiga, em Ermesinde, que reabriu recentemente. 


Continua impecável, na comida e no serviço, o clássico Camelo, em Santa Marta de Portuzelo.


Um dos melhores bacalhaus do país é servido, desde há anos, na Taberna Afonso, em Poiares.


O Chaxoila, em Vila Real, permanece um local seguro e muito recomendável.


O DOC, de Rui Paula, na Folgosa, não perdeu minimamente o fôlego, e continua a servir divinamente.


Sempre de confiança, sem surpresas e com uma qualidade genuína, permanece o Lameirão, em Vila Real.


Nunca saí desiludido do Costa do Sol, no Hotel Aguiar da Pena, em Vila Pouca de Aguiar.

(Uma nota aos leitores: só falo sobre restaurantes que efetivamente visitei e dos quais saí satisfeito. Ah! E paguei sempre a conta em todos eles, bem entendido!)

quarta-feira, janeiro 03, 2024

"Eco"


O estimabilíssimo jornal digital Eco publica uma excelente edição especial em papel com um alargado painel de comentadores e artigos muito variados e interessantes. A convite de António Costa (não, não é esse!) escrevo por lá um texto sobre os Estados Unidos e o seu papel no mundo, opinando que as ideias sobre a sua anunciada morte como potência dominante me parecem muito exageradas. 

terça-feira, janeiro 02, 2024

Entrevista à Rádio Observador


Para ouvir aqui.

Zé Vera


O meu amigo José Vera Jardim faz hoje 85 anos. Não sei quando nos conhecemos, apenas sei, de certeza segura, que não foi no MES. É que, bem antigo "compagnon de route" e de profissão de Jorge Sampaio, o Zé recusou sempre o epíteto de ex-MES, afirmando, com irritante soberba: "Eu nunca fui ex-MES, porque nunca fui do MES". Entrámos um dia juntos nessa bela e esperançosa aventura que foi a governação Guterres e aí consolidámos uma amizade e um companheirismo que guardamos para sempre entre nós. Com ele ministro, fui visitá-lo ao Terreiro do Paço. Do seu gabinete, olhávamos a praça. A certa altura, disse: "Olha! Vai ali um órgão de soberania". E apontou para um tipo que passava, com ar imponente. Esclareceu, com uma risada: "É um juíz". O Zé é um espírito livre como muito poucos que conheci, pensa pela sua cabeça, mesmo que isso signifique poder, às vezes, contrariar os amigos. Essa plena liberdade, que é um seu lema de vida, usa-a na intervenção institucional, a que se dedica com empenhamento, para assegurar, entre nós, a saudável coexistência das diversas religiões. Tem um humor magnífico, uma cultura soberba, onde brilha uma costela filo-germânica que vem sempre ao de cima. Há uns anos, a morte da Maria Amélia trouxe-lhe uma sombra de tristeza que nunca mais saiu do seu olhar. Por décadas, ambos fizemos parte da tertúlia do Procópio, sob a batuta do ímpar Nuno Brederode Santos. Nos últimos tempo, às vezes, ainda por lá regressamos à antiga Mesa 2, num "remake" esforçado, qual Mesa 2.0 . Por muitos anos, almoçámos quase todas as semanas num grupo que a pandemia e a saída de cena de alguns convivas espantou, mas que, às vezes, ainda se junta no Pátio Bagatela. Espero continuar a encontrar o meu querido amigo Zé, por muito tempo, por todas essas mesas de uma amizade que, tal como nós, está cada vez mais orgulhosa da sua velhice. E, se a sorte nos correr de feição, também espero comemorar com ele, em 2024, algumas vitórias políticas e desportivas em mundos que, com muito orgulho, partilhamos.

segunda-feira, janeiro 01, 2024

Hopper


Ao ver coisas como esta, como devemos reagir?: "Coitado do Hopper, constantemente a ser usado e abusado com distorções do seu genial quadro!" ou "Que sorte que o Hopper tem de estar sempre a ser lembrado, de todas as maneiras e feitios" ?

Vila Real


Na minha terra, ainda tem quelhos como este.

Procrastinações


O "El País" publicou um longo artigo, tentando explicar a saga de um país vizinho, cujo nome não vem ao caso, que, por muito que se esfalfe há mais de cinco décadas, não consegue construir um novo aeroporto para a sua capital. Talvez valesse a pena alguém começar por lhes contar a história de Santa Engrácia.

Risco

Morreu um amigo de Putin, caído de um terceiro andar. Esta questão da segurança das janelas na Rússia já merece uma tese de doutoramento.

Hospitais

E será que alguém se lembra de quando o Natal dos Hospitais eram umas pessoas sentadas, embrulhadas em roupões, a ouvir uns pimbas a terem uma oportunidade única para surgirem na RTP? Hoje, o cenário são as portas das urgências e as "cantigas" têm todas a mesma letra...

Está no papo!


Quanto a futebóis, o Sporting já conseguiu o mais difícil, que foi chegar à liderança. Já viram bem a quantidade de clubes que, para isso, tivemos de ultrapassar? Agora, é só segurar a posição e impedir que algum clube passe à nossa frente. Não estou a perceber a dificuldade!

Agora é que é!

A quantidade de dietas que vão começar hoje! Para a semana, já ninguém se lembra...

Matar o mensageiro

Um jornal deu o resultado de uma sondagem sobre as próximas eleições, efetuada por uma empresa tida por credível. As redes sociais encheram-se imediatamente de insultos ao órgão de imprensa e aos seus jornalistas, tidos por serventuários da força política mais destacada.

... e paz

No dia de hoje é fazem falta as misses-qualquer-coisa a quem, perguntado o seu maior desejo, invariavelmente debitam esse profundo anseio geopolítico que é haver paz no mundo.

domingo, dezembro 31, 2023

E se logo houvesse uma surpresa?

 


Aspas

Os meus amigos "pêpêdês" que tenho cruzado neste Natal falam do seu "líder" com um entusiasmo em que quase se ouvem as aspas...

Vida nova?

Acordei, tomei um café e passou-me pela cabeça: e se, a partir de amanhã, mudasse certas coisas nos meus hábitos, tipo "ano novo, vida nova"? 

Depois, ajudado por outro café, decidi tomar juízo: vai ficar tudo igual. Continuo a achar odienta a expressão "sair da zona de conforto".

sábado, dezembro 30, 2023

Via real


Nos últimos dias, mesmo em alguns com chuva, deu-me para calcorrear Vila Real a pé (não sei se se pode calcorrear uma cidade sem ser a pé, mas está bem). A menos de 100 metros de minha casa existe este caminho. Eu, que me tenho por imensamente curioso sobre as coisas da minha cidade, nunca me senti motivado para seguir por ele até ao fim. Há gente muito estranha! Vá-se lá percebê-los! Eu já nem tento! 

Devido

É num dia como o de hoje que o país decente, aquele que recusa o populismo justicialista que alimenta os títulos da calúnia fácil e canalha, deve, uma vez mais, um agradecimento ao desassombro premonitório de Rui Rio.

Ouvido

Ouvido há pouco: "E se esta movimentação da justiça em torno de Luís Montenegro visasse afinal forçar o seu afastamento, a tempo da direita ainda poder vir a apresentar um líder com algumas hipóteses de disputar os próximos quatro anos ao PS?" Mauzinhos ou premonitórios?

sexta-feira, dezembro 29, 2023

Bem, a RTP


A RTP considerou António Guterres como a Figura Internacional do Ano. Bem.

Livros


Pois é assim: o Centro Nacional de Cultura escolheu, como habitualmente os "Melhores Livros de 2023". E não é que entre eles figura um tal "Antes que me esqueça", de um autor que a modéstia me não permite citar? Ver aqui.

Fernando Reino


Quando, em 1979, cheguei a Oslo, para o meu primeiro posto no exterior, tive o privilégio de ter como embaixador Fernando Reino, uma das "rising stars" da casa. Reino, uma "força da natureza", era um democrata e europeísta. Trabalhei sob as suas ordens cerca de um ano, até ao momento em que ele foi chamado a Lisboa, para chefe da Casa Civil do presidente Ramalho Eanes. 

Fernando Reino representou mais tarde Portugal junto das organizações internacionais em Genebra, sendo depois embaixador em Madrid e na ONU, em Nova Iorque. Ficámos amigos e em permanente contacto desde então. Fernando Reino morreu em 2018. Nos anos anteriores, tivemos dois divertidos almoços com outros amigos.

Há poucas horas, um cruzamento de referências na internet trouxe-me as inesperadas imagens de uma conversa que Fernando Reino e eu tivemos na RTP, em 1996, moderada por Nicolau Santos. Gabo-me de ter excelente memória, mas não tinha a menor ideia de ter feito esta entrevista ao lado de Fernando Reino. As relações entre Portugal e a Espanha eram o tema em análise.

Na peça, Reino, então já há muito reformado, está igual a si próprio, desassombrado, chamando "os bois pelos nomes", sem perder, no entanto, alguma prudência diplomática que lhe vinha da profissão. Eu, pelo contrário, vejo-me demasiado Secretário de Estado, "muito certinho", algo "redondo", politicamente correto, irritantemente oficioso. Mas achei imensa graça observar-me 27 anos depois e reencontrar este mano-a-mano com essa excelente figura da nossa diplomacia que foi Fernando Reino.

Quem tiver interesse, pode ver aqui.

Bicho raro

Fui, desde a adolescência, um viciado em notícias, em jornais e revistas. Nos últimos anos, deixei parte (só parte) do papel e ando muito, talvez demasiado, por estes écrans da internet (iPad e iPhone, larguei por completo os laptop e já dei conta que desperdicei dinheiro num Mac que nunca abro). Criei uma rede forte e segura de consulta para me informar sobre os temas internacionais que tenho de comentar na televisão. Pago assinaturas, gasto cada vez mais dinheiro para obter a informação que me interessa. Julgo saber o suficiente "da poda" das notícias para não correr o risco de ser vítima das "fake news", mas isso dá-me uma constante trabalheira de "check and re-check". Perco assim muito tempo por aqui, leio menos livros, quase não ouço rádio, há três anos que deixei de ver, por completo, os telejornais dos canais clássicos. Dos restantes, olho um pouco a "minha" CNN, e nem sempre, quase só em zapping. Não assisto a nenhuns programas de debate (salvo se me chamarem a atenção para alguma coisa imperdível), seleciono os escassíssimos comentaristas que vejo e oiço. Às vezes, perante os meus amigos, faço figura de real ignorante relativamente a coisas que todos sabem, que todos viram, que todos ouviram, a pessoas de quem se fala. Ridicularizaram-me quando, há meses, perguntei o que era essa coisa dos Coldplay. Até há duas semanas, nunca tinha ouvido a voz de Taylor Swift, figura a que achava graça por outros motivos. Reconheço que sou um "bicho raro" no mundo da comunicação, mas sinto-me bem assim.

quinta-feira, dezembro 28, 2023

A vida não tem rascunho

Dia por dia, faz hoje 50 anos. Antes, já tinham passado mais de oito de conversas a dois. Num registo civil, nesse dia 28 de dezembro de 1973, perante apenas duas testemunhas, assinámos um papel. A seguir, sorte das sortes, veio Abril (com uma eterna maiúscula) e surgiram coisas para fazer. A vida foi acontecendo, não teve um rascunho. Andámos pelo mundo, durante quase quatro décadas, com algumas passagens por cá. Um dia, já há mais de dez anos, com toda a naturalidade e sem a menor nostalgia, regressámos ao ponto de partida, para continuar a vida em novas vidas. Sempre com a família, com os amigos - muitos, bons e bem diversos. Uns continuam connosco por aí, outros ficaram-nos na boa lembrança. Correu tudo bem? Correu quase tudo muito bem. Naquele dia de 1973 fazia sol, hoje está a chover. O grande segredo, aprendemos, foi saber resistir com bonomia a todos os climas e, ao longo deste meio século, continuar a olhar, sempre que possível, para a face divertida das coisas. Juntos, claro.

Delors e o "Le Parisien"


Numa conversa com Jacques Delors, em 2009:

- Que jornais diários franceses lê, embaixador?

- De manhã, o "Le Figaro", o "Libération" e o "Les Echos". À tarde, o "Le Monde".

- Não lê o "Le Parisien"?

- Só aos fins de semana e nem sempre. Acha que é um jornal que vale a pena ler diariamente?

- Sem dúvida! Eu começo sempre o dia pelo "Le Parisien". É um jornal simples, popular, que traz muito daquilo que o cidadão comum de Paris absorve, em especial sobre política nacional. E é muito equilibrado. Para se entender o que constroi a opinião média em Paris, passar os olhos pelo "Le Parisien" é essencial.

Depois desta conversa com Jacques Delors, o "Le Parisien" passou a fazer parte da minha leitura diária. E acho que fiz bem.

Um ou dois anos depois, num dos "dîners en ville" que eram o fatigante pão nosso de cada noite, quando vivia em Paris, conheci Thierry Borsa, então diretor do "Le Parisien". Contei-lhe o comentário de Jacques Delors. Ficou entusiasmado: "Ele disse isso?! Deu-me uma ideia: vamos procurar entrevistá-lo". Nunca apurei se o tentaram e se o fizeram. À época, Jacques Delors tinha já uma vida pública muito discreta e recolhida, escolhendo parcimoniosamente as suas aparições mediáticas.

Hoje, o "Le Parisien" trata assim a morte de Jacques Delors. 

Podiam ter acrescentado: um homem que gostava do "Le Parisien"...

quarta-feira, dezembro 27, 2023

Na "Visão" de 28 de dezembro

 


Jacques Delors


Contrariamente ao que o senso comum possa pensar, a França não é um país que se distinga por ter um constante e elaborado pensamento europeu. Sendo um Estado central e que foi essencial para o lançamento do projeto económico-social coletivo que a paz no pós-guerra permitiu instituir, Paris alimentou sempre uma leitura singular, e nem sempre solidária, desse mesmo projeto.

Com o fim da Guerra Fria e o sonho da criação de uma Europa-potência que pudesse ombrear com o parceiro democrático do outro lado do Atlântico, criando simultaneamente um "modus vivendi" com o grande e inevitável vizinho a Leste, o eixo franco-alemão teve a genialidade estratégica de estimular o salto institucional que redundou no Tratado de Maastricht e na posterior criação da moeda única, cumulando o mercado interno e a liberdade de pessoas em Schengen.

A clarividência dos dirigentes europeus da época determinou que Jacques Delors viesse a ser a figura escolhida para dinamizar e pôr em prática essa ideia. Soube fazê-lo com um inexcedível brilho, elevando a Comissão Europeia a um excecional patamar de importância.

Há quem diga que o destaque conseguido por Jacques Delors à frente da Comissão pode ter "assustado" os Estados que têm assento no Conselho de Ministros e que essa terá sido a razão pela qual, a partir de então, a escolha dos seus sucessores no cargo tivesse recaído em figuras bem mais fracas e bastante menos incómodas para muitos poderes nacionais. A exceção pode precisamente ser a atual presidente da Comissão, que se destacou pelo seu meritório papel durante a pandemia e que, a partir daí, lançou uma sombra sobre a ação do Conselho na gestão da crise ucraniana. Vale a pena refletir: Delors era francês, Van der Leyen é alemã. Na Europa não há coincidências.

Portugal deve a Jacques Delors uma grande atenção à especificidade dos seus problemas, um cuidado com as suas debilidades, que nunca será demais ressaltar. Cavaco Silva e Vitor Martins, primeiro-ministro e secretário de Estado dos Assuntos Europeus, que com ele muito lidaram, são testemunhas privilegiadas dessa forte amizade que Jacques Delors dedicava ao nosso país. E Delors sabia bem a afetividade que essa sua ação gerara entre nós.

Uma vez, em Paris, há mais de uma década, à margem de uma bela conferência que Jacques Delors proferiu na delegação da Fundação Calouste Gulbenkian, tive a oportunidade de lhe reiterar, como embaixador português, o facto de o seu nome ter ficado gravado, de forma muito positiva, na imagem que cultivávamos do projeto europeu. Delors retorquiu com qualquer coisa como isto: "Portugal mereceu tudo aquilo que teve. É um país que soube forjar uma genuína dedicação à Europa. Inicialmente, os fundos europeus foram muito importantes, mas vocês souberam ir mais longe e foram capazes de construir uma maneira própria de estar na Europa. Mas, por favor, nunca digam, como às vezes ouço dizer, que Portugal é um pequeno país na Europa. Vocês, como europeus, são um grande país". Confesso que fiquei contente ao ouvir isto, mesmo que a frase só seja verdadeira a espaços.

Alguma imprensa vai, por estas horas, "ter a imaginação" de repetir a frase batida de que, com a morte de Delors, a Europa está de luto. É uma imensa banalidade, de facto. Mas também é uma imensa verdade. O que é triste ter de admitir é que, nos dias de hoje, muitos europeus não façam a menor ideia daquilo que devem a Jacques Delors.

(Publicado no site da CNN Portugal)

Wilson e o fumo


As férias dão a oportunidade de redescobrir livros que já tínhamos esquecido. Aconteceu-me agora com um volume editado em 1976, da autoria do antigo primeiro-ministro britânico Harold Wilson. Tem por título "The Governance of Britain" e dá-nos uma perspetiva muito interessante sobre o modo de funcionamento do executivo britânico, à luz da época.

A certo ponto do texto, Wilson, conhecido fumador de cachimbo, mas também de cigarros, aborda a magna questão de se poder ou não fumar nas reuniões do gabinete. Anota que, no governo Attlee, depois da guerra, tinha sido determinado que só se podia fumar nas reuniões depois da uma da tarde, com pretextos de poupança. Depois, a regra caiu, naturalmente, com Churchill. Mais tarde, os hábitos terão variado. 

Quando Wilson chegou pela primeira vez a Downing Street, já como primeiro ministro, em outubro de 1964 (ficaria até 1970), assumiu abertamente o uso do tabaco nas reuniões. Na sua interessante e interesseira perspetiva, isso evitava que alguns ministros saíssem a espaços da sala, pretextando urgentes chamadas telefónicas, ou fizessem pressão para que as reuniões acabassem mais cedo, adiando decisões.

Wilson foi substituído por Edward Heath, que ficou no cargo nos quatro anos seguintes (1970-1974). Heath, que também tinha o cachimbo na sua bem conhecida lista de vícios, proibiu o fumo nos conselhos de ministros. 

Quando, em 1974, Harold Wilson regressou a Downing Street, para um novo mandato como primeiro-ministro (ficaria até 1976), deu-se conta de que os cinzeiros tinham desaparecido por completo da casa. No dia seguinte, ao abrir a primeira reunião do conselho de ministros, fez um anúncio solene: "Aqui, não é obrigatório fumar". E acendeu o seu cachimbo.

terça-feira, dezembro 26, 2023

Não é nostalgia


Nunca fiz parte de quantos pensam que "no meu tempo é que era bom". Desde logo porque o conceito de "meu tempo" é um pouco bizarro. Cada tempo tem o seu tempo, nós fomos diferentes em cada um desses períodos, o que nos ficou dessas experiências passadas representou apenas uma escolha, embora não necessariamente deliberada: às vezes, as coisas não foram tão boas como a nossa memória as reteve, outras vezes foi o nosso mal-estar conjuntural que ajudou a fixar uma imagem menos agradável do que até foi simpático. Aprendi, com os anos, a relativizar tudo, o que, por vezes, me leva a um desapego pelas coisas que pode parecer chocante. Já concluí que essa é a minha linha de defesa. E vivo lindamente assim.

Aqui em Vila Real, olhei aquela casa, agora feita ruina. E lembrei-me de mim, criança, a brincar lá dentro, junto de familiares, há muitos anos. Tive saudades? Nenhumas. Foi outro tempo. E continuei a passear pelas ruas da cidade. Estava frio, um sol magnífico, cruzei-me com alguns amigos, comi um covilhete, bebi um fino. Este é o "meu tempo".

domingo, dezembro 24, 2023

... e, em Vila Real, vai-se à Gomes, claro!



O nome por detrás dos nomes


Viviam-se os primeiros anos da década de 90. Estava colocado na nossa embaixada em Londres. Um dia, um jornalista do "Expresso" de quem me tinha tornado um bom amigo, Benjamim Formigo, perguntou-me se acaso eu não quereria escrever, para as páginas da secção internacional que dirigia, alguns artigos de opinião, sob pseudónimo.

A tentação era grande, mas tinha uma natural limitação: não podia escrever sobre política externa portuguesa. Essa era uma linha vermelha que, por razões deontológicas óbvias, não ultrapassaria.

O Benjamim e eu combinámos então a criação de dois pseudónimos temáticos.

Um seria dedicado à abordagem de temas europeus e questões internacionais em geral. O outro nome abordaria apenas temas africanos, que, à época, muito me interessavam e estavam na moda na nossa imprensa. E, claro, eu não seria remunerado por essas tarefas.

Para o primeiro tipo de comentários, criei o nome de "Mark Kraëlsky".

Soava bem! Como é que cheguei a esse nome? Semanas antes, eu tinha andado à procura de alguém que pintasse a sala do apartamento onde vivia, em Londres. Não podia gastar muito dinheiro, porque os salários de então dos diplomatas portugueses no Reino Unido andavam pelas ruas da amargura. Uma amiga, Valerie Dawson, uma atriz que hoje aparece com frequência nas nossas televisões, a quem eu tinha falado no assunto, disse-me que conhecia um trolha polaco que podia fazer esse trabalho por um preço razoável. Falei com o homem, acordámos o pagamento e, dias depois, as minhas paredes resplandeciam. O polaco chamava-se "Mark Kraëlsky" ou algo similar que passei a grafar dessa forma (confesso que nunca vi um nome polaco escrito assim...). Como então me disse que o seu último biscate tinha sido pintar o hall de entrada de um edifício da Universidade de Londres, decidi, ao adotar o seu sonoro nome, colocar-lhe um asterisco à frente e, no final dos textos, inseria "* Universidade de Londres". Havia tantas universidades em Londres... Nos tempos atuais, com o recurso ao Google, esta mentirola de Polichinelo só duraria umas horas!

O outro pseudónimo, utilizado para abordagem de temas africanos, era bem mais prosaico - "João Urbano".

Por essa altura, no "Semanário", um jornal que, sem sucesso, ao tempo procurava rivalizar com o "Expresso", e onde então preponderava a figura de Marcelo Rebelo de Sousa (que, no "Semanário", utilizava vários pseudónimos, alguns subscrevendo artigos que chegavam a contestar outros escritos pelo mesmo autor...), surgia um regular opinador sobre política africana que assinava como "Carlos da Mata". Julgo que se tratava de um pseudónimo (o meu amigo João Amaral ainda um dia vai satisfazer a minha minha curiosidade sobre quem é que afinal estava por detrás desse nome) que era usado por mais do que um escriba. E se ele era "da Mata" eu passei a ser "Urbano". E assim escrevi no "Expresso" uns tantos artigos como "João Urbano"...

Verdade seja que não era essa a primeira vez que assinava textos, sob pseudónimo, no "Expresso". Anos antes, creio que em 1988, num mano-a-mano com o meu colega António Dias, havia subscrito dois artigos sob o então assumido pseudónimo de "Luiz da Cunha", homónimo daquele que é historicamente considerado o "pai" da diplomacia portuguesa - a figura setecentista de D. Luiz da Cunha. Esse artigos, escritos num tom elegantemente respeitoso, embora um tanto gozão, eram atribuídos pelo jornal a um "coletivo de diplomatas portugueses" (a bem dizer, bastam duas pessoas para fazer um "coletivo"...) e prendiam-se com modestas reivindicações corporativas da nossa classe profissional, num tempo em que a nossa associação sindical primava pela modéstia e ineficácia na sua ação.

Esses dois textos, nos dias subsequentes à respetiva publicação, tiveram a virtualidade de abalar a placidez das conversas pelos claustros das Necessidades. O ministro era João de Deus Pinheiro. O seu chefe de gabinete, António Sequeira Nunes, foi ter comigo: "Cheira-me que tu deves saber quem são os tipos que assinam como "Luiz da Cunha"!" Ele pensava que eram muitos... Ri-me e comentei: "Pois sei, mas não será da minha boca que ouvirás os nomes deles. Mas faço-te uma proposta: se me disseres quem são os meus colegas que tu suspeitas que podem ser os "culpados", e se acaso tiveres a perspicácia de acertar em algum deles, eu prometo confirmar. É o máximo que posso fazer". E pelo chorrilho de diplomatas que o António então avançou, como "suspeitos" daquela moderadíssima ação reivindicativa - nomes nos quais, estranhamente, nem eu nem o António Dias figurávamos -, acabei por vir a saber quem estava no "index" de potenciais dissidentes por parte do gabinete do ministro...

Sob o nome de "Pedro Leite de Noronha" eu ainda viria a escrever uma célebre carta ao diretor que o "Expresso" publicou. Mas essa é uma historieta que conto nas páginas 306/307 do meu livro "Antes que me esqueça". Façam o favor de comprar o livro e lá poderão lê-la!

sábado, dezembro 23, 2023

A explicação

Um comentador comentou: "Francisco Seixas da Costa, tanta exposição mediática, de forma regular, para quê? Uma candidatura política relevante, no futuro próximo?"

Pronto! Já não consigo disfarçar mais! No mês de janeiro, há uma assembleia geral do meu condomínio e preciso de criar condições para garantir a minha reeleição como administrador. Fui desmascarado por um comentador arguto!

BOAS FESTAS!



quinta-feira, dezembro 21, 2023

Não resisti


Hoje, estive no Europarque, em Santa Maria da Feira. Uma vez por ano, participo no almoço de Natal organizado por uma das empresas a que continuo a prestar a minha colaboração profissional, neste caso, há mais de uma década. Por ali esteve ontem mais de um milhar de pessoas, dentre as muitas dezenas de milhares que essa empresa portuguesa emprega pelo mundo.

À entrada do Europarque, não resisti. Como quem não quer a coisa, fiz-me perdido e, por alguns minutos, andei por salas onde, há 23 anos, trabalhei muitas horas para poder ajudar a concluir, com êxito, o Conselho Europeu de Santa Maria da Feira. Com António Guterres, Jaime Gama, Joaquim Pina Moura, Maria João Rodrigues e tanta e tanta outra gente que construiu a presidência portuguesa da União Europeia de 2000, recordei naquelas salas o muito que me esfalfei por ali.

Abri hoje portas que me recordaram reuniões complicadas, mas que tiveram imensa graça. Como as que tiveram lugar na sala que a imagem mostra, onde chefiei reuniões que me levaram muitas horas, mas que me deram imenso gozo. É que, para o bem ou para o mal, sempre gostei de trabalhar.

quarta-feira, dezembro 20, 2023

Palavras

Houve quem julgasse que a parcimónia na palavra pública do Dr. Pedro Passos Coelho o levaria a uma escolha prudente naquilo que entende dizer nas suas raras aparições. O "soundbite" pesadote e deselegante de ontem deve ter sido uma surpresa para quem assim pensava.

Brasil


Posso dizer, alto-e-bom-som, que sou fortemente favorável à presença em Portugal de uma forte comunidade brasileira?

terça-feira, dezembro 19, 2023

O infeliz

O árbitro do Sporting-Porto teve uma "noite infeliz"? Claro que sim! Depois de ter feito tudo aquilo que estava ao seu alcance para falsear o resultado, ter a desdita de ver o Sporting ganhar o jogo deve ter-lhe criado uma imensa infelicidade. Coitado do homem!

segunda-feira, dezembro 18, 2023

O arco da decência


O populismo xenófobo que está a começar a gerar-se em torno do tema da imigração deveria levar os partidos do "arco da decência" a uma tomada de posição, de preferência conjunta, para denunciar e esconjurar essa doença nacionalista, a montante de qualquer crise grave. 

Esgotado


O sucesso de vendas do livro "Antes que me esqueça" apanhou desprevenida a editora. Em muitas livrarias, o livro está esgotado há vários dias e uma nova edição poderá só estará disponível em 2024. Ninguém, mais do que eu, lamenta esta situação. Só me resta pedir paciência. Para quem tiver "pressa", o livro pode ser adquirido em eBook na Barnes & Noble.

"Ai Portugal, Portugal!"


Uma organização internacional da qual Portugal faz parte tem como línguas oficiais o francês e o inglês. Na porta do gabinete que nos foi atribuído, o nome do nosso país foi escrito em ambas as línguas. Se acaso o português, o alemão ou o espanhol também fizessem parte das línguas oficiais da organização, a placa teria bastante mais graça.

sábado, dezembro 16, 2023

Democracia

José Luís Carneiro era o candidato que eu desejava tivesse sido eleito líder do PS. Os militantes socialistas escolheram Pedro Nuno Santos. No próximo dia 10 de março, espero poder felicitar Pedro Nuno Santos pela sua eleição como próximo primeiro-ministro de Portugal. 

Viewmaster


Quando era miúdo, lá por Vila Real, alguém me ofereceu um dia, talvez pelo Natal, uma máquina da Viewmaster. 

Para quem não saiba, tratava-se de um pequeno aparelho de plástico, do tamanho de um palmo de adulto, onde se introduziam discos redondos de cartão, com fotografias transparentes. Colocando os olhos nos visores, mantendo um ponto de claridade à frente, obtínham-se imagens muito nítidas. Podiam ser curtas histórias com desenhos, podiam ser quadros ou paisagens. 

As imagens, em cada disco, seriam pouco mais de meia dúzia. Com o indicador, íamos carregando num cursor que as ia mudando. Lembro-me de ter recebido, como ofertas, mais de uma dezena desses discos, que vinham nuns envelopes quadrados brancos. É impressionante o que guardamos na memória de infância! E que, de repente, nos ocorre.

Presentearam-me uma vez com um disco da Viewmaster com panorâmicas de Lisboa. Eu devia ter quatro ou cinco anos - e, nessa idade, nunca tinha ido a Lisboa. Imagino que seria imperativo haver no disco fotografias da Torre de Belém, dos Jerónimos, do Castelo, da Fonte Luminosa, do Rossio ou dos Restauradores.

Contudo, por qualquer razão, a imagem desse disco que, até hoje, me marcou mais, ficando-me eternamente na retina, era uma panorâmica tirada do alto do Parque Eduardo VII, com o Tejo e a outra banda ao fundo, bem como a colina do Castelo, num dia de sol glorioso. Por muitos anos, achei que aquela paisagem era o suprassumo. Podia lá haver coisa mais bonita no mundo, pensava a criança que eu era! Ainda um dia irei ali, devo ter ansiado intimamente, abafado pelo Marão.

Há pouco, saído de um almoço no Eleven, esse panorama reaparceu-me. E tirei uma fotografia daquele área. O dia estava tão glorioso como o da Viewmaster, um verdadeiro "céu de brigadeiro", como fizem os brasileitos. Cuidei em não repetir o enquadramento da Viewmaster, porque não quero que essa coisa banal e óbvia que é a realidade possa alguma vez ter a ousadia de colocar a mínima sombra sobre as coisas únicas, e por definição imbatíveis, que guardo para sempre na minha memória de infância.
 

É tão simples!

Nas eleições internas do Partido Socialista prefiro José Luís Carneiro a Pedro Nuno Santos. Não hesito um segundo na escolha. Nas eleições legislativas de março, votarei obviamente no PS, independentemente de quem hoje vier a ser escolhido para seu líder. O PS é o partido do qual me continuo a sentir ideologicamente mais próximo. É, além disso, a força partidária que me oferece mais garantias de conseguir manter afastadas da governação certas ideias políticas que, no nosso passado democrático, nunca apreciei ver no poder e outras que detestaria o pudessem vir influenciar no futuro. Em política, as escolhas são sempre muito simples. Pelo menos as minhas.

sexta-feira, dezembro 15, 2023

América Latina


A Casa da América Latina, através de um júri a que tive o gosto de presidir, atribuiu ontem o Prémio Científico Mário Quartin Graça 2023. O Prémio distingue teses de doutoramento na área das ciências sociais e humanas, oriundas de ambos os lados do Atlântico. 

vencedor foi o investigador Francisco Javier Morales Aguilera, pelo trabalho Miradas interiores y exteriores sobre la violencia política durante la Unidad Popular. Análisis de la documentación oficial y la prensa en Chile, España y Portugal, 1970-1973. Marcela Maciel Santana recebeu uma menção honrosa pela tese Cidades de Influência Portuguesa: Patrimonialização e Gestão.

quarta-feira, dezembro 13, 2023

Isto é verdade?