terça-feira, janeiro 09, 2024

O PCP e a memória

Em 1960, um grupo de dirigentes do PCP evadiu-se da cadeia de Peniche. Entre eles estava Francisco Martins Rodrigues. A imprensa clandestina do PCP deu nota dessa fuga histórica, indicando os nomes de todos os intervenientes. Com o tempo, Rodrigues veio a entrar em dissídio ideológico com o PCP, que acabou por expulsá-lo. Nada de mais natural, perante divergências de fundo que espelhavam a tensão entre a linha oficial do partido e uma deriva pró-maoísta que veio a criar a FAP e o CMLP - que Álvaro Cunhal veio a qualificar de "radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista", na linha da crítica do "esquerdismo" que já Lenine rotulara de "doença infantil do comunismo". Francisco Martins Rodrigues foi a cara dessa linha dissidente, que refletia o que então se chamou o "cisma sino-soviético". Depois da sua expulsão do PCP, nunca mais o nome de Francisco Martins Rodrigues voltou a surgir em todas as referências que o "Avante!", ou outras publicações que refletiam a linha do partido, iam fazendo à fuga de Peniche. E foram muitos anos! Veio o 25 de Abril e PCP decidiu voltar a contar a história como ela foi. E, já com Portugal a viver em liberdade, passou a colocar de novo o nome de Francisco Martins Rodrigues nos seus relatos da fuga de Peniche.

Há dois dias, no Twitter, ironizei com o modo "estalinista" como algum CDS tinha tentado e estava ainda a tentar fazer desaparecer o nome de Diogo Freitas do Amaral da história do partido. E acrescentei: "Faz lembrar o PCP, que também procurou "esquecer", nos relatos da célebre fuga de Peniche, o seu dirigente Francisco Martins Rodrigues, que entretanto se afastou do partido". Não pretendi "fazer História", mas apenas uma inocente ironia.

Foi o bom e o bonito! Caiu-me meio mundo à volta do "Partido" em cima! Foram dezenas de comentários, onde a acusação de "anti-comunista" foi o epíteto mais doce. Dando-se o caso de não ser anti-comunista, é, contudo, o lado para que durmo melhor. Aqui fica a nota de uma "polémica" com que alguns se entretiveram. Resta deixar também uma versão de Francisco Martins Rodrigues sobre alguns dos factos. Leiam aqui.

8 comentários:

Anónimo disse...

A reescrita da história, sendo uma prática antiga, tem nestes dias uma expressão fantástica. É da vida!

A despropósito:
Leio do DN que há 50 anos FSCosta estava na EPAN. A acompanhar o texto uma foto do próprio( na torre do castelo de Marvão ? ). Ora, para que a para a história não fique a ideia de que a EPAN admitia guedelhas daquelas em jan 74, conviria esclarecer o desfasamento. :)

Cump.

MRocha

Anónimo disse...

ainda pensei que tivessem sido os do cds...

João Cabral disse...

Mas há algum problema em ser anticomunista, senhor embaixador? Se é antifascista e é um democrata... Logicamente é anticomunista.

Francisco Seixas da Costa disse...

João Cabral. Leia isto https://duas-ou-tres.blogspot.com/2017/06/a-foice-o-martelo-e-eu.html

Unknown disse...

As coisas devem serr vistas no seu contexto. Por este andar, riscam-se Mário Soares dos livros da história, porque fez não sei o quê nos últimos tempos de vida, José Sócrates, porque fez o que fez, Guterres e Costa, porque se demitiram, etc, etc.

diogo disse...

Interessante, a reacção dos revolucionários (!), embora expectável...

Não sou especialista em história do PCP, mas estará longe de ter sido o único anjo caído e (quase) apagado.
Acho curiosíssimo o caso do "infame" Pavel (Francisco de Paula Oliveira Júnior). Julgo que a sua vida daria um belo filme, ou pelo menos um documentário mais alargado, que ao que sei não existem.

João Cabral disse...

Senhor embaixador, fiquemos assim: não tenho a menor dúvida de que é antitotalitário.

Joaquim de Freitas disse...




João Cabral disse...
“Senhor embaixador, fiquemos assim: não tenho a menor dúvida de que é antitotalitário.”

Eu também não tenho duvidas. Mas gostaria de saber o que é o totalitarismo.

“Ideologia e terror”, segundo Hannah Arendt, são as duas características do regime totalitário. O problema é que definem perfeitamente a dominação implacável infligida pelas potências europeias aos povos colonizados.

Se basearmos a tese da geminação de regimes totalitários no uso do terror, o que devemos deduzir da sua utilização massiva sob o regime colonial?

Como podemos ignorar a relação entre uma ideologia que justifica a desumanização das “raças inferiores” e a violência assassina que é a própria essência do colonialismo? Que vemos actualmente em Gaza como os EUA e Israel à manobra. Como no Iraque, Afganistao, Libia, etc, etc, etc. e sobretudo na América Latina.

Ao isentar os poderes democráticos das abominações que cometem, on exclui sub-repticiamente o genocídio colonial da dignidade do conceito de totalitarismo.


Isto é verdade?