quarta-feira, junho 27, 2018

Madrid e a vida


“Madrid me mata” era o nome de uma revista que me lembro de ter comprado nos anos 80, uma idade em que aquilo que nela era anunciado como vida noturna já começava a descolar da “pedalada” minha geração. 

Hoje e ontem, Madrid “matou-me” de calor, mas isso não me impediu, com a ajuda da Uber, de, após o trabalho, conhecer uma excelente livraria, a “Marcial Pons”, dedicado ao direito, economia e não só. E de passar duas boas horas no “Reina Sofia”, um museu onde os “seniores” entram sem pagar (o desconto não deu para os gastos em livros).

A associação - um pouco funesta, reconheço - da palavra morte a Madrid trouxe-me à memória o filme “Mourir à Madrid”, do início dos anos 60. O governo franquista, com rara ingenuidade, havia dado autorização e imensas facilidades a um cineasta francês para fazer um documentário, que achava ia redundar numa operação de propaganda do regime. Enganou-se redondamente: o filme acabou por resultar num forte libelo acusatório contra Franco e o comportamento das suas tropas durante a Guerra Civil, bem como revelador da pobreza de muitos setores da Espanha dos tempos mais recentes, funcionando mesmo como uma magnífica ajuda às forças oposicionistas. Furibundo, o governo de Madrid chegou a ameaçar De Gaulle de congelar as relações económicas, se o filme viesse a ser exibido. Claro que acabou por não ter o menor sucesso.

Tudo isso já passou à história. Hoje, Madrid é apenas vida. E que vida!

Leis da bola

Pergunto-me se as detalhadas transmissões televisivas, com o VAR à mistura, não deveriam levar a uma reconsideração da crescente complacência com que os árbitros julgam os lances de área. 

Se as placagens e “arrastões” feitos pelos defesas aos adversários, nas cenas das marcações dos cantos e dos livres, fossem mais frequentemente punidas com penalti, talvez aquele espetáculo não se repetisse com tanta frequência. 

Mas, para isso, teria de haver um aviso geral prévio, por parte das estruturas de arbitragem da FIFA, seguido de instruções concretas à arbitragem. 

Estejam atentos! O que se está a passar neste domínio no Mundial já raia o absurdo.

terça-feira, junho 26, 2018

“Vizinha” Espanha?



De início, o atraso no voo TAP para Madrid era de 5 minutos! Que perfeição! Chegado ao aeroporto, percebi que as coisas não iam ser bem assim. Quando a porta foi anunciada, já havia mais 25 minutos “à marca” (como na linguagem do bilhar). Era a porta 16. Fui andando para lá. Lia eu a net quando vi no quadro (e recebi um SMS): o embarque tinha passado para a porta 26, bem mais longe. Ainda havia muito tempo. E lá fui eu. Encontrei um amigo que ia na mesma jornada e começámos a conversar. A certa altura, um de nós olhou para o quadro e viu que o embarque passou para a porta 13. Precisamente outra ponta do longo corredor. Lá teria que ser! Andámos um bom bocado e chegámos. Sentámo-nos. Anunciado um novo atraso. Afinal já ia numa hora e dez. Conversámos e, num certo momento, outro SMS: o embarque era de novo na porta 26, repito, no outro extremo do aeroporto. E lá fomos. E lá embarcámos. Tinha saído de casa às 11.30, chegado ao aeroporto de Lisboa às 12.00, partido às 14.45. Cheguei ao meu hotel em Madrid às 18.30. De porta a porta, sete horas*! O voo Lisboa-Madrid demora 50 minutos!

(*Na realidade, seis, porquanto há a diferença horária)

segunda-feira, junho 25, 2018

Irão



Foi também em finais de junho. Há precisamente 18 anos. Eu tinha ido a Teerão chefiar uma missão da União Europeia. O dia havia sido preenchido por uma reunião de “diálogo político” algo tensa. As relações entre a União e o Irão estavam num período difícil.

O embaixador português em Teerão, Costa Arsénio, convidou-nos para jantar num restaurante, num antigo “caravanserai” (estalagem usada no passado para acolher caravanas). Na sala, havia algumas mulheres, todas em trajes locais. Mas, no palco, a tocar e cantar música típica, só havia homens.

Durante o jantar, era visível que a nossa mesa era objeto de alguma curiosidade por parte dos circunstantes. Uma espécie de ilha estrangeira. No final, ao passarmos por um grupo de jovens, um deles tentou matar a curiosidade e perguntou-me, em inglês, de onde vínhamos. Ao ouvir o nome de Portugal, o coro do grupo foi unânime: “Figo!” No Irão, o futebol é muito popular e, à época, aquela era a nossa principal vedeta.

Se fosse logo à noite, gritariam “Ronaldo!” ? Espero bem que tenham razões para isso! 

José Azevedo



Acabo de saber que morreu, aos 84 anos, José Azevedo, consul honorário de Portugal em Manaus. Tive-o ao meu lado quando, em 2005, poucos meses depois de chegar ao Brasil como embaixador, decidi comemorar junto da Comunidade portuguesa no Amazonas o Dia de Portugal. 

Na considerável rede de cônsules honorários de que Portugal dispunha no Brasil, que conheci bastante bem e que reforcei quanto pude, sem nunca me ter arrependido de nenhuma das escolhas feitas, raramente encontrei figuras com o empenhamento de José Azevedo. Dotado de forte personalidade, determinado, com um feitio que, à primeira vista, parecia menos fácil, José Azevedo era um português de corpo inteiro, com forte sentido patriótico. 

Chegado ao Brasil, ido de Portugal com os pais, apenas com um ano de idade, foi um homem que se construiu a si próprio, um empreendedor que juntou imenso sucesso económico a um justo prestígio local. Era proprietário de uma importante rede de distribuição e, desde há muito, exercia cargos de responsabilidade no associativismo empresarial amazonense. 

Pude verificar como era imensamente considerado no seio dos portugueses que servia, bem como das autoridades locais. Recordo-me do orgulho com que me mostrou as instalações do consulado, que pagou do seu próprio bolso, no rés-do-chão do qual tinha organizado uma exposição relembrando a figura de uma personalidade da minha terra, de Vila Real, Emídio Vaz d’Oliveira, também uma destacada figura da comunidade luso-brasileira.

À família de José Azevedo quero deixar expresso o meu pesar pelo seu falecimento.

domingo, junho 24, 2018

Os malabaristas da palavra

Recordo-me de um cromo, do mundo do futebol, que um dia disse que “o que hoje é verdade pode ser mentira amanhã”, ou o seu contrário. Na política, habituei-me a passar a olhar de soslaio, oferecendo-lhes o sorriso irónico da eterna dúvida, os que um dia disseram “nunca mais” e, tempos depois, com ou sem “vaga de fundo” inventada como alibi, regressam pela irresistível porta da ambição. 

Tenho orgulho de fazer parte do grupo de pessoas - que, felizmente, não são tão poucas quanto isso - que, quando comprometem a sua palavra, não voltam atrás com ela. É que vida, para quem quer ser respeitado, só tem uma cara.

Por essa razão, ao assistir, nas últimas horas, ao espetáculo de indignidade perante a palavra dada, revelado por um patusco ex-dirigente desportivo, não me apetece apenas rir. É que, mais do que o riso, este tipo de “flick-flack” convoca um inevitável juízo de piedade, em face de uma evidente indigência moral. A qual, aliás, nada surpreende, diga-se.

sábado, junho 23, 2018

Chamado à Guarda


Na minha infância, nas visitas à casa de aldeia do meu avô materno, em Bornes de Aguiar, ouvia por ali histórias muito divertidas. Ou, talvez, elas fossem apenas sedutoras para a minha ingenuidade de então. Registei algumas na memória, nenhuma no papel. E já não estão comigo as pessoas que me poderiam ajudar a reconstituí-las.

Uma dessas histórias, de cujo protagonista não cuido em lembrar o nome, tinha a ver com uma espécie de gatuno “oficial” da aldeia. De dia, era um fulano como os outros, trabalhador rural, com um rancho de filhos. Mas tinha um lado “Dr. Jeckill and Mr. Hyde”. Era conhecido por golpes noturnos à propriedade alheia, desviando desde fruta a materiais de construção, isso num tempo em que os cuidados de segurança eram mínimos e, quase sempre, desnecessários.

O homem foi várias vezes detido, passou mesmo algum tempo em prolongado confinamento prisional (hoje deu-me para este “understatement”) e, tal como Claude Rains dizia na cena final do “Casablanca”, passou a ser um dos “usual suspects” sempre que alguma coisa desaparecia na aldeia.

Na memória de infância ficou-me para sempre a expressão ouvida, a propósito das aventuras anti-patrimoniais do homem: “Foi chamado à Guarda”. Era ao posto da Guarda Nacional Republicana, nas Pedras Salgadas, ali ao lado, a que ele era convocado, para “averiguações”, como escreveria um estagiário de imprensa.

O fulano já morreu há várias décadas. Agora, perante um incidente daquela natureza, seria pouco eficaz “chamá-lo à Guarda”. É que o posto da GNR nas Pedras Salgadas já só tem um único guarda, imagino que num regime “from-nine-to-five”, o que permite suposições divertidas sobre a sua operacionalidade. Mas, pelo menos, em matéria de “recursos humanos”, passará a ter precisamente uma unidade mais do que a agência local da Caixa Geral de Depósitos, porque essa vai mesmo fechar.

Felizmente que, como se vê, o combate à desertificação do interior vai de vento em pôpa. O que faria se não fosse...

Waldir Pires


Aos 92 anos, morreu agora uma grande figura da política brasileira, Waldir Pires. O brasileiro comum conhece mal este homem político discreto, que teve o seu primeiro cargo no governo em 1950, esteve exilado pela ditadura militar, foi ministro de várias pastas, foi candidato à vice-presidência da República, ocupou vários cargos parlamentares e foi, por duas vezes, governador da Bahia.

Conheci-o em Brasília, quando fazia parte do governo de Lula. Waldir era um homem encantador, com um sorriso bom e uma permanente “boa onda”. Falámos algumas vezes, numa das quais me contou a sua aventurosa fuga para o Uruguai, com pormenores deliciosos. O seu último cargo foi como ministro da Defesa e tenho bem presente uma coisa que me disse - e em que tinha toda a razão: “depois da minha luta contra o regime militar, o facto de hoje ser aceite por eles como ministro, sem o menor problema, é a prova da democraticidade das suas chefias”. Só posso desejar que Waldir Pires se não tenha enganado.

No Brasil, por razões que não interessa agora explicar, toda a estrutura da aeronáutica civil mantém-se sob o controlo dos militares, pelo que o ministro da Defesa superintende no setor. 

Um dia, o caos instalou-se no serviço de transportes aéreos do Brasil. Creio que foi uma greve dos controladores que desencadeou uma crise que praticamente paralisou o país por uns dias. No Brasil, com aquela dimensão, viajar de avião é a regra, dado que as distâncias terrestres são imensas e, além disso, em grande parte do território, as estradas, quando as há, estão longe de ser recomendáveis. Essa crise nos transportes ficou conhecida como o "apagão" aéreo (a palavra "apagão" nasceu numa crise energética que deixou sem eletricidade o país, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e, a partir daí, o brasileiro passou a utilizar o termo para designar tudo o que "está parado").

O ministro foi então pessoalmente acusado de inoperância na resolução rápida da crise e, meses depois, na sequência de um desastre aéreo, foi obrigado a demitir-se. Estive na sua despedida e na serena substituição no Ministério da Defesa por Nelson Jobim, outro bom amigo com quem, ainda há dias, almocei por aí.

No Brasil, há uma magnífica revista chamada “Piauí”, que faz um excelente jornalismo. Grande no formato, com papel "pesado", grafismo atraente mas sóbrio, tem artigos longos mas muito substanciais, embora num estilo solto que leva a que a qualifiquem como "uma revista sem gravata". Ora a "Piauí", no número editado imediatamente após o "apagão aéreo" inseriu um histórico e irónico editorial com o título "Obrigado, Waldir!" 

Porquê? O texto ligava a caótica gestão que o ministro teria feito da situação, obrigando as pessoas a esperar, às vezes por dias, nas salas de espera e no chão dos aeroportos, à exponencial subida no número de exemplares da "Piauí" vendidos. E explicava (si non è vero, è ben trovato): a "Piauí" é uma revista com longos artigos, que precisam de muito tempo para serem lidos. Ora, segundo o divertido texto, fora precisamente o facto das pessoas "terem mais tempo", isto é, estarem bloqueadas e sem nada para fazer nos aeroportos a razão do sucesso editorial desse mês. E, por essa razão, agradecia ao ministro do "apagão aéreo" a involuntária contribuição dada para o seu sucesso...

Tendo conhecido o humor de Waldir Pires, tenho a certeza de que se riu desta graça, como se ria de muitas outras coisas divertidas da vida, que foi merecidamente longa e bem cheia. 

Oportunismo

Sou do tempo em que se acusava Tiago Brandão Rodrigues de ser um títere, à frente do Ministério da Educação. Para esses críticos, Mário Nogueira era o verdadeiro ministro. Por essa razão, todas as decisões de Brandão Rodrigues eram más e perniciosas para o país.

Nos dias de hoje, Brandão Rodrigues resiste às pressões sindicais e está em conflito aberto com Mário Nogueira. Este passou agora a ser olhado com outros (oportunistas) olhos. Porquê? Ora essa! Porque o que é preciso e continuar a dizer mal de Tiago Brandão Rodrigues, isto é, do governo.

sexta-feira, junho 22, 2018

Sorrisos a mais


No início de 2000, o líder conservador austríaco, vencedor das eleições no seu país, decidiu fazer uma coligação com um partido de extrema-direita, cujos responsáveis haviam dado mostra pública de simpatias pelo nazismo. A Europa comunitária reagiu, em polvorosa, e Portugal, enquanto presidência da União Europeia, teve de gerir aquele que foi um período muito delicado da vida europeia. A Áustria foi alvo de “sanções” e o assunto acabou por vir a originar a inserção de disposições no novo tratado europeu então em curso de negociação, contemplando a possibilidade de um Estado poder vir a ser suspenso de membro, em determinadas condições. Noto, para se perceber o que mais adiante refiro, que aí se fala de “um” Estado, pressupondo-se que os restantes se mantêm no completo respeito pelo acervo legislativo relevante.

Lembro-me bem de que, à época, alguns se interrogaram: mas então os cidadãos de um país não podem eleger para os governar quem muito bem entendam, independentemente da sua ideologia? Sim e não. Sim, porque cada país é plenamente livre de escolher os seus deputados e, a partir deles, formar governos. Não, porque, ao entrarem para a União Europeia, subscrevendo os seus tratados, os Estados que dela são membros comprometem-se a observar um conjunto de princípios e valores. E, da mesma maneira que isso inclui o respeito pela democracia, pelas liberdades, pelo Estado de direito e pela separação de poderes, o traumatismo da II Guerra mundial faz com que haja uma particular sensibilidade negativa a tudo quanto se aparente ao nazi-fascismo.

Ora, nos últimos anos, alguns Estados europeus têm vindo a atuar de um modo que, claramente, justificaria a invocação e aplicação das tais regras que os tratados contemplam. O procedimento é, como se compreende, complexo. O que se compreende menos é que esses Estados, não obstante os alarmes desencadeados, persistam nas mesmas políticas. E aqui, retomo a referência a “um” Estado, que atrás fiz: é que, para punir um desses Estados infratores é necessária a unanimidade dos restantes e, entre esses, estão já... outros infratores. A Europa atou as suas próprias mãos.

Como sair disto? Pelo mesmo modo político como, em 2000, se fez com a Áustria. Perante um governo italiano que anuncia um recenseamento étnico e, de forma ostensiva, desrespeita regras de direito humanitário básico, torna-se vergonhoso que os Estados europeus cumpridores se sentem à mesma mesa, sem protesto público, mantendo os sorrisos nas “fotos de família”. 

Lipp, Sorman e o sexo da Brasserie



Deve haver largas dezenas de “brasseries” em Paris. Mas sou suspeito: sou fã, há décadas, da “Brasserie Lipp”, no Boulevard Saint-Germain, em frente ao “Café de Flore“ e ao “Les Deux Magots” - e, vá lá, à livraria “L’Écume des Pages”, onde, ao final da tarde de ontem, como sempre acontece quando por aqui passo, o meu cartão de crédito leva um considerável rombo. Com a “La Coupole” e a “Bofinger”, a “Brasserie Lipp” faz parte das mais conhecidas, embora haja outras tanto ou mais antigas, de que um bom exemplo é a “Polidor”, que anuncia não aceitar cartões de crédito desde 1849...

Com muito mais de um século de existência, a “Brasserie Lipp” tem um menu que prima pela teimosa estabilidade. A mim, leva-me a ser conservador: quase sempre peço o mesmo, por ali. E já tenho suficientes “diuturnidades” para conseguir alguma estabilidade “geográfica” no espaço, ainda antes dos tempos do grande “chefe de sala” que foi o Jean-Louis. Guardo mesmo uma fotografia com ele, na sua última noite, à porta do restaurante, creio que em 2012.

Ontem, o seu excelente substituto, o simpático Christian, disse-me que, para me colocar na zona mais simpática da sala, teria de ficar numa mesa um pouco “serrée”. Na realidade, as mesas no restaurante são todas justapostas, todas “serrées”. E as conversas misturam-se quase sempre. Já por ali esqueci a comida, uma noite, com a Kate Moss ao meu lado... (Com quem não troquei uma palavra, porque não me ligou “peva”).

Ontem, de um dos lados, dois cavalheiros falavam de negócios. No fim, um deles, mais velho, entrou em pânico por ter falhado duas vezes o código do cartão. Podia ser o Alzheimer ou o Bordeaux, seguido do Calvados, que vi que tinha emborcado. Mas tudo acabou em bem.

Do outro lado, um casal um pouco mais velho que nós meteu conversa. A senhora, num determinado momento, disse-me: “Conhece, com certeza, o meu marido. É Guy Sorman”.

O marido estava ao meu lado. Olhei para ele, mas a cara não me dizia nada. O nome, sim. Mas estava a demorar algum tempo para a memória emergir. Demasiado para o meu embaraço. Não usei o truque: “O seu nome diz-me algo, mas está a escapar-me”. A frase da senhora não me tinha dado o menor espaço para tal: eu “tinha” de conhecer Guy Sorman. Como a minha origem portuguesa já estava estabelecida na conversa, ele não se fez rogado: “Estou traduzido no seu país”. Mas a minha memória continuava a “plissar”, como as embraiagens antigas.

A certa altura, o alemão da memória desistiu e, triunfante, eu disse: “Li um livro seu, em espanhol, que comprei em Buenos Aires”. A minha mulher olhou para mim com um ar de incredulidade (pergunto mesmo se de receio que eu estivesse a ousar meter uma “galga”). E acrescentei: “Não consigo precisar o título, mas creio que era sobre a Argentina. Mas posso estar enganado...”

Não estava. Acertara. A Argentina era uma paixão de Sorman. (Tínhamos acabado se saber que levara uma “abada” de 3-0 da Croácia, para gáudio da maioria dos empregados). O livro era o “Diario de un optimista” (mas eu, no momento, confesso que não me lembrei). Vim a recordar-me de ter lido também, embora sem a ter terminado, uma outra obra de Sorman, que não ppsso precisar. Mas de uma coisa tinha absoluta certeza: não gostava das suas ideias, por razões que não suscitei, claro, e que se prendem com as suas opções doutrinárias. Mas o casal até me pareceu muito simpático! E assim nos despedimos, num mar de sorrisos.

E o “sexo” que deixei no título? É simples. Quando falo da Brasserie Lipp digo sempre “a” Lipp. Um dia, um amigo que, não sendo francês, conhece Paris melhor que os “clochards”, corrigiu-me: “Deves dizer ‘o’ Lipp e não ‘a’ Lipp”. Ora essa! Porquê? “Porque esse era o nome do proprietário e passou a ser regra comum referir assim a casa”. Não aceitei a retificação e sempre feminizo a Lipp. E nunca me arrependi.

quinta-feira, junho 21, 2018

Nacionalismo saloio


Durante a ditadura, João Abel Manta foi levado a tribunal por ter feito um desenho tido como desrespeitoso para com a bandeira nacional. A palermice patrioteira morreu no ridículo da acusação. 

Agora, o surgimento da nossa bandeira com o colorido da diversidade sexual provocou um novo sobressalto conservador, em que me parece evidente um toque de inescapável homofobia.

Em ambos os casos, trata-se de passar mensagens concretas: num caso, denunciar o aproveitamento nacionalista das cantorias, noutro a necessidade do país estar aberto a aceitar a liberdade da opção sexual de cada um.

Ridicularizar a bandeira é uma coisa, não ter cerimónia com ela, sem deixar de a respeitar, é outra. Não perceber a diferença entre as duas coisas é algo que dá pena.


segunda-feira, junho 18, 2018

José Monteiro Baptista


O veludo puído do sofá em que eu estava sentado, naquela sala da Sociedade de Geografia, amorteceu há pouco o choque da minha surpresa: 84 anos! Era a idade do Zé Monteiro Baptista, que ali ia apresentar o seu livro de memórias. Olhando para ele, fora alguma nostalgia que neste fim de tarde lhe atravessava o olhar, ninguém diria.

Conheci o Zé Monteiro Baptista, há meio século, no ISCSPU. Separavam-nos quase década e meia de idade. Na política, quase tudo. À época, isso era decisivo para muita gente. Mas não para nós, que estabelecemos, desde o primeiro momento, uma bela relação de amizade, que sempre ficou muito para além desse inevitável contraste de ideias. Continuando sempre a discutir por elas, até hoje, claro.

Por um acaso, anos mais tarde, o Monteiro Baptista e eu coincidimos no concurso para a carreira diplomática. Entrámos com alguns meses de diferença e lembro-me bem dele, impaciente, a “fazer horas”, durante algumas semanas, de visita a um outro colega, o João Amador, no sala que eu e ele ocupávamos, no Gabinete Coordenador para a Cooperação, uma estrutura da então Comissão Nacional de Descolonização, onde estávamos destacados. Ele e o João, ambos já com mais de quarenta anos, com uma comum experiência no quadro administrativo de África, eram os colegas mais velhos dessa geração diplomática. Essa circunstância não deixaria de vir a ter consequências negativas nas respetivas carreiras e o Zé Monteiro Baptista fixa, neste seu livro de memórias, algumas notas de amargura sobre essas e outras questões que, para além das muitas alegrias ali também bem registadas, marcaram o seu percurso no MNE. 

Hoje, no lançamento do “Memórias d’Aqui e d’Além”, estivemos alguns dos seus colegas e companheiros de vida, testemunhas do percurso do Zé Monteiro Baptista “ao Serviço dos Portugueses”, como ele bem subtitula o seu livro. Um amigo com uma grande dignidade, com uma dedicação insuperável ao interesse público e um homem de bem que todos respeitamos. E que eu continuo a não acreditar que tem 84 anos...

Cercle Voltaire



Há cinco anos, quando regressei definitivamente a Portugal, tive com algumas pessoas a ideia de ressuscitar o desativado Cercle Voltaire, uma associação de “amigos” da língua francesa em Portugal, de que havia sido grande impulsionador o advogado António Maria Pereira, que morreu em 2009. 

Fizeram-se contactos, definiu-se mesmo um programa provisório de trabalho, mas a ideia esmoreceu, com a intensidade da vida de alguns dos promotores (incluindo eu próprio) a impor-se à boa vontade inicial.

Hoje, meia década passada, com as ruas de Lisboa a “parlar” francês pelas esquinas, com bairros comprados por habitantes do hexágono fugidos aos impostos anti-ricos do camarada Hollande, eu próprio com o Cantona a viver ali no cimo da rua, para que iria servir o Cercle Voltaire? E daí! Talvez agora para evitar que, um destes dias, não ouçamos gente pela rua a trautear o “Lisboa, não sejas francesa...”

Amanhã tenho que ir a Paris. Talvez esteja na hora de ser criado por lá o Círculo Camões, onde os lusófilos locais se pudessem reunir a celebrar “este país que tão generosamente os acolhe no seu seio”, para citar o Kotter dos “Bilhetes de Colares”. O qual, por acaso, seria ou gostaria de ter sido inglês.

domingo, junho 17, 2018

Pontualidade ou a falta dela


Almocei com ele hoje. E lembrámos a história. Que já tem muitos anos. Tinha conhecido aquela miúda através de um primo. O namoro estava nos “preliminares”. Mas prometia. Um dia, combinou ir buscá-la a casa. Chegou cedo, ela ainda não estava “produzida” para a noite. Ficou pela sala. Ela tinha várias irmãs. Uma delas surgiu por ali. Comunicativa, divertida. A conversa fez-se fácil. Por fim, lá chegou a outra. Saíram os dois. A noite foi agradável mas... não deu! Passaram alguns dias. E surgiu o contacto com a tal irmã que aparecera na sala. Saíram, namoraram, depois casaram. Tiveram filhos, hoje têm netos. Verdade seja que, entretanto, se separaram. Mas são amigos e, para sempre, ficou esta história. É no que pode dar a falta de pontualidade!

“Diplomacia económica”

A chamada “diplomacia económica” praticada por Portugal costumava assentar em três objetivos essenciais: captar investimento estrangeiro, captar turistas e promover exportações. Com maior ou menor empenhamento, o país fez isso pelo mundo durante décadas.

Fica agora a ideia que que essa vertente da nossa diplomacia acabou por ser ”demasiado” bem sucedida.

É que passamos os dias a assistir a queixas pelo facto dos estrangeiros comprarem empresas nacionais, importantes setores do parque imobiliário lisboeta ou terrenos junto ao Alqueva. Ora as regras na base das quais esses investimentos são feitos são essencialmente europeias e, tal como as nacionais, foram aprovadas por sucessivos e diferentes governos portugueses, que recordo terem sido eleitos pelas mesmas pessoas que agora protestam (não vejo os mais jovens muito queixosos).

Do mesmo modo, e a toda a hora, ouvimos lamentos pelo excesso de presença de turistas, como se pudesse haver limites à circulação de pessoas nas sociedades livre contemporâneas. Os protestos iludem o impulso dado pelo turismo às indústrias da hotelaria e da restauração, com significativa quebra das taxas de desemprego. Há impactos no sossego de alguns? É verdade, como acontece em Paris, em Roma ou em Atenas. Mas então andámos a ”vender” o nosso sol e praia, as pousadas e o turismo de habitação, o Douro e a beleza dos Açores para quê? Queremos sol na eira e chuva no nabal?

Parece que já só falta ver gente a protestar pela delapidação do património gastro-cultural que pode representar a venda ao exterior do nosso queijo da serra ou dos nossos salpicões.

1936 - O ano da morte de Ricardo Reis


Acabo de sair de um excelente espetáculo na “Barraca”. Posso dar um conselho? (E convirão que é muito raro fazê-lo.) Não percam o “1936 - O ano da morte de Ricardo Reis”.

Tudologia

Hoje, lembrei-me de um amigo, frequentemente convidado para falar em público de "tudo e mais um par de botas", que um dia me disse...