segunda-feira, fevereiro 01, 2016

Compreensão

Percebo muito bem que a antiga maioria esteja escandalizada pelo facto do governo estar a tentar negociar com Bruxelas.

Para quem nunca o tentou...

O Brasil na "Janus"


O "Janus - Anuário de Relações Exteriores", editado pelo Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, publicou em Novembro passado o seu nº 17,  relativo a 2015/2016, dedicado especialmente à "Integração Regional e Multilateralismo", mas cobrindo uma ampla gama de outras temáticas internacionais.

Recomendo vivamente esta publicação que, desde há quase duas décadas acolhe uma valiosíssima informação sobre questões internacionais e a política externa portuguesa. Os conteúdo podem ser consultados em janusonline.pt, um verdadeiro serviço público feito pela UAL.

A exemplo do que aconteceu em diversos números anteriores da "Janus", também nesta edição publico um artigo, desta vez dedicado ao Brasil. O texto (escrito em maio de 2015, pelo que não comporta desenvolvimentos mais recentes) pode ser consultado aqui.

domingo, janeiro 31, 2016

Nós e Bruxelas

Cada vez mais tenho a sensação de que parte da rigidez que Bruxelas está a indiciar, quando à trajetória proposta para o défice estrutural português, a projetar do OGE2016, se deve muito à indecisão sobre a situação política que se vive em Espanha. 

As instâncias comunitárias podem estar a temer que uma qualquer flexibilidade indiciada no caso português possa, na hipótese de um governo de esquerda se implantar em Madrid, vir a "adubar" um orçamento espanhol "ambicioso" para 2017. E com Renzi, na Itália, a começar a "levantar a garimpa", vislumbram uma onda do Sul, que sabemos que sempre desvaria a ortodoxia tradicional do Norte. Acresce que Espanha e Itália representariam sempre incumensuravelmente mais do que o caso português.

Vale a pena lembrar que o conceito de "défice estrutural" foi colocado como critério, no discurso condicionante europeu, pelo Tratado Orçamental, um acordo imposto à pressa à Europa num tempo de desregulação dos mercados, e cujas regras vieram a cumular-se às do Pacto de Estabilidade e Crescimento que fora, à partida, o referencial único para a presença dos Estados na zona euro. É verdade que o TO foi aceite por todos e por todos deve ser respeitado até que, eventualmente, venha a ser revisto. Esse respeito não exclui, como já não excluiu para imensos paìses a aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento, a possibilidade de derrogações pontuais das regras, atendendo a situações específicas detetadas. Por isso é que há sempre lugar a um diálogo com a Comissão Europeia. Estranha-se, contudo, que se tenham atenuado na Europa as vozes no sentido de lançar o debate sobre a revisão do TO, tanto mais que estão hoje mais claros do que nunca alguns efeitos assimétricos nefastos da sua aplicação.

Não conhecendo, naturalmente, pormenores das negociações entre Lisboa e Bruxelas, devo dizer que me sinto muito confortável com a serenidade que o governo tem vindo a demonstrar no tratamento público da questão.

Só lamento - mas confesso que não fico surpreendido - que a oposição de direita esteja a procurar limitar internamente, sabendo que isso tem impactos externos inevitáveis (nomeadamente no alarme nas agências de notação), a margem negocial de manobra europeia do executivo, esquecendo que qualquer flexibilidade que agora fosse possível obter representaria um aliviar dos sacrifícios que o povo português suporta. Ou será que teme que venha a provar-se que era possível fazer melhor do que o "lindo serviço" que fizeram?

Uma noite na Sedes

Creio que terá sido nos primeiros meses de 1973. Nos arquivos da Sedes - esse clube de reflexão político-económica, de matriz liberal (no bom sentido), que o marcelismo (o outro) deixara criar e que ainda subsiste - deve ser possível descobrir o dia exato (como fui "para a tropa" em fins de março, deve ter sido até essa data). É lá que este episódio se passa.

Naquela noite, as instalações antigas da Sedes, na rua Viriato, estavam "à cunha". Estávamos lá para ouvir Francisco de Sá Carneiro, que, pouco antes, se havia demitido da sua condição de deputado à Assembleia Nacional, por insanáveis divergências com Marcelo Caetano. Eu nunca tinha ido à Sedes, aliás nunca fui dela associado e só por lá passei escassas vezes. Mas a perspetiva de uma palestra heterodoxa do líder da excluída "ala liberal" foi suficiente para se sobrepor à (pateta) sobranceria esquerdista com que então eu olhava as "contradições não antagónicas" que existiam no seio do regime. 

Por coincidência, cruzara-me à entrada com Sá Carneiro, que me lembro de trazer uma gabardine preta e que, pela autoridade e pela "gravitas" que projetava, dava ares de ser mais alto do que a sua pequena figura realmente era. Salvo uma tarde de 1970, em que o vislumbrei da tribuna dos visitantes, no plenário da Assembleia, creio ter sido esta a única vez que vi o fundador do PPD.

Já não recordo o tema da sessão, mas imagino que fosse do tipo "A situação política" ou outra daquelas fórmulas muito genéricas que eram sempre um pretexto para se falar de tudo. E se eu, que nem sócio era, pudera entrar (terei ido com alguém?), imagino que os ouvidos da polícia política estariam por ali também.

Não me lembro rigorosamente nada do que Sá Carneiro terá dito. Mas recordo que houve dois jovens que lhe colocaram perguntas, um pouco longas para o gosto da impaciente assistência, que se percebia que não estava ali para ouvi-los, mas apenas ansiosa pelas respostas do orador.

O primeiro foi-me identificado. Nunca o tinha visto, mas ouvira falar dele, pela primeira vez, já não sei a propósito de quê, anos antes, numa reunião da "Livrelco", a cooperativa livreira universitária, ali para os lados de Entrecampos, de cujos corpos gerentes fiz parte. Referiram-mo como "um tipo fino como um alho", um bocado "facho" (simplificação esquerdalha para tudo quanto não fosse, no mínimo, socialista. E mesmo assim...), uma das cabeças com futuro na direita.

O outro interveniente era-me completamente desconhecido. Foi quem falou mais. Exprimia-se muito bem, de forma articulada, num tom político que, sendo visivelmente distante dos terrenos em que eu me movia, indiciava fortes distâncias face ao regime. Recordo-me de ter inquirido o nome. Um conhecido que tinha por perto, esclareceu-me, em voz baixa: "É um católico do Técnico. Dizem que é muito esperto. Chama-se António Guterres". (Tenho sempre a dúvida sobre se, antes do "dizem" não houve um "mas"). Ah! O outro perguntador chamava-se, e chama-se, Marcelo Rebelo de Sousa.

Não deixa de ter graça que um seja hoje candidato a secretário-geral da ONU e o outro o futuro chefe do Estado.

sábado, janeiro 30, 2016

O sorriso perdido de Centeno


Há cerca de dois anos, uma organização de alunos da Universidade Nova de Lisboa convidou-me para um debate sobre os novos desafios da Europa. Teria como parceiro de mesa Mário Centeno. O nome dizia-me alguma coisa, mas pouco. Fiz uma pequena pesquisa e ela fez-me lembrar que ouvira Mário Centeno na conferência anual da Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde se pronunciara sobre Economia do trabalho. Ficara então muito bem impressionado com a apresentação feita, muito estruturada e com perspetivas que não conhecia.

O nosso debate na Nova correu muito bem. Voltámos, depois disso, a cruzar-nos algumas vezes, em reuniões, e, com naturalidade, vi-o surgir à frente da pasta das Finanças no governo de António Costa, de quem havia sido o "guru" na área económico-financeira. Todos nos recordaremos que havia então em Centeno uma jovialidade que se espelhava num sorriso franco, quase adolescente, que se manteve em muitas aparições públicas, em que foi sendo conhecido pelos portugueses. 

Esse sorriso tem esmorecido nos últimos tempos. Julgo que nenhum de nós, de fora, poderá sequer imaginar o que deve ser o peso de um lugar como aquele que Mário Centeno ocupa, sujeito às pressões de uma conjuntura internacional que não controla, à necessidade de dar resposta positiva aos compromissos internos que tornam viável a existência do executivo de que faz parte e, no topo de tudo isso, tendo que lidar com as "bombas ao retardador" deixadas pelo anterior governo, como foi o caso do Banif e se constata agora ter sido a linguagem dupla (para as instituições europeias e para a opinião pública interna) usada por Passos Coelho e pela sua equipa para qualificar determinados cortes feitos no quadriénio que cessou.

Gostava de voltar a ver Mário Centeno sorrir. Será sinal de que poderemos fazer o mesmo.

Delas..


Parabéns à "chefe" das minhas "Evasões", Catarina Carvalho, pelo seu delas.pt, um site dirigido às mulheres. Vou espiolhar...

sexta-feira, janeiro 29, 2016

Mesas


Na "Evasões" - á revista que às 6ªs é distribuída gratuitamente com o "Diário de Notícias" e o "Jornal de Notícias" - publico hoje mais uma despretensiosa croniqueta sobre um restaurante do país.

Desta vez foi o restaurante "Carvalho", em Chaves.

Pode ter o texto aqui, mas tem muito mais graça lê-lo na revista, que nos traz muitas outras dicas.

Sinais do tempo


Quando via como o Eusébio se arrastava pela relva artificial do Cosmos, para a coleta dos últimos dólares, quando a Amália se esganiçava com a idade e já nem dizia palavras, em espetáculos tristes que aplaudíamos por reverência, quando o Salvador fazia umas pontas deprimentes nas suas últimas passagens pelo Parque Mayer, e nós gargalhávamos por obrigação, sentia-me sempre um pouco mal. O presente não tem o direito de enterrar o passado, em especial quando este foi bonito.

Ontem, ofereceram-me o CD que reproduz um espetáculo de Sérgio Godinho e Jorge Palma. Com Fausto, ambos fazem parte da "troika" musical que me acompanha intimamente nas últimas décadas. Não me falha um CD de nenhum deles, garanto! Qual José Afonso, qual José Mário Branco, qual Adriano, qual quê! A mim, esse trio - e, por cá, só ele - faz parte da memória afetiva que trago permanentemente comigo. Por isso, "saí" muito mal deste CD. Caramba, os anos passaram! Mas não lhes digam! 

Ai Jerónimo!


O PCP, coitado, foi cilindrado nas eleições presidenciais. O candidato, Edgar Silva, foi, aliás, o menos culpado do descalabro, com uma campanha tão viva quanto o permite a mensagem que o partido transmite. Os comunistas não perceberam a tempo que muito do seu eleitorado cedo se transferiu, pela lógica do voto útil, para Sampaio da Nóvoa. Uma desistência em favor deste, a dois ou três dias do sufrágio, teria poupado esta humilhação.

Numa lógica que reproduz o partido brasileiro PMDB, que tem sempre uma parte na "base governista" e um setor na oposição, os comunistas procuram agora compensar o desaire saindo para "a rua" - essa "urna de voto" em que sempre se sentiram mais à vontade. E embora o governo socialista tivesse anunciado que, a seu tempo, retomaria as 35 horas que o anterior governo retirou à Função Pública, a CGTP de serviço saiu já à rua, não vá o diabo tecê-las. Sobre "a esquerda da esquerda", António Costa deve ter aprendido mais em escassas semanas do que em 40 anos da vida política que já leva.

No desvario do nervosismo da noite eleitoral - que me recorde, foi a única vez, desde o 25 de abril, que o PCP (ou os seus heterónimos frentistas) não teve uma "vitória", que é difícil mas é sempre deles! -, a Jerónimo de Sousa, homem sensato e cordato que costuma ser, saiu uma frase muito infeliz, ao dizer que o partido poderia ter optado por "uma candidata assim mais engraçadinha"

Foi o que se pode qualificar como uma graça "machista-leninista"...

Solmar


Soube há pouco que fechou a "Solmar"*.

O espaço fez parte de uma certa Lisboa, em especial noturna, nos anos 60. Porém, nunca fez parte da minha Lisboa. Sempre achei aquilo demasiado frio e incaraterístico, para o meu gosto. E, nos últimos anos, nas escassas vezes que por lá passei, à saída do Coliseu ou do Politeama, ficou-me uma imagem de algum descaso, com um serviço descuidado e distante, típico dos restaurantes com uma "morte anunciada". Há outros por aí...

Paz ao seu marisco!

ps - afinal parece que não!

Segurança europeia

Na passada terça-feira, no Instituto de Defesa Nacional, fui um dos oradores num debate sobre a "Estratégia global da União Europeia para a Política Externa e de Segurança". 

Há pouco, ao consultar alguns apontamentos em que assentei as minhas intervenções, dei-me conta de que terei porventura sido mais frontal do que habitualmente, nos comentários que então fiz. Neles coloquei em causa (e vi que alguns dos presentes poderão ter ficado chocados com isso, mas talvez a simplificação a que a língua inglesa nos conduz tenha tambëm alguma culpa nisso) a utilidade de um exercício que, a meu ver, não incorpora as "lições aprendidas" ao longo da mais de uma década passada desde um texto idêntico, datado de 2003. 

Fico com a sensação - e disse-o abertamente - que o mero compilar de interesses estratégicos, princípios, prioridades e implicações, em que supostamente todos estamos de acordo, pode ser "agradável à vista" mas esquece deliberadamente coisas muito importantes. Também não basta listar ameaças: é preciso hierarquizá-las e, nessa medida, priorizar os meios para lhes fazer face, com as implicações financeiras correspondentes. 

Desde logo, convém ter claro, e assumi-lo, o facto de não estarmos hoje todos no mesmo barco - desde a divisão Norte-Sul que o caso grego sublinhou, à divisão Oeste-Leste evidenciada pela crise dos refugiados e, noutra dimensão, nas perceções face ao caso ucraniano, passando pelos crescentes problemas internos que afetam a compatibilidade do comportamento de alguns Estados membros com a necessidade de observância com alguns princípios democráticos, de separação de poderes, de liberdade dos media, de respeito pelos refugiados, etc. Tudo isto afeta a nossa unidade, do mesmo modo que, em especial no último caso, atinge a autoridade da Europa como "produtor de segurança", reduzindo a sua legitimidade como "soft power" perante terceiros. 

Acho, além disso, muito cínico que não debatamos e iludamos (por inevitáveis? para não incomodar alguns?) questões como o modo bizarro como a UE trabalha nas Nações Unidas, com a França e o Reino Unido a furtarem-se à coordenação prévia com outros Estados membros no Conselho de Segurança. E reparo agora que não me lembrei de referir essa anomalia, hoje já interiorizada como normal, da Alemanha (e, às vezes, da França) se arrogar representar "de facto" a UE em contactos externos, como é o caso com a Rússia/Ucrânia ou a Turquia - com a senhora Mogherini, "dona" deste papel, a "vê-los passar". E não seria tempo de se fazer um balanço ao trabalho e resultados do Servićo Europeu de Ação Externa, bem como do "saldo" da sua articulação com a diplomacia bilateral dos Estados membros da UE?

Outro ponto que então destaquei, teve a ver com o quadro global das relações externas. O nosso "olhar" é tão eurocêntrico que parece que não cuida em destacar as mudanças sensíveis que se processam noutros espaços, desde a potencial influência, na relação transatlântica na própria configuração futura da NATO, da nova política dos EUA para a Ásia, os novos equilíbrios subregionais em África, as mutações ocorridas no mundo dos "emergentes" e as crises de representação institucional à escala global (instituições de Bretton Woods, G8 e G20, etc).

O que mais me chocou no texto apresentado foi o facto de, perante o "terramoto" em matéria migratória e de terrorismo por que a Europa está a passar, pela "casa em chamas" em que vivemos e que pode pôr em causa a sobrevivência do projeto europeu, agravado pelo afastamento britânico e pelas ameaças separatistas em alguns Estados, o texto burocrático preparado por Bruxelas transmita a sensação de que navegamos em feliz "velocidade de cruzeiro", num ambiente "business as usual", como se nada de grave se passasse. Fiz notar que esta aproximação é, em termos de "diplomacia pública", quase escandalosa e ofensiva para sociedades que vivem "stressadas" por crescentes angústias e dúvidas e que, seguramente, se sentirão chocadas por uma linha como a que é seguida pelas instituições de Bruxelas na preparação deste texto.

Os vidros do palácio


Pode parecer, mas estão longe de ser transparentes os vidros daquele “palácio”, na primeira avenida de Nova Iorque, onde se alojam as Nações Unidas. Aliás, “transparência” é uma palavra que não liga muito bem com aquela que é a mais opaca instituição de toda a constelação das organizações multilaterais. 

A complexidade do processo decisório e o rendilhado do seu rebuscado tecido de compromissos marcam a natureza de uma organização onde sobrevivem sólidos tabus, onde regras não escritas emergem de inesperadas solidariedades entre poderes que se combatem. Poderes que, conjunturalmente, se aliam em sentido construtivo mas que, infelizmente, as mais das vezes, condenam a ONU à inércia.

Que modelo de secretário-geral servirá melhor os equilíbrios do mundo em que hoje vivemos? Terá António Guterres o perfil para os tempos que aí vêm?

Olhando para os vários nomes que se sugerem, e sem o menor viés patrioteiro, quero dizer que o anterior Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados é, a grande distância, a personalidade mais bem preparada para o cargo. Alia cultura e visão políticas, experiência executiva no terreno e uma testada capacidade interlocução operativa. “Defeitos”? Não é mulher e esse fator hoje pode contar. Não é da Europa central ou de Leste e, no plano dos princípios, seria interessante que essa região finalmente pudesse indicar alguém para o lugar.

Mas as Nações Unidas, infelizmente, não vão escolher alguém exclusivamente pelo seu perfil curricular. Isso irá contar, com certeza, mas o passado ensina-nos que a seleção do nome passa por outros crivos, perfeitamente naturais numa estrutura de gestão coletiva de decisões.

A minha convicção mais profunda na matéria é simples. O próximo secretário-geral será alguém que a Rússia veja como não lhe podendo vir a causar a menor das surpresas, nomeadamente como possível factotum dos poderes ocidentais, nos próximos cinco anos, durante os quais procurará reganhar, sem cedências estratégicas de maior, a “respeitabilidade” entre as nações. Simultaneamente, terá também de ser alguém em quem Washington possa confiar como respeitador dos princípios essenciais da Carta, eventualmente tolerando algum voluntarismo, mas sempre muito realista e não demasiado ambicioso, alguém dotado de uma evidente capacidade para gerar consensos, ainda que diplomaticamente equívocos, desde que salvaguardem os equilíbrios de poder que os EUA têm por essenciais. Será secretário-geral quem conseguir esta “quadratura do círculo”. Os restantes 191 países, China incluída, acomodar-se-ão a esta equação bipolar, podem crer.

quinta-feira, janeiro 28, 2016

Por detrás do nevoeiro


É conhecida a graça jornalística britânica segundo a qual era o continente, nunca a Grã-Bretanha, que ficava “isolado” quando o nevoeiro se levantava na Mancha. O cultivo deliberado de uma identidade própria, bem como a capacidade para sustentar um frequente isolamento, foi algo que o Reino Unido sempre se habituou a fazer ao longo da sua presença nas instituições europeias. Por muito que as atitudes britânicas às vezes nos choquem, não podemos deixar de reconhecer que, a grande distância, o Reino Unido foi o país que melhor conseguiu que a sua ideossincrasia fosse respeitada e afirmada na Europa, ao longo das últimas décadas.

Por muitos anos, foi o laço transatlântico que deu o tom à especificidade britânica no quadro da integração continental. Sem chegarmos à teoria conspirativa francesa segundo a qual o Reino Unido funcionava como uma espécie de uma “quinta coluna” americana, é uma evidência que os britânicos usavam a special relationship para alimentar essa atitude distanciada. E, há que dizê-lo, fizeram-no muitas vezes com sucesso e viriam a encontrar, nesse tabuleiro de entendimento privilegiado com o “amigo americano”, uma espécie de elemento compensatório para as crises europeias.

Em muitos anos de convívio próximo com a excelente diplomacia do “Foreign Office”, nunca vislumbrei o menor embaraço da sua parte em sustentarem algumas posições “impossíveis”, às vezes com algum cinismo, outras vezes recorrendo a uma realpolitik quase obscena – como aconteceu no caso de Timor-Leste. Certos ou errados, com governos de várias colorações, os britânicos mantiveram-se sempre muito determinados na defesa da sua agenda nacional. Esta passava, sinteticamente, por três pilares: defesa dos direitos adquiridos em várias dimensões da vida institucional europeia, preservação de autonomia estratégica no plano externo, assente na preeminência do vetor transatlântico e da defesa da sua posição na ONU, e, last but not least, conservação dos privilégios da praça londrina, associada à permanente defesa de uma postura liberal no comércio internacional.

Os tempos mudaram para todos, e também para o Reino Unido. A relação transatlântica passa hoje por uma época menos “entusiasmada”, a capacidade britânica de projeção de influência e força já está muito longe de se poder sentir num mundo “onde o sol não se punha”, o seu tecido social interno sofre tensões que não só suscitam legítimas interrogações sobre a bondade do seu potencial integrador como induzem novos reflexos soberanistas que condicionam, a um grau nunca antes atingido, a gestão da sua política para a Europa.

David Cameron, o primeiro-ministro britânico, fez uma “fuga em frente” ao propor um referendo interno sobre a permanência na Europa. Perante uma opinião pública cultivada na diabolização de Bruxelas, uma operação desta natureza acarreta um elevadíssimo risco, que Cameron agravou agora ao colocar sobre a mesa uma agenda reivindicativa onde, a par de coisas de meridiana sensatez e passíveis de algum acordo, colocou alguns temas inegociáveis, que vão desde um “droit de regard” sobre a evolução da zona euro até uma derrogação dos direitos sociais dos migrantes. Os portugueses seriam aqui gravemente afetados e Londres sabe bem que isto, para nós, é inaceitável.

Foi um antecessor de Cameron, o lorde Palmerston, quem um dia afirmou que o Reino Unido “não tem amigos, só tem interesses”. Talvez os tempos tenham entretanto ensinado aos britânicos que podem ter algum interesse em ter amigos, mas que esses amigos – como é o nosso caso – não poderão estar com eles quando é o próprio Reino Unido quem se obstina em afetar os seus interesses.

quarta-feira, janeiro 27, 2016

O Irão e os seus hábitos

Agora que a decisão italiana de tapar algumas estátuas desnudas, nos locais por onde passou o presidente iraniano, na sua visita a Roma, está ainda a provocar reações por esse mundo fora, creio ser interessante contar um episódio ocorrido com a visita a Lisboa, a meu convite, de um vice-ministro do governo de Teerão, creio que no final de 2000.

Meses antes, eu tinha chefiado uma missão da União Europeia ao Irão, para diálogo político. Depois de um início algo atribulado, por virtude de acusações iranianas à UE por intromissão nos seus assuntos internos, as conversas acabaram por correr bem e, no rescaldo do exercício, o meu interlocutor disse-me da sua vontade de visitar Lisboa, agora no plano bilateral. Porque isso também era interessante para nós, nomeadamente no plano económico, ali mesmo lhe formalizei o convite. 

Meio ano depois, o vice-ministro para os Negócios Estrangeiros desembarcava em Lisboa. Como a sua chegada era da parte da tarde, decidi oferecer-lhe, bem como à delegação, um jantar de trabalho no palácio das Necessidades, a que se seguiria, no dia seguinte, uma sessão plenária, com a presença de representantes de vários ministérios. A ideia foi aceite pela embaixada iraniana em Lisboa, a qual,  no entanto, informou que desejaria que não houvesse vinho ou qualquer outro tipo de álcool à mesa. Mandei informar a delegação iraniana de que, naturalmente, lhes não seriam oferecidas bebidas alcoólicas. No entanto, para os portugueses presentes, haveria vinho, se acaso quisessem. A resposta da embaixada foi clara: nesse caso, não estariam disponíveis para jantar. Na sua perspetiva, não seram admissíveis bebidas alcoólicas à mesa.

Devo confessar que estava já à espera de uma reação destas, pelo que mandei transformar o jantar num pequeno-almoço de trabalho, num hotel. Os iranianos não devem ter apreciado muito, mas aceitaram. Cheguei à hora combinada, acompanhado por quatro senhoras. Notei, na cara do meu interlocutor, um visível desagrado. Como é sabido, os iranianos não cumprimentam as senhoras, ou melhor, não lhes estendem a mão e colocam a sua sobre o próprio peito. Pelo "body language" getal, deduzi que estavam a considerar a composição da nossa delegação como uma evidente provocação.

Sentámo-nos à mesa e fiz as apresentações: era a minha chefe de gabinete, a diretora do serviço do Médio Oriente e do Magrebe, a diretora do serviço de Política Externa e de Segurança Comum e, se ainda bem me lembro, a diretora do serviço das Relações Externas, na área europeia. A avaliar pela súbita mudança dos fácies, os iranianos sossegaram. Afinal, aquelas senhoras estavam ali, não por uma escolha propositada, para os provocar, mas pelo facto de titularem funções indiscutíveis no quasro da nossa política externa.

Não faço ideia que impressão íntima esta presença maciça de mulheres em cargos dirigentes da nossa diolomacia terá feito na delegação iraniana, mas a única certeza que tenho é que isso os não deixou indiferentes. Cada terra com seu uso...

"Jornal de Negócios"

Passarei, de futuro, a colaborar periodicamente com o "Jornal de Negócios", que acolherá textos meus sobre questões europeias e internacionais. A coluna chamar-se-á "Duas ou três coisas"...

Agradeço à Helena Garrido e à sua equipa a sua "hospitalidade".

Egito


Foi há cinco anos. Eu tinha passado no Cairo escassos meses antes. Sentia-se uma tensão latente, os sinais islâmicos pelas ruas eram muito mais do que aqueles que tinha visto num passado não muito distante. Lembro-me de ter perguntado ao guia, um homem muito culto, a razão de ser daquele surto de véus, na cabeça de imensas raparigas, e de ele me ter respondido: "Isto é como uma farda. Só se espero que não haja "guerra"..." O Egito era então uma ditadura militar, dirigida pelo general Mubarak, um fiel aliado dos Estados Unidos, um dos pilares ocidentais na região. Um dia, as reivindicações democráticas, ecoando a "primavera" que surgira na Tunísia e começava a insinuar-se na Líbia, explodiu e "incendiou" a praça Tahrir. Algum mundo rejubilou com a expressão da vontade de liberdade no Cairo. Por semanas, todos acompanhámos pelas televisões esse acampamento de esperança. Penosamente, aos poucos, a ditadura foi cedendo e Mubarak acabou por ser preso. Realizaram-se eleições, tidas por livres. Ganharam os grupos islâmicos, que, desde há muito, contestavam o regime militar inaugurado por Nasser, em 1956. Chegando ao poder pelo voto, a nova liderança islâmica tentou criar formas de aí se eternizar. Um dia, já cansados desta experiência e da disrupção que ela induzira no país, os militares colocaram-lhe um violento ponto final. Um novo general, com o nome bizarro de princesa austríaca, Sissi, assumiu o poder. O mundo ocidental protestou, franziu o sobrolho e publicou os tradicionais comunicados. O general por lá continua. Para passar à História como sucessor natural de Mubarak só lhe resta vir a ter o apoio (mais) declarado do Ocidente. A realpolitik tem muita força. Por isso, já faltou mais. Nesse dia, o ciclo fechar-se-á, já repararam?

terça-feira, janeiro 26, 2016

Daqui a pouco...


... reunião de condomínio!

"Gender balance"


É dos meus olhos ou começa a haver, no seio das lideranças do Bloco de Esquerda, um princípio de falta de respeito pelo "gender balance"?

Sarkogaffe



No novo livro de Nicolas Sarkozy, de que aqui havia falado há dois dias, o autor refere a campanha de "uma rara violência" entre George W. Bush e Barack Obama, na primeira eleição deste. mostrando-se surpreendido pelo facto do atual presidente americano, não obstante esses tensos momentos, se ter disponibilizado para uma iniciativa pública com o antigo presidente.

É sabido que as campanhas eleitorais, nos Estados Unidos, são sempre muito aguerridas. Acontece, no entanto, um pequeno, quiçá despiciendo, pormenor. O adversário de Obama não foi Bush, que já tinha terminado o seu segundo mandato, mas sim John McCain...

Acontece aos melhores, não é? Que Sarkozy estivesse distraído, tudo bem, mas não houve uma alma caridosa que tivesse descortinado a "gaffe" antes do livro ser impresso? Que amadorismo, para quem cultiva a ambição de regressar ao Eliseu!

segunda-feira, janeiro 25, 2016

Marcelo ou Rebelo de Sousa?

Por que dizemos "Marcelo"? Por que não dizemos "Rebelo de Sousa"? O que é que criou esta designação, algo intimista, que se colou à imagem do novo presidente?

Se olharmos para a política portuguesa, apenas muito raros líderes masculinos com uma relação afetiva com os seus apoiantes conseguiram ser chamados, com naturalidade, pelos seus nomes próprios: Vasco (Gonçalves) e Otelo (Saraiva de Carvalho), goste-se ou não deles, foram disso exemplo. Dos restantes, de Sá Carneiro a Soares, de Eanes a a Cunhal, de Sampaio a Barroso, de Cavaco a Sócrates, nunca o nome próprio de um político relevante se impôs no imaginário público. Até Maria de Lurdes Pintasilgo ficou conhecida pelo seu apelido.

Posso estar enganado, mas creio que o verdadeiro "criador" desta designação, que "pegou" na linguagem comum do país, deve ter sido o primeiro locutor (da TSF? da TVI?) que o designou como "professor Marcelo" e não como "professor Rebelo de Sousa" - como se diz "professor Sampaio da Nóvoa" ou se disse, por muito tempo, "professor Cavaco Silva". É claro que, nos meios públicos, todos já dizíamos, há muito, "Marcelo" e isso não terá sido sem efeitos.

Com esta expressão nominativa simplificada, em que o "professor" nos remete para a escola, para o educador que avalia e "dá notas", Marcelo Rebelo de Sousa acabou por tornar mais próxima dos portugueses a sua figura. Só se chama pelo nome próprio quem nos está (ainda que virtualmente, como foi a televisão) próximo, mas também quem tem uma imagem de bonomia que seja compatível com essa designação. Ninguém está a ver Cavaco Silva ser apelidado de Aníbal... Ora Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu isso por via mediática e, dessa forma, ganhou o "Marcelo" que lhe pode facilitar a ligação aos portugueses. Está nas mãos dele conseguir isso. Ou não.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...