Foi há cinco anos. Eu tinha passado no Cairo escassos meses antes. Sentia-se uma tensão latente, os sinais islâmicos pelas ruas eram muito mais do que aqueles que tinha visto num passado não muito distante. Lembro-me de ter perguntado ao guia, um homem muito culto, a razão de ser daquele surto de véus, na cabeça de imensas raparigas, e de ele me ter respondido: "Isto é como uma farda. Só se espero que não haja "guerra"..." O Egito era então uma ditadura militar, dirigida pelo general Mubarak, um fiel aliado dos Estados Unidos, um dos pilares ocidentais na região. Um dia, as reivindicações democráticas, ecoando a "primavera" que surgira na Tunísia e começava a insinuar-se na Líbia, explodiu e "incendiou" a praça Tahrir. Algum mundo rejubilou com a expressão da vontade de liberdade no Cairo. Por semanas, todos acompanhámos pelas televisões esse acampamento de esperança. Penosamente, aos poucos, a ditadura foi cedendo e Mubarak acabou por ser preso. Realizaram-se eleições, tidas por livres. Ganharam os grupos islâmicos, que, desde há muito, contestavam o regime militar inaugurado por Nasser, em 1956. Chegando ao poder pelo voto, a nova liderança islâmica tentou criar formas de aí se eternizar. Um dia, já cansados desta experiência e da disrupção que ela induzira no país, os militares colocaram-lhe um violento ponto final. Um novo general, com o nome bizarro de princesa austríaca, Sissi, assumiu o poder. O mundo ocidental protestou, franziu o sobrolho e publicou os tradicionais comunicados. O general por lá continua. Para passar à História como sucessor natural de Mubarak só lhe resta vir a ter o apoio (mais) declarado do Ocidente. A realpolitik tem muita força. Por isso, já faltou mais. Nesse dia, o ciclo fechar-se-á, já repararam?
quarta-feira, janeiro 27, 2016
Egito
Foi há cinco anos. Eu tinha passado no Cairo escassos meses antes. Sentia-se uma tensão latente, os sinais islâmicos pelas ruas eram muito mais do que aqueles que tinha visto num passado não muito distante. Lembro-me de ter perguntado ao guia, um homem muito culto, a razão de ser daquele surto de véus, na cabeça de imensas raparigas, e de ele me ter respondido: "Isto é como uma farda. Só se espero que não haja "guerra"..." O Egito era então uma ditadura militar, dirigida pelo general Mubarak, um fiel aliado dos Estados Unidos, um dos pilares ocidentais na região. Um dia, as reivindicações democráticas, ecoando a "primavera" que surgira na Tunísia e começava a insinuar-se na Líbia, explodiu e "incendiou" a praça Tahrir. Algum mundo rejubilou com a expressão da vontade de liberdade no Cairo. Por semanas, todos acompanhámos pelas televisões esse acampamento de esperança. Penosamente, aos poucos, a ditadura foi cedendo e Mubarak acabou por ser preso. Realizaram-se eleições, tidas por livres. Ganharam os grupos islâmicos, que, desde há muito, contestavam o regime militar inaugurado por Nasser, em 1956. Chegando ao poder pelo voto, a nova liderança islâmica tentou criar formas de aí se eternizar. Um dia, já cansados desta experiência e da disrupção que ela induzira no país, os militares colocaram-lhe um violento ponto final. Um novo general, com o nome bizarro de princesa austríaca, Sissi, assumiu o poder. O mundo ocidental protestou, franziu o sobrolho e publicou os tradicionais comunicados. O general por lá continua. Para passar à História como sucessor natural de Mubarak só lhe resta vir a ter o apoio (mais) declarado do Ocidente. A realpolitik tem muita força. Por isso, já faltou mais. Nesse dia, o ciclo fechar-se-á, já repararam?
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Agostinho Jardim Gonçalves
Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...
3 comentários:
Toda a primavera tem flores, só algumas dão frutos.
O Egipto, sempre teve Faraó, ainda o Islão não era "nascido", o poder sempre num homem, o resto é conversa fiada.
Já tiveram a Cleópatra possivelmente a governante mais famosa do Egipto, e uma das mulheres mais relembradas do mundo
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