sexta-feira, janeiro 22, 2016

O risco


Na República em que vivemos, mesmo contando os momentos de reeleição dos quatro anteriores presidentes (Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco), nenhuma outra campanha terá contribuído mais fortemente para criar um sentimento de irrelevância da função presidencial. 

O desinteresse que se instalou na opinião pública em torno da escolha do chefe do Estado tem vários responsáveis e o principal chama-se Cavaco Silva. Foi-o pela forma como se comportou no exercício do cargo (as sucessivas sondagens são inequívocas), em particular neste segundo mandato e, muito em especial, pela sua catastrófica gestão da agenda política em 2015. 

Parte da responsabilidade cabe contudo às principais forças políticas. Habituámo-nos ao discurso de que esta eleição é unipessoal, que os partidos políticos surgem apenas como coadjuvantes da vontade dos candidatos. Mas todos sabemos que as coisas, sendo formalmente assim, na prática são diferentes. O envolvimento das forças políticas organizadas é essencial para garantir a mobilização popular que transforma a escolha de uma pessoa e na sua legitimação política pelo sufrágio. E os partidos notaram-se pela sua ausência.

A sucessão temporal entre as eleições legislativas e a campanha presidencial, cumulada com a circunstância da solução governativa ter assumido contornos atípicos, criou uma conjuntura bizarra, a que os partidos não souberam dar a volta. Isso acabou por instalar na opinião pública um alheamento que se somou também à ideia de que estávamos a escolher apenas, perdoe-se-me a simplicidade, “o sucessor de Cavaco”. E isso, percebe-se, não era a coisa mais estimulante do mundo.

Os figurantes não ajudaram? Convenhamos que a direita não tinha muito melhor para apresentar. Na esquerda socialista, as figuras com melhores condições cedo se colocaram fora da contenda e as que apareceram a jogo desempenharam o papel que as circunstâncias permitiram. Nas restante forças políticas com expressão, as escolhas foram “honorables”. E os “espontâneos” e os “cromos” são, hoje como sempre, apenas isso mesmo.

A função presidencial não sai elevada desta campanha. Ironicamente, a responsabilidade de quem vier a ser eleito será grande, porque lhe vai competir – se souber e puder – retomar a importância da instituição Presidência da República no quadro interinstitucional. Se o não conseguir fazer, o risco é claro: é a possibilidade de, no seio das principais forças políticas, vir a gerar-se um consenso no sentido de rever a Constituição, por forma a reforçar o pendor cada vez mais parlamentar do regime, passando o Presidente a ser eleito na Assembleia da República, como acontece, por exemplo, na Alemanha ou na Itália. Ou na Grécia.

quinta-feira, janeiro 21, 2016

Política

É impressão minha ou, de repente, isto dá ares de estar a começar a ficar esquisito? 

É o comportamento da bolsa, são os sinais e recados de Bruxelas, são as dúvidas das agências de notação, é a conversa já seca da meninas do Bloco, é o avanço firme do Marcelo Nuno, são as rugas crescentes no discurso de Jerónimo de Sousa, são as parcelas das contas com zeros que parecem a mais, é o atenuar do discurso de observância dos "targets" europeus, é o reafirmar prioritário do "compromisso histórico" conjuntural. 

Mas pode ser só impressão minha.

quarta-feira, janeiro 20, 2016

A cunha

Aquele amigo olhou para o secretário-geral do MNE com uma cara que denunciava uma qualquer núvem de divergência entre ambos.

- Devo dizer-te que fiquei bastante desiludido por afinal não teres colocado o rapaz de quem te tinha falado naquele posto. Eu havia-te dito que tinha um grande empenho em que fosse ele o nomeado...

- Eu tinha percebido, meu caro! Só que verifiquei que todos os outros candidatos eram melhores que o "teu"...

- Ora bolas! Mas a minha "cunha" era precisamente pelo facto de se saber que os outros eram melhores... 

Pergunta e resposta

- Olha lá! O teu blogue deixou de ter fotografias? Fica mais triste...

- Já voltarão, já voltarão! O que acontece é que estou fora de Portugal há quase uma semana e, como sou um "nabo" informático, não consigo colocar fotografias nos posts, com o iPad.

terça-feira, janeiro 19, 2016

Emprego?

Numa notícia de jornal de hoje, o meu nome surge simpaticamente citado como hipótese para o lugar de próximo Secretário Executivo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). 

Tenho a certeza de que se trata de uma mera especulação mediática, tanto mais que, de há muito, é sobejamente conhecida, nomeadamente por parte de quem é relevante nestas coisas, a minha definitiva e irrevogável (e, no meu caso, "irrevogável" significa isso mesmo) indisponibilidade para quaisquer funções remuneradas de natureza oficial. Isto é válido para este caso como já o foi no passado para outros e o será no futuro para tudo.

Pode parecer pretensioso estar a afirmar isto desta forma, mas apetece-me cortar cerce qualquer especulação.

Almeida Santos

Para a minha geração política, António Almeida Santos era um nome mítico da oposição moçambicana ao salazarismo, ligado aos "Democratas de Moçambique" que, ciclicamente, causavam engulhos à ditadura, por ocasião das farsas eleitorais a que esta não se podia furtar. Foi assim com naturalidade que, em 1974, o vi surgir como ministro da Coordenação Interterritorial, esse nome rebuscado com que a Revolução crismou um Ministério do Ultramar em transição. Depois, como não podia deixar de ser, na raiva da diabolização, vi-o colocado no pelourinho por quantos foram vítimas inocentes de uma descolonização apressada e de desfecho inevitável, uma bomba-relógio criminosamente deixada avançar pela cegueira colonial.

António Almeida Santos foi um dos mais prolíficos legisladores do regime democrático. Senhor de uma escrita límpida e rigorosa, era um jurista eminente e a República deve-lhe muito. Ministro em diversos governos e em várias pastas, não conseguiu chegar à chefia do executivo quando Mário Soares a abandonou, muito por mérito da onda cavaquista que os fundos comunitários já começavam a adubar, nesses anos 80. Também nunca foi presidente da República, um lugar que lhe cairia como uma luva, mas em que os "timings" eleitorais o não favoreceram. Mas o seu período como presidente da Assembleia da República, quando melhor o conheci, ficou gravado como um marco naquela casa da democracia.

Tinha-o como um amigo certo, um homem sereno, ponderado e sempre disponível para quem o conhecia. Era senhor de uma palavra serena, de um juízo sólido, de conselho avisado. Sabia quando e como manifestar a solidariedade devida, como eu próprio tive o privilégio de apreciar. Guardo dele muitos daqueles cartões escritos numa letra límpida (como também era a do seu grande amigo Mário Soares), alinhada, desenhando palavras amáveis, às vezes com uma sugestão, outras com uma nota de simpatia. As mesmas palavras que trocámos, pela última vez, num almoço nas Amoreiras, um pouso gastronómico que curiosamente apreciava. Disse-lhe então que, há anos, o achava "sempre na mesma", com o um aspeto físico imutável. Respondeu-me: "o meu querido amigo nem imagina como esta "máquina" se vai estragando..."

A vida trouxe-lhe algumas fortes tristezas, talvez só compensadas pelo respeito e pela muita consideração que sabia gerar e cultivar nos outros, com naturalidade e imensa simpatia. Os socialistas devem-lhe a lealdade, o equilíbrio e o testemunho de quem soube unir diferentes gerações e protagonistas.

Tenho muita pena que uma inadiável missão de trabalho no estrangeiro me impeça de lhe poder deixar o último testemunho de uma amizade que não esquecerei.

"Much ado about nothing"

Nos últimos anos, dei aulas sobre prática diplomática a estudantes universitários. Alguns deles eram estrangeiros, o que fez com que, em diversas ocasiões, tivesse de abordar o modo muito diferenciado como cada país leva à prática aquilo que Paulouro das Neves tão bem trata no livro a que, com felicidade, deu o nome de "Rituais de Entendimento".

Um dos temas que sempre verifico que suscita curiosidade nas aulas prende-se com as condecorações que são atribuídas por um país a cidadãos estrangeiros. Se há práticas diplomáticas que é tradicional serem comuns, neste domínio elas divergem de Estado para Estado e cada país é chamado a definir as suas regras próprias, feitas de um historial que lhe é específico. E que, naturalmente, compete aos profissionais de cada diplomacia nacional acatar e respeitar.

Nas últimas horas, vi na internet e na comunicação social uma estranha polémica, aparentemente pelo facto da nossa embaixada em Paris não ter acolhido a entrega de uma condecoração atribuída pelo governo francês a uma determinada personalidade portuguesa.

Atentas as últimas funções diplomáticas que exerci, compreender-se-á que aborde este assunto com extremo cuidado, tanto mais que desconheço, em absoluto, o contexto dos factos. Mas há uma coisa que não posso deixar de afirmar, com a maior clareza: eu teria ficado surpreendido se uma condecoração francesa tivesse sido entregue a um cidadão português, quem quer que ele fosse, nas instalações da nossa embaixada em Paris. Apenas porque não é essa a regra.

Nunca vi - mas admito, modestamente, que possa não ter visto tudo - uma representação diplomática portuguesa acolher a entrega de condecorações oficiais estrangeiras. Posso entender que o agraciado pudesse ter gosto nisso, admito mesmo que o país agraciante pudesse não ver inconveniente em que um território diplomático estrangeiro pudesse ser usado para esse fim. Admito tudo isso, mas um Estado não deve adaptar as suas regras protocolares às vontades pessoais, por mais respeitáveis que sejam, ou a quaisquer práticas estrangeiras. Às representações diplomáticas e consulares portuguesas compete zelar pela observância das regras que são próprias a Portugal. E elas são, nesta matéria, muito claras. Nada disto me parece, sequer, discutível.

Com toda a franqueza, tudo isto me parece "much ado about nothing", como dizia Shakespeare para significar o nosso simples "tanto barulho por nada".

segunda-feira, janeiro 18, 2016

Italiano

Só tenho um livro em italiano. Comprei-o há muitos anos, era sobre um tema que me interessava bastante e, na minha ingenuidade, pensei que conseguiria lê-lo. Qual quê! O italiano é, para mim, uma língua muito difícil, quase impossível. Por muito que reconheça algumas palavras, não consigo ler longos textos, da mesma maneira que, muitas vezes, vejo-me em palpos de aranha para entender a própria língua falada, ainda que com a ajuda dos gestos que fazem parte da sua coreografia tradicional. 

Hoje, em Roma, entrei numa Feltrinelli, livraria da fantástica editora do mesmo nome. Há muitos anos que me impressiona a variedade e a qualidade da edição italiana! (Para além do próprio país, onde se venderão os livros em italiano? No Ticino suíço ou em alguns bairros de Nova Iorque?). Olhei para tudo aquilo com o ar de um verdadeiro analfabeto. A verdade é que por muito que sempre me agrade espiolhar o cenário das livrarias, em qualquer parte do mundo onde vá, saio sempre um pouco frustrado dos locais onde não consiga comprar qualquer livro. Como me acontece agora, já à saída do voo para Lisboa. 

Trivia

Adoro o conhecimento "inútil". Desde que me conheço que tenho um fascínio, talvez até um pouco adolescente, por um tipo de informação que não tem a menor utilidade, que não seja a satisfação da curiosidade própria. Tenho vários livros sobre "trivia", que tratam de tudo e de mais alguma coisa. Os mais céticos chamam a isto depreciativamente "cultura de almanaque", mas a mim é-me completamente indiferente a sua opinião. Continuo, por exemplo, nesta busca incessante de resposta para essa questão "grave" e polémica que é a origem da expressão "OK", embora já tenha descoberto a razão pela qual os barcos de turistas no Sena se chamam "bateau mouche". Eu sei que o "tio Google" hoje responde (embora às vezes com respostas contraditórias entre si) à maioria das perguntas, mas eu sou de outro (glorioso) tempo, das discussões intermináveis da mesa da Gomes em Vila Real ou da "sala verde" do velho ISCSPU da Junqueira, acabando nas noitadas do Montecarlo ou do Procópio. Nada se equipara a uma boa discussão, por tudo ou por nada, principalmente por nada.

Ontem, no final do almoço (segui o conselho do papa Francisco, o qual, do alto da janela na praça de S. Pedro, nos havia recomendado, minutos antes, "buon pranzo a tutti"), tive uma conversa com o dono de uma "trattoria" romana e, já não sei bem a que propósito, veio à baila a palavra "tedesco", estranho termo com que os italianos se referem aos alemães. Não falo uma linha de italiano (entendo alguma coisa, mas não passo do "arriverderci" ou da "buona notte"), mas andava há anos com a curiosidade de conhecer a origem da expressão. O homem, pessoa culta que falava um francês magnífico, fruto da emigração que lhe permitiu amealhar para comprar a casa, mostrou-se tão intrigado como eu. E lá andámos nós, entre um "lemoncello" que acabou por ter de duplicar-se, à procura da etimologia da palavra. E que descobrimos? Que a palavra tem origem na designação de uma língua medieval alemã, o "theodisce", utilizada popularmente, e que significava precisamente "do povo". É aliás a partir do final dessa palavra que nasce o conhecido "deusch". 

As coisas que se aprendem quando se quer saber! Estava eu a pensar nisto, para fazer a nota para este blogue, quando deparei com uma reportagem com os golos da jornada futebolística italiana na televisão. Fiquei preso ao écran por uns minutos, até que, nesta língua cheia de "is" que é o italiano, ouvi a conhecida expressão "calcio" para designar futebol. E lá vou eu à procura da razão que leva a Itália a usar uma palavra tão diferente da generalidade das línguas conhecidas, para se referir ao mais belo jogo do mundo...

domingo, janeiro 17, 2016

Comunicação social

Não aprecio muito as análises sobre a comunicação social que assentam na presunção mecanicista de que a orientação dos "media" depende quase exclusivamente das pessoas escolhidas para os dirigirem. Uma avaliação deste tipo pressupõe que o corpo redatorial desses jornais, rádios ou televisões não passa de meros "paus mandados", sem coluna vertebral deontológica, que se vergarão às determinantes que lhes vierem a ser impostas, sem um mínimo de resistência se acaso lhes vier a determinada uma inflexão enviesada na linha informativa. Também resisto a pensar que certos profissionais nomeados para lugares de chefia nesse órgãos, conhecidos pelas suas posições mais à esquerda ou à direita, tendem a que essa sua orientação ideológica se sobreponha em absoluto ao seu compromisso profissional com a verdade. 

Penso tudo o que escrevi. Mas a vida e a experiência também me ensinaram a já não ser excessivamente ingénuo neste tipo de questões, "if you know what I mean".

sábado, janeiro 16, 2016

Remunerar o trabalho

Desde que, há cerca de três anos, regressei definitivamente a Portugal, tenho vindo a ser convidado a estar presente em colóquios ou palestras, sobre temas em que, aparentemente, se considera que posso dar alguma contribuição com interesse, normalmente sobre temas de natureza internacional, mas não só. 

Na medida da minha disponibilidade, faço-o sempre com gosto, embora algumas dessas prestações deem, por vezes, bastante trabalho a preparar. Não raramente, esses eventos têm lugar fora de Lisboa, implicando deslocações, por vezes longas e cansativas. Nesses casos, quem convida prevê, muitas vezes, alojamento e, em algumas ocasiões, as refeições e o transporte. Porém, só em situações muito pontuais a presença nessas tarefas inclui o direito a uma qualquer remuneração, ainda que pequena, ou o pagamento de um qualquer per diem

A experiência mostra que, em muitos países, as coisas se passam de forma diferente: quem é convidado a falar recebe, por regra, uma remuneração por esse trabalho, por vezes mesmo uma quantia significativa, outras vezes um valor pouco mais que simbólico. Mas há quase sempre um determinado montante, às vezes umas escassas centenas de euros, como forma de retribuir o trabalho executado. Por vezes, como já me aconteceu nos Estados Unidos, na Polónia, na Coreia do Sul, na Alemanha e em outros lugares, torna-se mesmo obrigatório aceitar esse montante, não podendo os oradores dispensá-lo. 

Por que será que, entre nós, as coisas se passam quase sempre como se fosse natural que o trabalho pro bono devesse ser a regra? Será que se considera que somos nós que nos devemos sentir honrados com o convite? Nesse caso, "à la limite", talvez devêssemos ser nós a pagar alguma coisa! Ou será porque se entende que quem é convidado a falar tem recursos suficientes para dispensar ser recompensado pelo seu esforço? Conheço pessoas que, entre nós, já só se disponibilizam para falar em público mediante remuneração. E, infelizmente, também já assisti a casos em que oradores não remunerados estavam sentados lado a lado com outros pagos para a mesmíssima tarefa.

Posso perceber que, tratando-se de instituições sem fins lucrativos ou de natureza beneficente, a gratuitidade possa ser solicitada. Mas já compreendo menos bem que, quando há uma "sponsorização" dos eventos, por parte de entidades públicas ou de empresas, neles não esteja prevista uma qualquer remuneração para os oradores, repito, mesmo que não seja muito elevada. E em especial não consigo entender muito bem que, quando os organizadores desses eventos são profissionalmente remunerados para os prepararem e gerirem, possam legitimamente pedir a alguém que convidam para falar que se disponibilize a nada receber.

Lembrei-me disto ontem, aqui em Roma, onde vim falar a convite de uma determinada entidade. Transportes (mesmo em Lisboa, até ao aeroporto e no regresso a casa), alojamento e todas as horas de trabalho que executei foram devidamente compensadas monetariamente. Não foram números muito expressivos, mas representam o respeito devido pelo labor na preparação de uma conferência e em algumas horas de debate especializado.

É assim que as coisas devem ser e espero que, cada vez mais, entre nós também comecem a ser assim.

sexta-feira, janeiro 15, 2016

Bola ao centro

Recomeça o jogo no CDS. Um novo líder agarra o testemunho de uma formação que o destino condenou a nunca poder ser o maior partido.

Num dia de dezembro de 1974, uma delegação do CDS expôs ao Movimento das Forças Armadas o problema existencial que afetava o partido. O CDS fora estimulado a organizar-se pelo presidente Spínola, Freitas do Amaral integrara o Conselho de Estado, mas o CDS não ingressara nos governos provisórios (não viria a fazer parte de qualquer deles, até 1976). A sua legalidade era indiscutível e o seu programa era compatível com os princípios da Revolução (teria graça relê-lo hoje). No entanto, o CDS defrontava crescentes dificuldades de organização (comícios boicotados, sedes assaltadas, militantes ameaçados), sob a aparente indiferença das forças da ordem.

Recordo bem a intervenção de Vitor Sá Machado: o CDS pretendia acolher quem não se reconhecia à esquerda (na altura, afirmar-se "de direita" era quase tabu), dar a esse setor um espaço democrático de expressão e, por essa via, "servir o 25 de abril”. Porém, para tal, necessitava de saber se as Forças Armadas estavam dispostas a dar garantias para a sua existência, se o partido poderia, ou não, ter condições de se estruturar em liberdade. Deixou subentendido que, se acaso o CDS desaparecesse, haveria o risco de determinados meios mais conservadores poderem optar por se colocarem violentamente fora do sistema

A delegação do MFA era chefiada pelo (então) tenente-coronel Franco Charais (eu estava lá como militar). Assegurou que o CDS tinha todas as condições para continuar a existir, parte das dificuldades do partido deviam-se ao facto de muitos dos seus aderentes serem antigos apoiantes da ditadura. Fixei uma frase: "Um outro partido de direita, como o PPD, também tem esse problema"...

O CDS fez entretanto o seu percurso. Enquadrou o desespero dos "retornados", escapou à "poluição" das derivas bombistas do MDLP e do ELP, conjugou verdadeiros democratas com reacionários assumidos. Integrou governos, esteve em riscos de apagamento parlamentar (fase do "taxi"), vagueou por lideranças contraditórias. Foi do federalismo europeu ao discurso eurocético radical, da democracia cristã ao neo-liberalismo. Defendeu pensionistas e justificou os cortes que os atingiram, diabolizou os impostos e subscreveu a mais violenta carga fiscal. Às vezes, as caras que titularam essas fases políticas foram diferentes, outras vezes, o mesmo figurante fez os dois papéis.

Uma coisa o CDS nunca fez: assumir causas de extrema-direita, xenófobas, racistas, ultra-securitárias ou discriminatórias, nomeadamente no plano religioso. Só podemos esperar que a nova liderança seja digna deste património.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, janeiro 14, 2016

Boa memória (2)


Há pouco, ao apanhar um táxi para o aeroporto, ainda tive a esperança do carro ser conduzido por este conhecido motorista, que chegou "à praça" lisboeta em 1989. Não era. É que, nos dias que correm, já tudo é possível...

Outros presidentes

Foto de Margarida Lima

Nesta cidade de Lisboa, há umas tertúlias simpáticas, que juntam gente muito diversa, que convida para almoçar ou para jantar uma figura pública que se dispõe a falar sobre a sua atividade ou sobre um tema específico, havendo depois um diálogo alargado com os circunstantes. 

Faço parte de algumas dessas tertúlias. O compromisso dos convidantes é que o que por ali se disser é "sagrado", não vem a público. Até hoje, nunca vi essa regra desrespeitada.

Há semanas, jantei num desses "cenáculos" com o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina. Ontem, tive o gosto de almoçar com o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira.

Ao ouvi-los falar sobre as cidades que gerem, os respetivos problemas, as questões com que se confrontam e os planos que têm para elas, apetece-me utilizar a frase "histórica" do capitão Fernandes, em 1975, no auge do PREC, quando perguntado sobre o destino das armas que tinha desviado de Beirolas: "Estão em boas mãos!"

quarta-feira, janeiro 13, 2016

Istambul


Há não muito tempo, depois de fazer uma palestra em Antália e de reuniões em Ancara, tomei a decisão, antes do regresso a Lisboa, de passar um dia em Istambul.

Parti de Ancara num voo bem matutino, instalei-me num hotel perto da Aya Sofia e, durante 11 horas (é verdade!), flanei sozinho pela antiga Constantinopla (ser filho único ajudou-me sempre muito a gostar de andar comigo mesmo). Almocei no restaurante da estação tornada famosa pelo Expresso do Oriente (de onde Gulbenkian partiu, em fuga, quando jovem), comprei castanhas pela rua, visitei mesquitas (nunca tinha ido à Suleimaniye), perdi-me no mercado das especiarias, fiz o clássico passeio de barco pelo Bósforo (onde tive uma curiosa conversa com um médico iraniano, que por aqui contei), vi o sol a pôr-se à passagem pelo palácio Dolmabahce, galguei até às alturas de Galata, com pausa para um copo no bar do Pera Palace, calcorreei toda a Istiklal até à praça Taksim (lembrando os confrontos, não muitos meses antes) e não resisti ao cliché de tomar o famoso elétrico de volta. Jantei muito bem, por ali, para o tarde, num restaurante moderno, com uma livraria acoplada (tudo publicado em turco, infelizmente...), com imensa gente, música ao vivo, acompanhado de um tinto búlgaro que me soube pela vida. A noite estava quente, desci no funicular, parei uns minutos na ponte, na travessia para a cidade velha, para observar a sorte dos seus eternos pescadores. Apenas por cansaço, tomei um taxi no percurso que me restava até ao hotel, não sem antes ter bebido um sumo de limão gelado num boteco tradicional. Um dia turístico barato, numa imensa tranquilidade, numa das mais vibrantes e belas cidades do mundo.

Senti-me então em Istambul em completa segurança, como sempre me recordo por lá. A cada vez, desde a primeira visita nos anos 80, a expressão islâmica no vestuário das mulheres acentua-se a olhos vistos - como aliás acontece no Cairo, em Tunis, mas muito pouco em Argel.

Se há cidade que, sempre que posso, recomendo a todos os meus amigos para visitarem é Istambul. Ontem, um terrível atentado vitimou turistas na cidade, na zona de Sultanahmet, junto ao hotel onde fiquei. Sinto raiva ao pensar que o terror começa a retirar ao mundo o usufruto das suas maravilhas.

Educação


Em matéria de modelos educativos ou de sistemas de aferição de conhecimentos, tudo o que sei resume-se à minha experiência, letiva ou consultiva, no ensino superior. Não tenho opinião nenhuma sobre os restantes graus de ensino, até porque, familiarmente, não sofro "na pele" os efeitos das decisões que são tomadas neste âmbito.

Uma coisa sei, porém, de ciência segura: não pode estar bem um setor que anda permanentemente para a frente e para trás, onde há décadas se não estabilizam os métodos, onde o que era bom ontem passa a ser mau amanhã e vice-versa. Com os diabos: será que não é mesmo possível, pelo respeito devidos à formação das novas gerações, haver uma espécie de um "pacto" entre a(lguma)s forças políticas que estabilize o tratamento deste tipo de questões, dando à opinião pública a certeza de que as coisas permanecem "quietas" por algum tempo?

Pedro Coelho (1941-2016)


Este blogue não tem vocação para se tornar num registo obituário, mas há nomes cuja desaparição é tão marcante que se torna impossível deixar de registar.

Pedro Coelho é uma figura cuja postura me habituei a admirar, desde há décadas. Militante clandestino da Acção Socialista Portuguesa e, mais tarde, do Partido Socialista, de que foi fundador, era um democrata e um homem que faz parte da história dos socialistas portugueses. Constituinte em 1975, passou por experiência governativa e parlamentar, mas optou por manter-se ativo na vida económica privada, a que nunca deixou de ser dedicar. Era uma figura de extrema simpatia, educado, sociável e, curiosamente, aparentava ser bastante mais novo do que na realidade era. Mantínhamos uma relação pessoal de extrema cordialidade, reforçada por amigos comuns que ambos prezávamos.

Deixo aqui uma fotografia de Carlos Gil, que, seguramente, lhe dizia muito: no dia 25 de abril de 1974, falando por um megafone em frente ao quartel do Carmo, tendo a seu lado João Soares e Francisco de Sousa Tavares.

terça-feira, janeiro 12, 2016

Ana Lourenço


Ana Lourenço anunciou que vai sair da SIC Notícias.

Qualquer que venha a ser o seu futuro, apenas desejo que possa continuar a praticar o jornalismo rigoroso, sem concessões, a que há muito nos habituou. É uma jornalista por quem fui entrevistado diversas vezes e por quem tenho um grande respeito e admiração. Prepara muito bem os temas, lida com elegância e sobriedade com os seus interlocutores, não é gratuitamente agressiva ou "excitada", controla bem os debates e não permite o "enviesamento" das discussões, sem, no entanto, deixar de colocar sempre as questões essenciais. 

Tenho pena pela SIC Notícias, uma grande estação de televisão, que recentemente também perdeu António José Teixeira como diretor de informação, igualmente um profissional "de mão cheia". O que se passará em Carnaxide?

O crava do Chiado


Há quase dois anos que deixei de o ver. Lembrei-me dele há minutos, junto ao seu ponto geográfico favorito "de ataque", um pouco acima da Bertrand do Chiado. Andava na casa dos cinquenta, tinha óculos, era alto, magro, sorridente, muito bem falante, claramente culto e tinha uma técnica magnífica: não nos interrompia o passo, colava-se a nós e começava a debitar, numa voz bem audível à volta, uma nossa breve síntese curricular, bem construída e sempre exata, que durava cerca de quinze segundos (sei isto bem porque caí na esparrela, aliás consentida, aí umas cinco vezes): "Boa tarde, Francisco Seixas da Costa, antigo secretário de Estado dos Assuntos europeus, que está embaixador de Portugal em (dizia o posto certo) e escreveu há dias um artigo sobre (...)" e adiantava mais duas ou três informações, seguramente tiradas de um qualquer jornal (nem me atrevo a imaginar que tivesse acesso ao Anuário do MNE!). A maior surpresa, mais do que saber o meu nome, era ele ter dados informativos atualizados sobre mim, tanto mais que, no meu caso, que vivia então no estrangeiro, passavam-se meses em que não subia a rua Garrett. E dizia tudo aquilo em voz bem alta, o que me embaraçava um pouco perante quem nos cruzava, pelo que sempre me apressava a deitar a mão à carteira, para corresponder à frase final com que complementava o sonoro CV: "Pode deixar uma notinha para ajudar aqui este seu amigo?".

Já encontrei várias pessoas que foram objeto desta tática de abordagem pela mesma personagem. Um dia creio que alguém chegou a dizer-me quem ele era. Que será feito do homem? Não que me apeteça minimamente ser cravado de novo, mas - é da idade, com certeza! - começo a cultivar com algum carinho a memória destas figuras bizarras da fantástica cidade onde tenho o privilégio de viver. E o Chiado estava hoje com uma luz imbatível... 

António Monteiro Cardoso (1950-2016)

Um dia, numa entrevista, dei-me conta de que o António tinha, como "lugares de sonho" cidades que me eram, em absoluto, comuns: Ouro Preto, Mariana, Tiradentes e Sabará. Seria por sermos ambos transmontanos? Talvez, mas nunca falámos sobre isso. Aliás, longamente, falámos muito poucas vezes, embora comungássemos muitas outras coisas, como era o caso do futebol.

Já não sei como nos conhecemos. Terá sido nos anos 80, creio. Seguramente, através da Ana e, depois, também da Joana. Recordo que lhe escrevi um dia, a felicitá-lo pelo excelente (e surpreendente) "Boas fadas que te fadem". Guardo uma troca de notas sobre isto.

Ontem, regressado a Lisboa, a meio de um jantar, fui surpreendido pela notícia da morte de António Monteiro Cardoso. Sabia-o doente. Não nos víamos há bastante tempo, porque as nossas vidas são o que são e, às vezes, só as mortes nos juntam.

Recordo o António como um homem caloroso, de sorriso aberto, por onde perpassava sempre alguma ironia. Saído dessa escola agitada que foi Direito de Lisboa em 1975, ex-MRPP, depois de se deter no Direito da Informação, ao tempo em que trabalhou com o Alberto Arons de Carvalho, o António passou posteriormente a dedicar-se à Historia, onde fez uma obra diversa mas muito interessante, chegando mesmo a colaborar com o António Pinto da França, no tratamento da reedição das suas "Cartas Baianas".

Era um homem de uma grande cultura, de palavra fácil e sólida, escrevia muito bem e tinha uma visão algo "renascentista", que a sua e minha geração (o António, contudo, era mais novo do que eu) foi a última, entre nós, a cultivar.

O António desaparece agora. É hoje enterrado em Freixo de Espada-à-Cinta. Tenho pena de nunca ter discutido com ele o seu conterrâneo Guerra Junqueiro. Tenho a certeza de que iria aprender bastante e, tenho para mim, ele estaria seguramente de acordo com o meu pai, que sempre se recusou a considerá-lo um "poeta menor".

Neste dia triste, deixo um beijo sentido para ti, Joana.  

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...