sexta-feira, julho 10, 2015

"Tenho de falar à Leah!"


“Tenho de falar à Leah!”. A frase de Maria Barroso ecoou de forma estranha, naquela sala da “guest house” que a Autoridade Palestiniana colocara à disposição do casal presidencial português, na noite de 4 de outubro de 1995. Quer Mário Soares quer eu próprio fomos surpreendidos pelo insólito daquele propósito. A quarta pessoa presente estava, desde há minutos, sem expressão, como que em estado de choque. Era Yasser Arafat.
“Ó Maria de Jesus! Como é quer tu vais ligar agora à Leah?!”. Leah Rabin era a mulher de Yitzhak Rabin. Mais precisamente, a viúva. O primeiro-ministro israelita, em cuja residência, em Jerusalém, não muitas horas antes, tínhamos almoçado, acabara de ser assassinado a tiro num comício em Tel-Aviv.
Mário Soares estava na sua última visita oficial ao estrangeiro, como presidente da República, no termo do seu segundo mandato. Eu era, desde há cerca de uma semana, secretário de Estado do novo governo português e substituía, na viagem, o ministro dos Negócios estrangeiros, Jaime Gama. Depois de três dias em Israel, visitávamos oficialmente Gaza. A amizade antiga de Soares com Rabin e Arafat, que ungia a esperança de um acordo de paz que, à época, pareceu possível, era o cenário de fundo daquela dupla visita, muito prestigiante para um país “honest broker” no processo, como Portugal era então visto.
“O que é que o governo aconselha que se faça? Suspendemos a visita?”. A pergunta de Mário Soares era-me dirigida. Eu era “o governo”! Não havia telemóveis com rede, estávamos desesperadamente a tentar contactar, via satélite, António Guterres, o primeiro-ministro, através de um telefone militar. Gaza não tinha aeroporto. O Falcon oficial ficara em Jerusalém, em Israel, país fechado e em estado de sítio, depois do assassinato do seu primeiro-ministro. Aqui entre nós, eu sabia lá o que se deveria fazer! O bom-senso aconselhava, naturalmente, a que a visita fosse cancelada. Mas era muito difícil sair dali.
“Como é que eu poderei falar com a Leah?”. Era outra vez a voz de Maria Barroso, que, nos últimos dias, tinha reforçado a sua relação pessoal com a mulher do primeiro-ministro israelita, que se fazia ouvir. “Ó Maria de Jesus! Isso vê-se depois!”, respondeu, já sem paciência, Soares.
Maria de Jesus Barroso Soares não conseguiria, nessa noite, o seu propósito de falar com Leah Rabin, como o seu coração recomendava. Fá-lo-ia, num abraço emocionado, dois dias depois, no funeral. Nunca esqueci a sua atitude, em que a sinceridade da emoção se tentou, sem êxito, sobrepor à nossa preocupada razão.

quinta-feira, julho 09, 2015

Jornalismo adversativo

Uma sondagem hoje divulgada, (re)coloca o PS à frente da coligação.

No "meu tempo" as sondagens mediam as distâncias entre os partidos e, confesso, acho que seria útil os portugueses conhecerem a distância atual entre os dois grandes protagonistas partidários - o PS e o PSD. É que ou muito me engano ou estaríamos perante números verdadeiramente históricos. Mas disto parece que ninguém quer saber...

É também muito curioso observar o modo diferente como foram tratadas a sondagem da passada semana e a atual.

No dia de hoje, não há nenhuma notícia - repito, nenhuma! - que não "amorteça" o resultado favorável do PS com uma relativização enfraquecedora - "mas" sem maioria absoluta...

Curiosamente, na passada semana, quando a coligação liderou a sondagem da Católica, ninguém se lembrou do mesmo argumento limitativo. E, neste caso, ele seria ainda mais decisivo. É que não há nenhum cenário político em que a coligação possa governar sem ter maioria absoluta.

(Bom, haver há! Se o PCP e o Bloco lhes derem a mão, como sucedeu em 2011...)

Memorabilia diplomatica (XXXIX) - Asilo político

Nas aulas que dou de "Diplomacia e Negociação internacional", a questão do Asilo Político merece um tratamento especial, destacando o diferenciado tratamento da questão um pouco por tido o mundo. Evoquei então uma pequena história.

Há alguns uns anos, num final de manhã, o ministro-conselheiro entrou no meu gabinete, em Brasília, com um ar esbaforido: "Temos aqui na Embaixada um homem a pedir asilo político!". Era 6ª feira, dia em que a Embaixada fechava um pouco mais cedo. Muitos funcionários já tinham mesmo saído.

Uma asilado político é uma "dor-de-cabeça" tradicional na diplomacia. Cada caso é um caso e a doutrina que se desenvolve sobre o assunto situa-se sempre numa margem de grande ambiguidade.

De que se tratava? Um cidadão brasileiro, oriundo de uma localidade a algumas centenas de quilómetros de Brasília, surgira na secção consular da Embaixada, transportando uma grande mala que alguma incúria deixara entrar sem questionar, e afirmara que estava a ser perseguido politicamente pelas autoridades brasileiras, que estava na iminência de ser detido e que, por essa razão, vinha pedir asilo político. Um problema adicional era a mala: segundo disse, ela tinha uma bomba que faria explodir, no caso da sua reivindicação não ser aceite.

Nestas ocasiões, nunca sabemos, à partida, se estamos perante um simples "bluff" ou uma coisa mais séria, obrigando o sentido de responsabilidade a começarmos por considerar a segunda opção. Pedi a um funcionário experiente para ser o único interlocutor do homem e mandei reduzir ao mínimo o pessoal, mantendo-se um total "black-out" para fora da Embaixada sobre o incidente. O homem, desde o primeiro momento, deu sinais de algum desequilíbrio psicológico - factor com que era importante contar mas que não ajudava a nos sossegar. Ao que disse, embora sempre de forma muito confusa, seria amigo de uma personagem política de segunda linha, envolvida num recente escândalo, sentindo-se perseguido e sob ameaça iminente.

Foi-lhe explicado, com muita calma, que o Brasil era um país livre, uma sólida democracia, onde "quem não deve não teme" e onde cada cidadão tem hoje todos os meios possíveis - da comunicação social à Justiça - para assegurar a preservação e defesa dos seus direitos, em especial políticos. No Brasil, há muito que não há presos políticos, pelo que um ambiente de perseguição sem fundamento não era plausível. E que, por essa e por outras razões ligadas à inexistência de um enquadramento jurídico bilateral na matéria, não era possível conceder-lhe asilo.

O homem manteve-se renitente e obstinado, por algumas horas. A certo ponto das conversas que mantinha com o seu interlocutor, mencionou o nome de um deputado brasileiro local, de quem seria conhecido. Telefonei de imediato ao político que me esclareceu que estávamos perante uma pessoa muito desequilibrada, embora pacífica e totalmente inofensiva, de uma profunda religiosidade. Pedi-lhe para falar com o nosso homem, para o acalmar, o que simpaticamente fez.

Entretanto, a questão da religiosidade do homem fez-nos alguma luz! O interlocutor do putativo "asilado", percebendo já o respectivo cansaço, perguntou-lhe, a certo passo, se, em face da sua fé, não quereria aconselhar-se com um sacerdote. O nosso homem hesitou um pouco, mas, ao fim de algumas persuasivas insistências, acabou por dizer que aceitava essa hipótese.

E é aí que as "artes" diplomáticas vêm ao de cima. Num edifício situado a pouco mais de cem metros da Embaixada fica a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Foi-lhe explicado que, mais do que um simples sacerdote, poderia até falar com um bispo! Este "upgrading" religioso pareceu agradar-lhe. Sugerimos ao homem que fosse até lá, que reflectisse com a ajuda dos "bispos" (não fazíamos a mínima ideia se estava por lá algum bispo...) e que, depois, "voltasse para nos dizer alguma coisa". Surpreendentemente, aceitou. Enviei um carro da Embaixada, com o seu interlocutor a acompanhar, levá-lo à porta da CNBB. Pelo caminho, confessou que a mala não tinha nenhuma bomba, que continha apenas roupa...

Não sei pormenores do que aconteceu na conversa do nosso "refugiado" na CNBB, entidade que avisámos telefonicamente do que ia acontecer e que, pelo sim pelo não, não deveriam deixar entrar a mala que o homem transportava. Vim a saber que acabou por regressar nessa tarde a casa, sem mais problemas.

Foi um susto, embora pequeno, um tipo de incidentes que faz parte da vida diplomática.

(Reedição)

quarta-feira, julho 08, 2015

Prazeres

Há dias, num jantar de amigos, veio à baila a eterna questão: por que diabo o cemitério de Campo de Ourique se chama "dos Prazeres"? Ninguém fazia a mais pequena ideia e, para "desempatar", lembrei-me de ligar a alguém que, no que toca à cidade de Lisboa, sabe sempre tudo: o José Sarmento de Matos. O Zé, num segundo, explicou-nos que o cemitério sobranceiro ao vale de Alcântara tem esse nome porque aí havia uma quinta no meio da qual se erguia uma ermida a Nossa Senhora dos Prazeres. 

O cemitério dos Prazeres está ligado à minha memória de infância. Na minha família lisboeta, após a morte de um primo muito jovem, os pais, que lhe haviam erguido um jazigo nos Prazeres, tinham-se mudado propositadamente para uma casa quase em frente ao cemitério, de onde diariamente - e não estou a exagerar - iam visitar o lugar onde estava o depositado o filho. Estão hoje por lá todos.

Poucos meses depois de ter vindo viver para Lisboa, voltei ao Prazeres. Era uma romagem por ocasião do funeral de António Sérgio. Estavamos no início de 1969, um ano que ia ser muito importante na vida política em Portugal, em que a "abertura" que a chegada ao poder de Marcelo Caetano tinha prenunciado revelaria toda a sua falsidade. 

O funeral de António Sérgio, um intelectual e pedagogo humanista, cuja presença no eixo da oposição não comunista fora marcante por muitas décadas (Sérgio foi ministro na I República e tinha sido uma figura central da "Seara Nova"), redundou num ato público de expressão política democrática. Para mim, seria uma espécie de "batismo de fogo" da agitação política lisboeta. Recordo algumas correrias pela rua Saraiva de Carvalho, com a polícia à perna, e de uma imensa bandeira nacional nas mãos de uma figura esguia de homem, que voltaria a encontrar em outras cerimónias republicanas subsequentes.

Eu não conhecia então a cara de muita gente nas hostes da oposição, figuras a que a imprensa dava escasso destaque, "estimulada" pela censura. Nesse dia 25 de janeiro de 1969, notava-se que no centro da manifestação - que, de momentos de silêncio tenso, passou subitamente a palavras de ordem anti-regime, com o hino nacional à mistura, a anteceder o brutal ataque da polícia - havia um núcleo de pessoas que me parecia dominar a cena. Os amigos que comigo iam ajudaram-me a nele identificar algumas figuras. Creio que foi aí que vi, pela primeira vez, Mário Soares, regressado escassos meses antes da sua deportação em S. Tomé. Ao seu lado, ficou-me a imagem de uma mulher ainda jovem, de cabeça bem erguida, com ar determinado, num corpo pequeno: era Maria Barroso. 

46 anos depois, vamos acompanhar Maria Barroso aos Prazeres. Graças a ela, a Mário Soares e a muitos outros que lutaram pela democracia de que usufruímos, fá-lo-emos hoje em plena liberdade. Já não haverá por lá polícia que nos impeça de saudar a memória dos mortos que queremos honrar. Também por isso, os portugueses não a esquecerão.    

terça-feira, julho 07, 2015

Maria Barroso


Há mais de um ano, escrevi por aqui isto:

"Uma senhora por quem tenho, de há muito, um grande respeito: Maria de Jesus Barroso. É uma das figuras públicas portuguesas que, ao longo de todos estes anos, nunca me desiludiu. Combatente contra a ditadura, mulher coragem em tempos pessoais e políticos muito difíceis, mostrou-se sempre, ao lado de Mário Soares, com uma dignidade de que o país se deve orgulhar, consagrando-se como uma personalidade com uma dimensão cultural e cívica que é muito rara entre nós. Escrevo isto com o à-vontade de quem está longe de ser um seu íntimo ou mesmo próximo. Mas não posso esconder a admiração que sinto pela sua coerência e a sua verticalidade."

A dra. Maria de Jesus Barroso morreu hoje. Não acrescento nada ao que escrevi, para além da expressão do meu profundo pesar a toda a sua família.

Acabou a conversa

Olhando em perspetiva, há que convir que o resultado do referendo grego constitui o mais importante desafio com que a União Europeia se confronta, nas suas décadas de existência. O alargamento a Leste, outro desses grandes desafios, resolveu-se formalmente, não obstante o choque de diversidade que induziu. Este desafio tem, porém, uma natureza muito diferente.
 
Foi importante que a votação grega fosse inequívoca. Um resultado equilibrado daria a sensação de que a vontade nacional estava dividida. As coisas ficaram muito claras: a Grécia recusa receitas de austeridade e quer soluções que rompam com os modelos tradicionais. À mesa de Bruxelas estará um parceiro que, mais do que no passado, irá dizer, alto-e-bom-som, que não aceita, não apenas aquilo que pelos outros lhe é proposto que faça, se quiser continuar a ser financiado, mas, essencialmente, que não se revê na filosofia subjacente ao funcionamento do “eurogrupo”. E, legitimada agora por um expressivo voto popular, a Grécia quer mudar as regras do jogo, propondo abrir outros tabuleiros paralelos, como o da reestruturação da dívida.
 
A Grécia tem um novo problema. Como ontem aqui escrevi, o governo grego tem o dever de defender, sem desiludir quem agora o reforçou, um novo e mais imperativo mandato de recusa da austeridade. Nos últimos cinco meses, andou num vai-e-vem de propostas. O referendo deu-lhe agora a possibilidade de transferir para os parceiros europeus o ónus da resolução do problema. Como? Aceitando estes as soluções que a Grécia apresenta, as quais, tendo até uma relativa sensatez, se confrontam com a dificuldade de fugirem por completo à lógica dos restantes parceiros. Podem dizer que estou a simplificar o problema. Não estou, é só isto.
Mas os parceiros europeus da Grécia também têm um novo problema. No passado, tiveram consigo o fator tempo: embora crescentemente irritados, foram deixando prolongar a tramitação negocial, na errónea esperança de que a chegada das “deadlines” temporais para a liquidação dos empréstimos pudesse vergar a vontade grega. Enganaram-se.
Ao impor a votação de domingo, o governo da Grécia conseguiu a dramatização que pretendia. Se as torneiras do financiamento se fecharem, se a miséria se tornar evidente no dia-a-dia, Atenas dirá, agora mais do que nunca, que tal se deve à obstinada intransigência dos credores. E isso não demorará semanas a acontecer, será dentro de dias.
Vamos agora ser testemunhas de um inédito braço-de-ferro, num cenário mais emocional do que nunca. Se, com esta sua atitude, por um golpe de mágica, a Grécia conseguir vir a alterar as políticas financeiras da Europa, “chapeau”! E todos ganharemos, claro, desde logo, Portugal. Se assim não acontecer, se um compromisso de qualquer natureza não vier a estabelecer-se, se a catástrofe financeira for o destino trágico desta aventura, poderemos estar a assistir ao princípio do fim do projeto europeu.
(Artigo que hoje publico no "Diário Económico") 

segunda-feira, julho 06, 2015

A propósito da Grécia

A única guerra justa é a guerra à intolerância. Temos o direito e o dever de lutar, em todos os momentos, contra a intolerância. Mesmo a dos nossos amigos.

Pobre Europa!

Pirro, um general grego, disse a frase célebre: “mais uma vitória como esta e estou perdido”. Tsipras, o vencedor da noite de ontem, ficará na história grega como o homem que recuperou a dignidade da Grécia e vergou os parceiros ou como o condutor do país contra um muro que, nem por ser eventualmente imoral e cínico, deixará de ser destruidor. Logo veremos.

O governo grego decidiu este referendo pela manifesta impossibilidade de fazer aceitar internamente um novo pacote de ajustamento estrutural, num país em que nem um cego deixou de ver que a anterior receita similar falhou rotundamente. É de uma hipocrisia de contabilistas de segunda ordem mostrar o superávite pontual das contas gregas, no trimestre anterior, como um “feito” tributário da bondade da terapia liberal que parece ser hoje o DNA indiscutido no eurogrupo. Com a brutal quebra do produto e a tragédia social que se vive na Grécia, torna-se quase insultuoso ouvir esse argumentário por alguns economistas de trazer por casa (e pelas nossas televisões). 

Com este resultado, Tsipras legitimou amplamente a intransigência que teve nos últimos meses. Porém, por muito que isso desagrade a alguns, o primeiro-ministro grego perdeu ontem qualquer margem de manobra, atou as mãos a si próprio, tornou muito mais imperativo o mandato com que irá agora deslocar-se a Bruxelas. Pressente-se bem a sua linha: mostrar aos parceiros que, pelo teste democrático, aquela era e é a verdadeira vontade da Grécia. E que não haverá outra.

Veremos agora como esses parceiros e as instituições que os representam, quiçá a digerirem ainda a ineficácia da inaceitável chantagem que procuraram fazer sobre o eleitorado grego, se irão comportar. Como acolherão o sorriso vingado de Varoufakis? Estarão dispostos a abrir a caixa de Pandora da reestruturação da dívida? Pandora era grega, mas a história só existiu na mitologia.

Pobre Europa!

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

domingo, julho 05, 2015

Cenários retóricos para a tarde de hoje

O "eurogrupo" e a vitória do "Sim"

Com esta decisão, o povo grego mostrou o seu realismo e a sua vontade de continuar a participar no projeto europeu, sem ceder a pulsões radicais. Com base no memorando que esteve prestes a ser assinado em Bruxelas, estão agora criadas as condições para rapidamente retomar a definição com Atenas dos passos seguintes para a saída da crise. O "eurogrupo" está aberto a dialogar de imediato com as autoridades gregas, as atuais ou outras que eventualmente venham a emergir de uma novo sufrágio, e está disponível para discutir a rápida entrada em vigor de uma ajuda financeira de transição, em moldes a acordar. Congratulamo-nos com esta decisão sábia do povo grego.


O governo grego e a vitória do "sim"

A Europa conseguiu chantagear e intimidar os eleitores gregos. Foi verdadeiramente vergonhosa e anti-democrática a campanha desencadeada contra o governo grego, que condicionou em absoluto esta votação. Esta decisão é a pior possível para o futuro da Grécia, porque implica que Atenas terá de subordinar-se aos ditames dos credores e uma nova onda de austeridade vai cair sobre a população, com previsível instabilidade social. Mas, naturalmente, respeitaremos o sentido desta decisão, que obriga a uma clarificação política sendo que, até lá, será muito difícil perspetivar um modelo de financiamento do dia-a-dia grego. A Europa quis e estimulou esta solução, a Europa fica agora responsabilizada pela gestão das respetivas consequências.


O "eurogrupo" e a vitória do "não"

A decisão soberana do povo grego de dizer não às propostas que as instituições tinham apresentado nos últimos tempos, e que muito se aproximavam daquilo que Atenas anunciou estar disposto a aceitar, não deixa de introduzir um ambiente de quebra de confiança sobre o interesse último da Grécia de permanecer na zona euro. Toda a Europa se ressentirá desta decisão, que, sem ambiguidades, muito lamentamos. Mas o "eurogrupo" está aberto, como sempre esteve, a discutir com as autoridades gregas um novo programa, devendo contudo deixar claro que, do seu mandato está, em absoluto, excluída a possibilidade de fazer depender um futuro acordo de uma nova reestruturação da dívida grega. Não é este o tempo de uma eventual apreciação deste tema. 


O governo grego e a vitória do "não"

O povo grego deu hoje a toda a Europa uma grande lição de maturidade democrática. Com este resultado, que reforça a legitimidade do governo grego e dá completa razão à postura que tem vindo a afirmar perante os credores, vai ser possível à Grécia surgir agora, perante a Europa, com uma voz firme e determinada, com sentido de compromisso mas recusando a austeridade cega e reabrindo a incontornável questão da reestruturação da impagável dívida grega. O governo grego partirá para Bruxelas com toda a sua boa vontade e com o objetivo de encontrar, com os seus parceiros, um novo entendimento, assente em novas bases. Espera-se que alguma Europa, que procurou dividir os gregos e imiscuir-se no seu processo decisório democrático, tenha aprendido a lição. Esta é a vitória da dignidade sobre a tentativa de sujeição.

Memorabilia diplomatica (XXXVIII) - O procurador


Hoje vou falar de uma das mais antigas instituições do Ministério dos Negócios Estrangeiros - o "procurador".

Confrontei-me com ela nos corredores do palácio das Necessidades, durante o período em que fazia as provas para a entrada na carreira diplomática. Um dia, fui aproximado por um contínuo que me perguntou: "O senhor doutor já tem procurador?". Devo ter olhado para ele com cara espantada: "Procurador?! Para quê?". O homem explicou, em breves palavras, que todos os diplomatas, sem excepção, tinham "o seu procurador", alguém que lhes tratava de receber o vencimento (!?) e que era muito útil para várias coisas, em especial quando no estrangeiro. E propunha-se para ser meu procurador, claro.

Ora eu ainda não tinha sequer passado as provas orais, estava a anos de partir para o estrangeiro, por que raio precisava de um procurador? Mas lá fiquei com o cartão do homem. À medida que os exames iam decorrendo, pelas esquinas dos claustros, foram aparecendo outros contínuos ou motoristas a deixarem-me cartões. E eu ia-os guardando, mais por curiosidade do que por convicção.

Entrado no Ministério, colegas mais velhos perguntavam-me: "Já escolheste procurador?". Eu dizia que não, eles estranhavam e, por regra, gabavam logo as vantagens que haveria em escolher o seu. Mas eu continuava relutante e não contratava ninguém. Fazia até uma certa gala nessa atitude singular.

Até que chegou o primeiro fim-do-mês. Perguntei a alguém onde se recebia o vencimento. Nesse tempo não havia ainda o sistema de crédito em conta bancária. O salário mensal vinha em envelopes, com as notas e as moedas dentro. "O teu procurador é que trata disso" - foi a resposta. Sim, mas eu, que não tinha procurador, como é que fazia?: "Não tens procurador? Isso é muito complicado, sem procurador nem sei como é possível receber o salário. Ele é que leva 'as folhas' ao banco".

Sabia lá eu o que eram "as folhas"! Entrei em fúria. Já tinha sido funcionário público noutro departamento do Estado e nunca tinha tido dificuldade em receber o salário. Era agora, no MNE, que isso ia ser impossível? "Vai ao 4º andar, pode ser que te informem de outra maneira de receberes o dinheiro, mas, desde já te digo, não vai ser nada fácil" - disse-me uma voz amiga, embora muito céptica.

Faço aqui um parêntesis para explicar que o "4º andar" é o andar do poder administrativo do MNE, da mesma maneira que o "3º andar" é o andar do poder político, onde está o gabinete do Ministro e, antes, também estava o do Secretário-Geral, até que um "golpe de mão" do ministro Deus Pinheiro praticamente "correu" com o chefe da carreira do gabinete que ocupava há décadas. Mas, na realidade, se se entrar no MNE pelo Largo do Rilvas, o 4º andar é, verdadeiramente ... o 2º andar! Na "casa", as contas fazem-se sempre desde "lá de baixo", de outros andares que só se vêem da Tapada das Necessidades. E estas coisas, no MNE, já não se discutem. Aliás, na conversa normal da carreira, é vulgar ouvir-se: "Falei hoje com o 4º andar sobre as promoções, mas disseram-me que o assunto ainda não tinha saído do 3º andar". Frase que, às vezes, é complementada por outra ainda mais críptica: "Dizem que é a 7ª que está a criar dificuldades". A "7ª" significava a 7ª repartição da Contabilidade Pública, então o braço armado do Ministério das Finanças dentro do MNE.

E lá fui eu ao 4º andar. Eram dois corredores em cruz ("et pour cause"...), sem nada que identificasse o que fazia quem estava por detrás daquela imensidão de portas fechadas. Andei de seca para meca, a entrar e a sair de salas atulhadas de senhoras, algumas que vim a saber historicamente poderosas: Olhavam com superioridade o jovem "adido de Embaixada" que eu era, particularmente o teimoso que não queria ter procurador: "Ó dona Maria Garcia, está aqui um doutor que quer receber o ordenado sem ter procurador!" - dizia uma delas, como se acabasse de avistar um extra-terrestre, provocando a concentração em mim de dezenas de olhos incrédulos, acompanhados por alguns sorrisos de benévola piedade. "Isso só vendo amanhã, passe então por cá da parte da tarde, pode ser que estejam por aí as 'folhas', mas olhe que vai ter muito trabalho, ó doutor!", advertiu-me logo alguém. No dia seguinte, afinal, também não foi possível. E, no outro, as 'folhas' ainda não apareciam... "To make a long story short", cedi e lá acabei por arranjar um procurador...

Verdade seja que, se o procurador era quase inútil em Lisboa, ele era, num tempo sem internet e com dificuldades de comunicação, precioso durante as nossas longas estadas no estrangeiro: ia aos bancos, pagava contas, mandava e expedia correspondência, fazia diligências de todo o tipo (alfaiates e costureiras incluídos). Contudo, para mim, a sua função mais apreciada era e continua a ser mandar-me livros e jornais pela mala diplomática.

Entre os procuradores, houve sempre "classes" bem distintas e até gratificações diferentes: os procuradores mais "finos" só tratavam de prestigiados embaixadores e já não aceitavam "mais gente". Outros, eles próprios mais velhos, dedicavam-se preferencialmente a diplomatas muito antigos, já na reforma ou perto dela. Finalmente, os mais novos procuravam singrar na vida através de clientela das gerações recentes. Os mais afortunados ou poderosos tinham mesmo cubículos ou vãos de escada, com chave própria, onde guardavam os embrulhos e envelopes. E, se bem me lembro, alguns havia que já subcontratavam mais novos, para tarefas ou deslocações mais pesadas.

Na minha memória de algumas décadas, o grande procurador do MNE foi o senhor Jaime Matos, homem da portaria, figura de grande educação e óptimo trato, sempre delicado, mesmo para os mais novos. Nunca foi meu procurador, mas eram famosas as cartas com que fazia acompanhar as contas mensais, nas quais pré-anunciava os "movimentos diplomáticos": "Saiba Vossa Excelência que consta pelos corredores que o Senhor Embaixador X poderá vir a ser substituído em breve pelo Senhor Ministro Plenipotenciário Y, que corre que será promovido. Quem não estará contente, ao que se diz, é o Senhor Embaixador Z, que agora poderá que ter de aceitar "tal posto"...". E depois, modestamente, terminava: "Mas Vossa Excelência sabe, bem melhor do que eu, que isto podem ser só boatos...". Qual quê! O Matos acertava sempre, pelo cruzamento de ouvidos vários, que faziam da portaria do Ministério um lugar privilegiado de informação.

Confesso que não sei se, nos dias de hoje, os meus colegas mais jovens ainda têm o seu procurador. Provavelmente já não. Eu tive um, de uma eficácia imbatível e que, além do mais, se transformou num querido amigo.

(Reedição adaptada)

sábado, julho 04, 2015

O panarício

Há muitos anos, o nosso Raul Solnado, numa daquelas suas deliciosas historietas, falava, a certo ponto, de "um panarício e meia dúzia de bicos de papagaio", a propósito de um rol de padecimentos de alguém.

Ao olhar uma radiografia minha, há uns dias, um especialista fez-me notar umas coisas brancas e disse-me, pedagógico: "Sabe o que isto é, não sabe? São bicos de papagaio". Fiquei ciente, como se diz na minha terra.

Hoje, numa farmácia, mostrei um dedo dorido e ouvi da senhora do balcão: "Ah! Mas isto é um panarício!". Aqui entre nós, até ao dia de hoje, eu não fazia a menor ideia do que era um panarício...

Que pena tenho de já não poder dizer ao Raul, nas nossas divertidas charlas na "Dois" do Procópio, que, também eu, finalmente, tenho "um panarício e meia dúzia de bicos de papagaio".

sexta-feira, julho 03, 2015

As voltas do Eusébio

Um turista, de chanatas, olhava há pouco o passeante féretro de Eusébio por Lisboa, a caminho da companhia de Garrett, Sophia e Aquilino.

Viu escrito num cartaz "o rei morreu" e, com o português já aprendido entre as casas de fado e os balcões do absinto, perguntou a um transeunte:

- Has the king died?

O rapazola, camisola vermelhusca no dorso, inglês de engate, respondeu:

- Yes! The king! "Eusibio", como ele achava que se diz Eusébio p'ra camones.

A pergunta/resposta do turista, ciente, apesar de tudo, de estar em pátria jacobina e sem coroas, foi deliciosa:

- Was he in exile? Where?

Ao lado, um meu amigo, lagarto de coração de leão, que acaba de me contar a cena, não terá tido a coragem de explicar ter sido precisamente o Lumiar o lugar de "exílio"...

(Obrigado Tó Luis!)

A Grécia e a irracionalidade


O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schultz, uma figura altamente estimável, por quem tenho elevado apreço pessoal e que, por mais de uma vez, deu mostras de ser um bom amigo de Portugal, também se deixou contaminar pela irracionalidade. Schulz propôs que fosse criado um governo "tecnocrático" em Atenas, o que, em especial nesta delicada conjuntura, é uma inaceitável ingerência nos assuntos internos do país, vindo de uma das mais altas figuras da constelação eurocrática de poderes. A resposta que mereceria dos gregos devia ser um forte "mind your business!".

Mas a irracionalidade não fica só por este lado. Percebo que a defesa do "não" seja assumida como um gesto com uma forte justificação emocional, como denúncia indignada de um modelo de austeridade que, de facto, também não funcionou por ali, deslegitimando assim a aceitação de um novo pacote de sofrimento nacional imposto pelos credores. Mas, para além disso, o "sim" também me não parece ser solução para nada, dado que vai criar um imenso impasse político, com obrigatoriedade de novas eleições e um período de grande indecisão quanto ao futuro. Mas, voltando ao "não", devo dizer que ainda não encontrei alguém que me explicasse (para além do "porque sim!") a racionalidade da ideia de que, com ele no bolso, o governo grego chegará a Bruxelas e conseguirá, de imediato, melhores condições para negociar do que as que teve até agora. Tudo isto me parece muito "wishful thinking", mas admito que possa ser eu quem está a ver mal as coisas. Resta-me a vantagem de não ser grego e, por isso, não ter de optar.

quinta-feira, julho 02, 2015

Notas para dois amigos

                     

Caro Sérgio

Com a vida a ocupar-nos as agendas, ainda não falámos desde que trocámos mensagens por ocasião da tua nomeação para diretor de informação da TVI. E, podes crer, não é com gosto que esta minha nota, que tem de ser pública, seja para lamentar a decisão de afastamento do Augusto Santos Silva da sua "coluna" de comentário semanal. Sei que as coisas às vezes são mais complexas do que parecem. Por isso, por não conhecer os detalhes da decisão, imagino que eles possam eventualmente ser mais esclarecedores do que aquilo que já veio a público. Mas, para já, e antes que esses possíveis factos sejam conhecidos, apenas me posso pronunciar sobre os resultados. E esses são claros: o pluralismo dentro das nossas televisões sofreu um imenso "trambolhão" e, até ver, isso foi da tua responsabilidade pessoal. Sentir-me-ia mal se não to dissesse. Já nos conhecemos há muito tempo e, como sabes, nunca me dei ao luxo de esconder o que penso. Principalmente aos amigos, como tu és.

Um forte abraço

Francisco


                    


Caro Augusto

Agora que o teu mano-a-mano com o Paulo Magalhães saiu de cena, quero deixar-te um abraço de gratidão. Ao longo de muito tempo, foste capaz de dar voz a uma visão das coisas que, estando muitas vezes bem longe de ir com "l'air du temps", era importante que fosse conhecida. Só aos patetas soava como uma visão partidária oficiosa. É de quem te não conhece! A tua palavra, serena, inteligente e acutilante, com a dignidade de quem pensa sempre pela sua cabeça e sabe, como poucos, exprimir organizadamente as ideias, vai fazer falta nas noites da TVI 24, e digo-o agora mesmo ao Sérgio Figueiredo. Alguns, claro!, estão a exultar já, pelo mundo das "redes sociais", com a tua saída de cena. Não imaginam que é o maior elogio que te podem fazer! 

Um solidário abraço do

Francisco

Ubiquidade

Cruzei-o ontem à saída do Procópio onde fui beber uma cerveja, depois de sair da universidade, cerca das onze da noite, logo depois de duas horas de aula aos esperançados e atentos candidatos a serem futuros diplomatas.

- Eh, pá! O que é que se passou ontem? Liguei um canal e estavas, todo engravatado, a falar da Grécia. Num "zapping" apanho-te, colarinho aberto "à Syriza", noutro canal, sobre o mesmo assunto. E à mesma hora! Fui-me deitar e até contei à minha mulher. Sabes o que é que ela disse? "Pode lá ser! Tás c'os copos, é o que é. Já te disse: bebe menos whisky à noite..."

Não estava com os copos. Aconteceu. Como dizia o outro, "hard times"...  

quarta-feira, julho 01, 2015

UNESCO

Em 2012, este governo decidiu que a nossa missão junto da UNESCO deveria deixar de ter um embaixador dedicado exclusivamente à organização e que o lugar deveria passar a ser exercido, cumulativamente, pelo embaixador em França. 

Várias vozes se fizeram então ouvir contra esta decisão, tentando mostrar a insensatez da mesma, num tempo em que o país comemorava ainda a elevação do Fado a "património imaterial" da UNESCO, quando, no seio da organização, levávamos a cabo uma delicada negociação para a compatibilização da construção da barragem Foz Tua com o estatuto do Alto Douro Vinhateiro como "património material", para além de outros dossiês complexos em curso. 

Procurou-se mostrar que não tinha sentido Portugal enfraquecer uma das principais frentes de defesa e promoção da língua portuguesa, numa organização a que o Brasil ou Angola dedicavam embaixadores e grande atenção, onde um modelo como o português, no quadro da União Europeia, só era seguido por um grupo reduzidíssimo de minúsculos países. Finalmente, explicou-se que o acompanhamento das questões do Mar, a que Portugal dedicava uma atenção, pelo menos retórica, ficaria debilitado por este gesto. Nada feito: a decisão de retirar o embaixador dedicado à UNESCO era definitiva.

O diplomata que ocupava o posto da UNESCO estava nele há menos de um ano e foi transferido para outro destino. Mudar um embaixador é caro, envolve encargos importantes, significa a perda de uma rede de contactos entretanto estabelecidos. Encerrar uma residência de uma embaixada também, com finalização de contratos, despedimento de pessoal, transporte de mobiliário, etc. Mas a decisão do governo, e do ministro que a titulou, cumpriu-se. E o embaixador em Paris (que, por acaso, era eu) assumiu as funções e as respetivas tarefas.

Passaram três anos. O governo decide agora recolocar um embaixador na UNESCO. Nunca o devia ter retirado. E lá vamos agora ter que realugar uma casa, mobilá-la, recontratar pessoal e toda a imensidão de passos necessários à instalação do novo chefe da missão, o qual, entretanto, nem gabinete passou a ter nos escritórios junto da UNESCO, dispensado então por desnecessário. 

O que é que se terá passado para justificar que o mesmo governo que, com "sólida" argumentação, tomou a anterior decisão assuma agora uma posição inversa? Mudou o ministro? Ora essa! Então as decisões não são colegiais, do governo? E nesse governo não é hoje vice-primeiro-ministro a mesma pessoa que, em 2012, era o ministro dos Negócios estrangeiros? 

Andam a brincar com o dinheiro e a dignidade do Estado, com este ao sabor de humores de quem conjunturalmente o titula. 

Norte-Sul



É hoje entregue em Lisboa o prémio que o Centro Norte-Sul, do Conselho da Europa, anualmente atribui a duas personalidades - uma do Norte e outra do Sul - que se destacaram na defesa do princípio da solidariedade e entendimento entre os povos.

O Centro Norte-Sul foi criado no nosso país há precisamente 25 anos. Nos últimos tempos, o Centro tem vindo a lutar pela sua existência, por virtude do facto de alguns do Estados originalmente integrantes terem decidido afastar-se, por considerarem que a panóplia de iniciativas que hoje ligam o Norte e o Sul é servida instituições que desenvolvem um trabalho paralelo, nomeadamente no quadro da União Europeia.

Portugal não tem o mesmo entendimento e, em especial através da sua delegação junto do Conselho da Europa, tem vindo a desenvolver uma luta persistente com vista à manutenção do Centro, vindo a conseguir, paulatinamente, uma retoma no interesse pela sua atividade, demonstrado já por novas e recentes adesões.

Entre 2013 e 2014, tive o gosto de dirigir o Centro, sob proposta portuguesa e nomeação do Secretário-Geral do Conselho da Europa. Nos dias que corre, o Centro é liderado por José Frederico Ludovice, que tem conduzido a estrutura com grande eficácia. Aproveito para saudar aqui o pequeno mas muito competente grupo de especialistas que hoje compõe o Centro Norte-Sul, a cujo empenhamento e entusiasmo se deve a possibilidade dele cumprir agora o seu orgulhoso e merecido quarto de século de existência.

terça-feira, junho 30, 2015

Lembrar algumas coisas muito simples

Vamos a ver se nos entendemos. Tal como todos os países fizeram, Portugal aproveitou a "bonança" criada pelo efeito positivo das políticas intervencionistas do BCE para adquirir no mercado de capitais nova dívida, a juros mais baixos. São esses os "cofres cheios" de que falava a ministra das Finanças. Esse dinheiro (essa nova dívida, volto a sublinhar) servirá para liquidar as próximas responsabilidades de Portugal, no termo das maturidades de dívida anterior. Foi um bambúrrio conjuntural, infelizmente irrepetível, no curto prazo: como se viu, para Portugal, os custos de nova dívida dispararam já com o caso grego e, a menos que uma nova (e por ora não expectável) política financeira europeia viesse a gerar um outro "milagre", num futuro não muito longínquo Portugal ver-se-á de novo em apertos. Porquê? Porque o seu serviço de dívida (os juros a pagar) é elevado e porque os mercados não acreditam na sustentabilidade de uma dívida que ultrapassa em 30% a riqueza total que o nosso país pode produzir num ano (quando pedimos ajuda à "troika" a dívida era 90% do PIB, hoje é de 130%). Como se pode ter essa certeza? Basta olhar para o modo como as agência de rating olham Portugal, avaliando o nosso crescimento potencial, à luz da nossa continuada escassa produtividade. É por essas agências que os investidores se orientam e elas, que se regem por índices técnicos, continuam a colocar-nos no nível "lixo". As coisas são, na sua complexidade, bastante simples. Para além da propaganda, claro.

Memorabilia diplomatica (XXXVII) - A telefonista


Aquela telefonista era muito rigorosa e precisa: tudo o que não fosse relacionado com o serviço da Embaixada era imediatamente reencaminhado.

A chamada que recebeu nessa manhã teve a resposta devida. O interlocutor perguntou quem, na Embaixada, o poderia informar sobre as datas de nascimento e morte do rei dom João I.

A funcionária não hesitou: "Nascimentos e falecimentos não é connosco. Isso são coisas consulares. Vou dar-lhe o telefone do Consulado-Geral". E deu...
 
(Reedição)

segunda-feira, junho 29, 2015

Sectarismo

Foi há poucos dias. Aquele meu amigo tinha vivido muitos anos no Brasil. Adorava o país, gostava das gentes, casara com uma brasileira, por lá tinha nascido o seu filho. O Brasil era a sua memória de anos felizes, Agora, vivendo em Portugal, seguia com atenção a situação brasileira, preocupava-se com a tensão política e social, lamentava a quebra económica do país, ansiava o momento de voltar lá, em férias.

O jantar, aqui por Lisboa, tinha portugueses e brasileiros. A certa altura, chegou um convidado vindo na véspera do outro lado do Atlântico. O meu amigo, interessado na situação política, lançou-lhe uma pergunta sobre como estavam as coisas por lá, como evoluía a apreciação da presidente. A resposta, "grossa", gelou a sala:

- Se alguém aqui é "petista", acaba já a conversa sobre política! 

O meu amigo, ao contar-me esta história, disse saber que os ânimos, nos dias de hoje, andam bem exaltados em muitas cabeças brasileiras. Mas nunca pensou que as coisas pudessem chegar àquele ponto. Nunca vira nada igual.

No fundo, o meu amigo é um ingénuo. Se acaso lesse o Facebook ou os blogues, logo veria que, sobre a Grécia, as opiniões por cá não são menos sectárias.

Tudo cada vez mais claro