segunda-feira, maio 14, 2012

Presidência

Hoje, François Hollande, toma posse como novo presidente francês. Apesar da sua eleição se ter processado no termo de uma campanha muito tensa, com grande mobilização popular e forte participação nas urnas, sob uma notória bipolarização, o ambiente que rodeia a chegada do segundo presidente socialista ao Eliseu está já muito longe daquele que, em 1981, marcou a eleição de François Mitterrand. A ascensão democrática de François Hollande é aqui sentida com total naturalidade, como normal teria sido a reeleição do anterior presidente.

As coisas não foram assim em 1981. Vivia-se ainda então um tempo de "guerra fria", com a "détente" a fazer o seu paciente caminho. A entrada dos comunistas no governo francês era vista, por alguns, com um temor histórico quase existencial, sem que houvesse a perceção de que esse passo foi, precisamente, o princípio do fim da grande influência que o PCF detinha na política francesa, desde a Resistência. Recordo-me bem que, ao tempo, algumas "cassandras" falavam mesmo da possibilidade de, dentro em pouco, haver "carros de combate soviéticos na praça da Concórdia".

Ao jantar, comentava com um jovem francês esse ambiente de então, que ele não tinha vivido. E concluímos que o mundo já não é o que era: nos dias de hoje, já nem sequer há soviéticos...

São Moreirense

Acabo de saber e rejubilo: o Moreirense subiu à Primeira Liga!

Há tempos, um cronista de restaurantes que, na revista "Sábado", dava pelo nome de Augusto Maria de Saa, deu a um seu artigo o título de "Já viu jogar o Moreirense?". Que raio de pergunta! Nunca vi jogar o Moreirense, nem faço tenções de o fazer. Mas então, qual a razão do júbilo? 

Porque o texto chamava a atenção para o facto de, precisamente ao lado do estádio do Moreirense, se situar aquele que, para muitos, é o melhor restaurante de Portugal - o "São Gião". (Por mim, já o tinha dito aqui)

Agora, com a equipa vizinha ascendida à divisão principal do nosso futebol, o "São Gião" vai passar a ter nova e farta freguesia. Nestes tempos de troika & tralhas correlativas, é muito bom que o negócio do "São Gião" progrida. Só peço ao Fernando Pedro Nunes que os preços não "sofram" com a avalanche e que continue a garantir-me uma mesa nessa incomparável "catedral" de restauração de Moreira de Cónegos.

domingo, maio 13, 2012

Viagens

Leio hoje anunciado, pelo que deve ser verdade...

No dia 15 de julho, com os meus colegas diplomatas Marcello Mathias e António Monteiro, vou falar em Coimbra, na Quinta das Lágrimas, no Festival das Artes, sobre "As viagens dos portugueses, cinco séculos depois - Ásia, Brasil, África".

O convite partiu do nosso comum amigo José Miguel Júdice e da Fundação Inês de Castro. Esperamos que esta "troika" viajante possa trazer um saldo positivo para a conversa.

sábado, maio 12, 2012

"Paris vs New York"

É um livro divertido, por onde perpassa um humor culto, que traça um olhar sereno, mas muito atento e informado, sobre as dissemelhanças entre Paris e Nova Iorque.

A ideia nasceu num blogue e, já há vários meses, saiu em França um volume de desenhos sobre os contrastes nos hábitos e a vida de duas belas cidades. 

Tendo vivido em ambos os locais, recomendo.

sexta-feira, maio 11, 2012

Cesária lusófona

Ontem, comemorando o dia da Língua portuguesa, os países lusófonos encheram o grande auditório da UNESCO, numa homenagem musical a Cesária Évora, que, no ano passado, morreu aqui em Paris.

Se bem pensarmos, Cesária é uma das poucas intérpretes que hoje é comum a todo o mundo da lusofonia, que com a sua música se identifica com naturalidade. Talvez isso se deva ao facto do seu país de origem, Cabo Verde, ser, enquanto espaço de expressão cultural e humana, um espaço de cruzamento com uma riqueza bastante atípica.

quinta-feira, maio 10, 2012

Chandeigne

Desde há algumas semanas, a Librairie Portugaise et Brésilienne, de Michel Chandeigne, tem novas instalações, no 19/21 rue des Fossés Saint Jacques, Place de Estrapade, 75005 Paris, numa zona próxima do seu antigo endereço, também na zona do Panthéon. Aí pode ser encontrada uma muito boa oferta de títulos em língua portuguesa, originários de vários países, bem como de traduções francesas de muitas obras das culturas que se expressam na nossa língua.

Michel Chandeigne é uma personalidade a quem a cultura portuguesa em França muito deve, quer através das edições que promove, quer pelo trabalho desenvolvido na livraria, quer, igualmente, por toda a difusão da História e da cultura portuguesa que tem feito, em múltiplas conferências e palestras.

quarta-feira, maio 09, 2012

Os "Gês"

Há dias, numa conferência em Paris, Alfredo Valladão, um amigo brasileiro que, há muitos anos, é aqui professor universitário, falou sobre a relação entre o G8 (grupo que reúne os oito países mais industrializados do mundo) e o muito mais recente G20, onde esses Estados estão agora lado-a-lado com os "países emergentes" (como o Brasil ou a Índia) e um conjunto de outros de menor dimensão económica (aliás, já bem mais de 20...).

Numa graça, durante a sua intervenção, Valladão comentou: "No passado, os "emergentes" estavam no menu do G8. Agora estão a comer à mesa com eles". É pura realidade: com a sua crescente relevância à escala mundial, os "emergentes" como que forçaram os G8 a abrirem-se. 

Formalmente, o G8 continua a existir, embora a sua agenda, a regular sempre por consenso, seja cada vez menos substantiva, o que se ficará a dever, em grande parte, às reticências crescentes que chegam das bandas de Moscovo. Já o G20, que teve horas de glória mediática no auge da crise financeira, sendo um palco para afirmação de esperanças salvíficas de um novo entendimento universal, parece estar hoje em alguma "panne" decisória significativa, passado que foi, para alguns, o momento maior do susto.

Portugal, que não tem dimensão económica para poder ter ambição sequer de entrar no G20, olha para estes fóruns de designação cooptativa a uma certa distância, cabendo-lhe apenas tentar neles projetar os seus interesses, nomeadamente através da União europeia e de outros países com os quais tenha especiais relações ou identidade de posições. Mas, a prazo, o nosso país tem uma obrigação estratégica de lutar para que as decisões que possam afetar os seus interesses como país sejam reconduzidas para as estruturas multilaterais competentes, nomeadamente as Nações Unidas e as suas agências, bem como as instituições de Bretton Woods (FMI e Banco mundial). Os países mais fracos não têm nenhuma vantagem de verem decidido pelo outros o seu destino e, muito em especial, têm sempre a ganhar em que o processo decisório que os afete assente em modelos de representação democrática, controlada por regras transparentes e equitativas. E é uma evidência que o G8 e o G20, sendo uma realidade incontornável que há que ter em conta, estão muito longe de poderem, com total legitimidade, representar a comunidade internacional.

Emmanuel

Emmanuel Demarcy-Mota recebeu na passada semana, as insígnias da "Légion d'honneur", a mais prestigiada das condecorações francesas. Tive o gosto de estar presente, como seu convidado, nesta cerimónia, representando um país que o Emmanuel sempre identifica e reivindica publicamente como seu, a par da sua orgulhosa cidadania francesa.

aqui se falou, por mais de uma vez, de Emmanuel. Mas creio que muitos portugueses desconhecem ainda que o teatro, em França, tem hoje um cidadão luso-francês como um dos seus maiores expoentes. Com apenas 41 anos, o atual diretor do "Théâtre de la Ville" tem já uma impressionante carreira, feita de grandes sucessos. Mas gostava de sublinhar, porque sou disso uma testemunha privilegiada, que Emmanuel Démarcy-Mota tem sido igualmente o empenhado promotor de uma dedicada cooperação com várias instituições artísticas portuguesas. Também, nós, por isso, lhe devemos uma palavra de gratidão, que aqui quero deixar registada, a par de um abraço amigo de felicitações.

No agradecimento ao ministro Frédéric Mitterrand, Emmanuel Demarcy-Mota prometeu "travailler plus pour partager plus", uma expressão que é uma subtil e não inocente evolução do "travailler plus pour gagner plus", que o agora cessante presidente da República lançou, em 2007, como lema programático para a sociedade francesa durante o seu mandato.  

terça-feira, maio 08, 2012

Obra-prima

Aquele membro de um gabinete político estava contentíssimo. E com razão. Naquela viagem de Estado, num mercado de arte, fizera uma compra de um belo quadro, uma cópia perfeita de uma conhecida obra-prima. E o preço fora bem razoável.

Simpático, não se cansava de avisar os outros membros da delegação das oportunidades do mercado de arte local: "Vocês não percam esta oportunidade! Aproveitem! São cópias autênticas..."

A República francesa

Nada obrigava Nicolas Sarkozy a convidar François Hollande a estar, ao seu lado, nas comemorações que, esta manhã, tiveram lugar, no Arco do Triunfo, para celebrar o aniversário do fim da segunda Grande guerra. E, para o recém-eleito presidente, estava longe de ser obrigatória a sua presença na cerimónia, numa posição que, apesar de tudo, não deixava de ser secundária.

Mas ambos o fizeram, ultrapassando, com uma grande dignidade republicana, a acrimónia de uma campanha eleitoral muito dura, com a finalidade de transmitirem a imagem de uma França que deve estar unida nas suas grandes datas nacionais, ao mesmo tempo que marca um sentido profundo da continuidade do Estado. Esta foi mais uma bela lição que a democracia francesa deu ao mundo.

segunda-feira, maio 07, 2012

A mesa

O secretário de embaixada, naquele posto diplomático isolado, num qualquer lugar do mundo, numa cidade cujo nome me escapa, conhecia ainda mal o seu novo embaixador, que há dias havia chegado. 

Já dera para perceber que se tratava de uma personalidade algo solitária, um pouco sentenciosa, com ideias muito firmes a propósito de tudo. E parecia ser, pelo menos a avaliar por certas atitudes, uma pessoa algo desconfiada. Mas era simpático, e isso é sempre o mais importante, numa embaixada pequena, onde é decisivo preservar uma boa relação entre o chefe de missão e o seu direto e único colaborador diplomático.

O secretário ficou agradavelmente surpreendido quando, numa manhã, o novo embaixador o chamou e inquiriu: "Você, que já está cá há um tempo, diga-me lá: qual é o melhor restaurante da cidade?". O jovem diplomata hesitou um pouco. Os seus "cabedais" não davam para frequentar muito os melhores restaurantes, naquela que era considerada, ao tempo, uma das cidades mais caras do mundo. Mas, naturalmente, ouvira falar nos mais badalados lugares dessa capital. E, sob reserva de não ainda lá ido, indicou um nome bastante conhecido.

O embaixador, além de simpático, era uma homem generoso, como o gesto imediato demonstrou e o futuro viria a provar. "Se você não tiver nada combinado, convido-o para almoçar nesse restaurante", disse o embaixador. O secretário estava disponível, achou graça à ideia e, de imediato, acedeu ao pedido do seu novo chefe para providenciar a marcação de uma mesa. Na conversa telefónica com o restaurante, deixou cair que a reserva era para o embaixador português, por forma a procurar assegurar um acolhimento à altura.

Chegados ao restaurante tiveram, de facto, um tratamento singularizado. O "maître" veio esperá-los e, desde logo, identificou o embaixador, a quem designou pelo seu título. O secretário julgava que o seu chefe havia ficado satisfeito com o facto, mas só até ao momento em que se viu, em voz baixa e desagradada, criticado pela indiscrição cometida: "Quem é que o mandou dizer que eu era embaixador?" O secretário ainda balbuciou algo, mas logo foram conduzidos, em grande estilo, através da larga sala. 

Chegaram à mesa. Tinha uma vista magnífica, sobre a cidade, junto a uma varanda isolada, num espaço algo recatado e protegido do resto da sala. O secretário pensou para consigo: "Com uma mesa destas, o homem já deve estar a pensar que, afinal, fiz bem em revelar que ele era embaixador". Enganou-se.

O embaixador estacou, fez uma cara séria e, voltando-se para o "maître d'hôtel", perguntou: "Não tem outra mesa disponível?". O homem ficou siderado. Havia, de facto, vários outras mesas vagas na sala, mas aquela era, flagrantemente, "a" mesa do restaurante, seguramente a mais requestada pelos clientes. Desejoso de agradar, o funcionário ainda tentou explicar que aquele era o melhor lugar da sala. Irredutível, o embaixador escolheu outra mesa e, já perante o embaraço e a perplexidade do seu secretário, lá se sentou, pedindo o menu e a carta de vinhos.

Passaram-se uns instantes, em silêncio, até que o embaixador olhou o secretário e lhe disse: "Meu caro, você é um jovem, este é o seu primeiro posto, ainda tem uma grande experiência a ganhar. Não devia ter dito que era o embaixador de Portugal que vinha aqui almoçar. Isso identifica-nos e coloca-nos logo sob observação". O comentário era bizarro, mas mais estranha foi ainda a revelação que se seguiu: "E sabe porque é que eu não aceitei aquela  mesa, embora tivesse uma excelente vista?". O secretário não sabia, aliás, já concluíra que não percebia nada do que se estava a passar. "Porque aquela mesa que nos deram, pela certa!, é uma mesa com microfones. A nossa conversa ia ser escutada. Isto é um mundo muito complexo, meu caro. Com os anos, você verá!", disse o embaixador, já pedindo o vinho, e mudando de conversa.

O secretário ficou aquilo a que os franceses chamam "bouche bée". Começava a conhecer melhor o embaixador que lhe "calhara em rifa" e, intimamente dividido entre saber se os seus próximos anos iam ser divertidos ou complicados, perguntava-se (mas não perguntou ao seu chefe, porque percebia que já não valia a pena) que utilidade teria para os serviços secretos desse país gravarem, traduzirem e "tratarem" em termos de "intelligence" a conversa de circunstância entre um embaixador português e o seu secretário. 

Grécia


Hoje

A França acordou hoje diferente, por sua livre vontade, por deliberada opção em favor da mudança, num tempo em que a preocupação com o futuro levou uma maioria de eleitores a designar, para a chefia do Estado e para a condução da governação, alguém que lhes propõe novos rumos. 

Durante semanas, assistimos por aqui a um magnífico exercício de democracia, a debates com grande vivacidade e à livre contraposição de projetos. Como tem vindo a acontecer um pouco pela Europa, nesse espaço de liberdade emergiram algumas vozes e ideias que acordaram perigosos e divisivos fantasmas. Mas a França é um velho e grande país, habituado a este tipo de embates, com instituições fortes e respeitadas. O futuro da democracia francesa não apresenta quaisquer nuvens.

Para Portugal, um amigo tradicional da França, onde hoje vive a nossa maior comunidade no exterior e onde se integraram já, de uma forma quase ímpar, centenas de milhares de cidadãos de origem portuguesa, a solidez do processo político francês é uma garantia da estabilidade naquele que é hoje um dos nossos principais parceiros comerciais e turísticos, bem como o nosso maior investidor externo. Mas, mais importante do que isso, um país com o qual partilhamos essa comunidade de valores e de destino que é a Europa comunitária, a qual, podendo ter imensos problemas para resolver, continua a ser, ainda assim, o espaço privilegiado onde, para eles, poderão ser encontradas as necessárias soluções.   

domingo, maio 06, 2012

O ministro presciente

Na passada sexta-feira, numa cerimónia a que assisti no ministério francês da Cultura, o ministro Frédéric Mitterrand falava, a certo ponto, de algumas das canções mais famosas de Helène Segara, sublinhando aquilo que a sua memória retivera de cada uma delas.

Quando lembrava a canção "Je vous aime, adieu!", suspendeu a leitura do texto, voltou-se para a assistência e perguntou-se: "Por que será que, nesta altura, isto tem algum sentido?"

A sala reagiu, com sonoras gargalhadas, à graça presciente do ministro da administração de Nicolas Sarkozy, que também poderá não ter esquecido, nesse mesmo instante, a sua qualidade de sobrinho de um socialista homónimo chegado à presidência da República francesa.

sábado, maio 05, 2012

Nós e a França

Não deixa de ser interessante verificar o modo como a atual política interna francesa tem vindo a ser acompanhada em Portugal, a começar pela importância que foi dada ao recente debate eleitoral, que chegou a ser transmitido em direto em televisões do nosso país. Nestes dias, há por Paris um número significativo de jornalistas portugueses e os nossos comentadores domésticos desdobram-se em imaginativas especulações, algumas muito bem informadas, outras nem por isso.

Será que a decisão política que os franceses hoje vão tomar, a nível interno, é assim tão importante para nós? Será ela relevante para as centenas de milhares de cidadãos portugueses, ou de origem portuguesa, que por aqui vivem? O impacto de tal escolha naquilo que a Europa comunitária pode vir a definir, em matéria de políticas económico-financeiras, terá reflexos para Portugal? 

A resposta é sempre positiva a todas as perguntas, embora esse "sim" encerre perspetivas contraditórias. Só o futuro terá razão.

Justiças

O caso Madeleine McCann volta a ser citado na imprensa sensacionalista britânica. Do outro lado da Mancha, leem-se, no "The Sun" e em outras folhas de idêntico jaez, "farpas" sobre a qualidade da justiça e da polícia portuguesas, acusadas de ineficácia na investigação. 

Não tenho nenhuma opinião particular sobre este assunto, mas tenho, há muito, uma ideia bem formada de que existe, em alguns países do norte da Europa, um preconceito arraigado contra a justiça "do sul". Isso leva, por exemplo, a que, quase por sistema, quando um cidadão desses países é detido, em casos com algum reflexo mediático, num país desse mesmo "sul" (quando isso acontece em África ou na América Latina, é quase automático), sobre ele se abata, regularmente, uma espécie de presunção natural de inocência e se crie um clamor público a reclamar a sua libertação ou a contestar a duração das decisões judiciais (estou certo que, neste ponto, alguns lembrarão o caso Vale e Azevedo...). A imprensa, ecoando a reação natural das famílias e de grupos de amigos, torna-se então portadora de um juízo de diabolização do sistema judicial do Estado onde o incidente ocorreu, degradando com a sua imagem. Leia-se o que se diz no site britânico Prisioner's Abroad, para se perceber melhor o que acabo de notar.

Um dia, na primeira metade dos anos 90, uma criança inglesa apareceu morta no Algarve. A nossa embaixada em Londres foi então invadida por comunicações escritas e telegramas insultuosos, considerando Portugal "uma selva", um paraíso para os criminosos, um mundo de impunidade e irresponsabilidade. Com o tropismo a que acima fiz referência, a imprensa "tablóide" britânica ridicularizou Portugal e a polícia portuguesa. Deputados e lordes irados, mobilizados pelas suas "constituencies", escreveram e foram mesmo recebidos na embaixada, bradando contra o nosso sistema de justiça.

Poucas semanas mais tarde, a nossa polícia descobriu o criminoso: um cidadão britânico, amigo da familia. De um momento para o outro, a imprensa britânica silenciou. Passaram alguns meses. A medo, amigos do detido, começaram a reclamar, na mesma imprensa, contra as prisões portuguesas e sobre os riscos que o assassino nelas correria. É assim...

Porto de Abrigo

Leio hoje que terá fechado, em Lisboa, o "Porto de Abrigo", um velho e tradicional restaurante nos Remolares, ao Cais do Sodré, onde o arroz de pato foi, durante décadas, um clássico. A este propósito, veio-me à memória uma história passada, creio que em 1999, com Mário Soares, à saida de uma conferência sobre a Europa, no Ritz, que tivera como convidado François Hollande, de quem muito se fala por aqui nestes dias.

Mário Soares e eu havíamos decidido ir almoçar a um determinado restaurante da "baixa" de Lisboa. Ao aproximarmo-nos da porta, um casal idoso que passava abordou o antigo presidente, tendo a senhora inquirido: "Não se lembra de nós?" Mário Soares procurou ser simpático mas, com toda a naturalidade, não podia recordar a imensidão de gente que cruzou na vida e que, a ele, o identifica sempre sem dificuldade. Já fui testemunha de cenas similares, também passadas com Mário Soares, nas ruas de Paris, de Roma, de Estrasburgo e até de Jerusalém.

A senhora lembrou, então: "Até há pouco tempo, nós fomos os donos do "Porto de Abrigo" e, várias vezes, a pedido da dra. Maria Barroso, íamos levar-lhe comida do nosso restaurante, ao Aljube, onde o senhor doutor estava preso por motivos políticos". Mário Soares não me pareceu recordar-se precisamente dos factos, mas saudou com alguma afetividade aqueles que ajudaram a atenuar  o peso desses dias difíceis, proprietários daquela que era uma bem simpática casa de restauração de uma Lisboa de outros tempos. Que, infelizmente, acabou, como, felizmente, acabou o Aljube.   

sexta-feira, maio 04, 2012

Eça em Paris

Eça de Queiroz, recém-chegado a Paris, habitou, durante cerca de dois anos, no nº 5 da rue Crevaux (na imagem), numa zona próxima da nossa embaixada.

Até agora, essa é a única das moradas do escritor na capital francesa onde a sua memória não está assinalada. A falha vai ser corrigida, espero, dentro de pouco tempo. Depois de algumas peripécias, conseguiu-se obter autorização dos proprietários do prédio para nele afixar a devida placa.

Será que, perante tantou outros problemas para resolver, a questão da memória da cultura nas paredes tem alguma importância, perguntar-se-ão alguns leitores? Claro que tem! Ora Eça!

quinta-feira, maio 03, 2012

O mistério Maddie

Um elemento bizarro que, desde o início, me intriga no caso McCann é o facto da generalidade da imprensa continuar a tratar a criança, como ainda há pouco ouvi na nossa televisão, por Maddie, quando os respetivos pais já afirmaram, por mais de uma vez, que nunca a designaram por esse nome e sempre a trataram por Madeleine.

Será que a comunicação social já tem, ela própria, o direito de criar diminutivos? 

quarta-feira, maio 02, 2012

Fernando Lopes (1935-2012)


Olá, Fernando.

Acabo de saber que, para si, já “Era uma vez... amanhã". O seu "Gérard, fotógrafo", que nestes dias se mostra aqui por Paris, não poderá assim “Matar Saudades” suas, porque é, ele também, um “Encoberto” nesse “Voo da Amizade”, a uma "Altitude 114", por onde, há muito, já andava o “Belarmino”, esse seu “Delfim” de uma “Lisboa” da qual, como ninguém, você desenhou a “Crónica dos Bons Malandros”, aqueles que andam por aí, “Ela por ela”, a atirar aos outros: “Tomai lá do O’Neill”!

Todos sabemos que você não era muito dado a olhar “O Fio do Horizonte", mas a verdade é que se fechou agora o semáforo, Fernando, aquele “Vermelho, Amarelo e Verde” que durante tanto tempo lhe abria o caminho, entre “As Palavras e os Fios” das conversas na barra do Gambrinus, para a “Rota do Progresso”, que você percorria a “98 octanas”, retribuindo "Os Sorrisos do Destino" que queria para todos nós, com que numa longa noite sonhámos, em Viena, com outros amigos, até vermos o  "Cruzeiro do Sul" aparecer no fundo de uma garrafa de JB.

Para trás, fica a criação entusiasmada desse seu “Cinema” magnífico, essa sua representação dos "Sons e Cores de Portugal", qual "Domingos Sequeira" da película, onde registou, para sempre, “As Pedras e o Tempo” deste seu "Habitat", deste Portugal que, “Se Deus Quiser”, ainda há-de ser “A Aventura Calculada” pela qual você sempre lutou, embora sem "As Armas e o Povo" na rua, que "Este Século em que Vivemos" já dispensa mobilizar de novo.

Parte agora, meu caro, para um eterno "Interlude", como “Uma Abelha na Chuva” que hoje a todos nos encharca de tristeza. Você que, entre muito poucos dessa sua arte, era daqueles em que, ao ler-se no jornal “Hoje, Estreia”, ao lado de "Marçano, precisa-se", se podia ter a certeza de ter como “Nacionalidade: português”. Bem mais do que alguns que, de "The Bowler Hat" na mão para os subsídios, andam por aí a mimar o que se faz "Lá Fora"

“Nós por cá todos bem”? Não, Fernando, nós ficamos, "The Lonely Ones", em "Câmara Lenta", muito mais pobres, sem si e sem o seu cinema.

Com um beijo amigo à Maria João, deixo-lhe um abraço, já em “contre plongée”   

Sérgio Ribeiro

Deixo uma nota de sincero pesar pela morte de Sérgio Ribeiro, corajoso militante comunista antes do 25 de Abril, de quem sempre divergi poli...