Leio hoje que terá fechado, em Lisboa, o "Porto de Abrigo", um velho e tradicional restaurante nos Remolares, ao Cais do Sodré, onde o arroz de pato foi, durante décadas, um clássico. A este propósito, veio-me à memória uma história passada, creio que em 1999, com Mário Soares, à saida de uma conferência sobre a Europa, no Ritz, que tivera como convidado François Hollande, de quem muito se fala por aqui nestes dias.
Mário Soares e eu havíamos decidido ir almoçar a um determinado restaurante da "baixa" de Lisboa. Ao aproximarmo-nos da porta, um casal idoso que passava abordou o antigo presidente, tendo a senhora inquirido: "Não se lembra de nós?" Mário Soares procurou ser simpático mas, com toda a naturalidade, não podia recordar a imensidão de gente que cruzou na vida e que, a ele, o identifica sempre sem dificuldade. Já fui testemunha de cenas similares, também passadas com Mário Soares, nas ruas de Paris, de Roma, de Estrasburgo e até de Jerusalém.
A senhora lembrou, então: "Até há pouco tempo, nós fomos os donos do "Porto de Abrigo" e, várias vezes, a pedido da dra. Maria Barroso, íamos levar-lhe comida do nosso restaurante, ao Aljube, onde o senhor doutor estava preso por motivos políticos". Mário Soares não me pareceu recordar-se precisamente dos factos, mas saudou com alguma afetividade aqueles que ajudaram a atenuar o peso desses dias difíceis, proprietários daquela que era uma bem simpática casa de restauração de uma Lisboa de outros tempos. Que, infelizmente, acabou, como, felizmente, acabou o Aljube.
11 comentários:
passo com alguma frequencia frente ao porto de abrigo e sempre pensei, nunca entrei, tenho de vir aqui comer um dia. a oportunidade passou portanto.
o envelhecimento ou falecimento dos donos dos estabelecimentos, o desinteresse dos herdeiros, a falta de clientes, a concorrencia, a crise, fazem com que este ou aquele fechem. temos pena mas o passar das coisas é uma regra.
isto fez me lembrar os anarquistas, um pequeno restaurante galego de moda mas simples frequentado por muita gente nos anos 60. tambem desapareceu, mas há muitos mais anos. eu por mim cada vez vou menos a restaurantes, sou fiel a 3 ou 4 lá de quando em quando.
boa história a da comida do pda encomendada por mb para o seu marido preso no aljube.
Como sempre, excelente citação de experiências, embora gratas à memória aqui ficam para o devido conhecimento público. Obrigado, caro Embaixador e amigo. Continue! O habitual abraço,
Gilberto Ferraz
E as famosas vieirinhas, caro Embaixador.
E as memórias de Lisboa vão "morrendo".
Cumprimentos
Sem dúvida, as vieiras de entrada, seguidas do pato com azeitonas.
Pertencem ao meu imaginário de infância as idas, com os meus pais, ao Porto de Abrigo. Primeiro, um encontro casual do meu pai, antigo marinheiro, no British Bar, com um qualquer camarada do Carvalho Araújo, do Índia, do Funchal. Depois o Porto de Abrigo. Depois, a volta do costume, sempre deslumbrante e um pouco assustadora, por aquelas ruas iluminadas e cheias de gente tão estranha.
Voltei lá, passados vinte anos,em 1996, com a minha mulher (na altura, namorada)e comi as vieiras e o pato, mas a decadência do espaço já era demasiado visível.
Ainda assim, tenho pena de lá não poder voltar com a minha filha.
Excelente estória vivida. Mais uma, de resto. Muito obrigado.
Com Mário Soares tenho diversas, pois, como o meu caro Francisco sabe, trabalhei com ele anos a fio, nos PSs: o Partido Socialista e o semanário Portugal Socialista. Um dia contarei algumas
O verdadeiro PORTO DE ABRIGO é " Chez Raspoutine", Rue Bassano, Paris - Caro mas dionisíaco...
A minha Mãe é o meu Porto de Abrigo
Pois eu acho que o verdadeiro porto de abrigo é a nossa casa; sem tirar de forma alguma o mérito ao restaurante, que conseguiu a invejável congruência.
Não tenho qualquer inveja de vossas excelências que têm dinheiro para andar sempre a comer fora,
eu tenho o privilégio de
Ter A Minha Mãe
Logo sou Rica
, desde logo a melhor cozinheira do mundo que faz sopa como quem tece amor , bacalhau assado como quem estimula todas e mais algumas papilas gustativas, assados no forno com a paciência da paciencia culminando num sabor que sacia sem engordar como saciado num amor incomensuravel à primeira vista...
Obrigado Senhor Embaixador é que hoje é dia da Mãe,eu sei que o sr. deste ponto de vista é tão rico como eu, ainda bem.
Lamento o encerramento do "Porto de Abrigo", onde almocei com frequência durante os anos em que exerci a minha actividade profissional na Rua do Arsenal.
Já então o restaurante precisava de uma remodelação. O espaço era reduzido, e o mobiliário devia ser do princípio do século XX. Conversas privadas, não se podiam ter.
Mas as vieiras, a açorda de marisco, o pato com azeitonas e o arroz de pato, compensavam a incomodidade.
Tal como o "Corpo Santo", que já fechou há alguns anos, e onde também se comia bem, vão fechando os restaurantes que frequentei, na zona.
Será que ainda existe a "Adega dos Macacos"?
A Adega dos Macacos vai indo... É tempo de favas frescas. Não está caro. Aquela zona com muitos armazéns encerrados é que não é a mesma.
Tentei la ir neste primeiro de Maio jantar para matar saudades...
Por que sera que o que é bom tende a desaparecer?
Eram excelentes as açordas deste restaurante!
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