domingo, outubro 17, 2010

Azul

Não sei se é da idade, mas o azul do céu de Lisboa perturba-me cada vez mais. Pela positiva, claro. Hoje, Lisboa estava com um céu de um azul imbatível. Não sou muito dado a reflexões poético-emocionais sobre cores, mas tenho vindo a dar conta que frequentar o azul me faz imenso bem. E o azul é, para mim, definitivamente, a cor de Lisboa, sendo falsa a ideia fílmica da "cidade branca", que equivocou Tanner. Optar pelo azul é uma banalidade? Claro que é, mas cada vez acho mais que assumir a banalidade genuina é a mais saudável forma de snobeira.

E as outras cores? Também as há, claro. Gosto do verde por irracionalidade afetiva e do vermelho (não do encarnado) pelas razões da razão. Do amarelo, só aprecio os sorrisos de alguns e deixo o roxo pascal para o fígado dos colunistas e blogueiros da desgraça. E o resto para os restantes.

sábado, outubro 16, 2010

Artur Santos Silva

Há dias, numa conversa em Paris, uma amiga com fortes ligações ao nosso país disse-me, de forma apreciativa, que este blogue a tem ajudado a conhecer melhor Portugal e, mesmo, a "descobrir"  alguns portugueses. Fiquei satisfeito, porque esse é também um dos objetivos do que por aqui vou deixando.

Hoje, ao abrir o "Público", num avião da TAP, deparei com uma longa entrevista de Artur Santos Silva, presidente do BPI e da comissão para as comemorações do centenário da República. E lembrei-me que este é um nome que as pessoas ganhariam  muito em conhecer melhor. Para quem possa fazê-lo, recomendo a leitura daquele texto. As respostas são um manancial de bom-senso e de sentido cívico, sem deixarem, simultaneamente, de refletir um espírito lúcido e crítico. Dei por mim a pensar que Portugal se permite, com grande frequência, não utilizar, em funções determinantes para a condução ou orientação do país, algumas figuras cuja estatura seriam uma mais-valia para o serviço público. 

Artur Santos Silva passou apenas brevemente pela política, optou pelo usufruto da independência, prestigiou-se profissionalmente e criou uma instituição bancária de referência. Ao longo dos anos que levo da observação da vida do país, ele continua a ser uma das vozes que mais me têm marcado pela sua retidão e exemplaridade, pelas úteis lições de vida que nos transmite.

Oriundo de uma família liberal do Porto, é um homem formado num tempo e num ambiente em que a cultura e o respeito atravessavam a formação da juventude. Dessa rica vivência soube decantar uma forma de estar na vida da qual emana uma imensa serenidade. O meu pai, que daqui a dias teria a idade da nossa República, educou-me a respeitar figuras que qualificava como "pessoas de bem". Artur Santos Silva é uma delas.

Escrevo este post com muito à-vontade. Não sou íntimo de Artur Santos Silva. Vivemos em mundos diferentes, não temos laços políticos ou profissionais, conheço-o apenas por contactos esporádicos, embora feitos de cordialidade e, estou certo, de mútua estima. Devo confessar, porém, que criei uma sincera admiração por esta figura ética que - e aqui regresso ao início deste texto - o nosso país não terá aproveitado como devia. 

Digo-o a propósito da entrevista que hoje li e, claro, de muitas outras coisas que os tempos correntes me suscitam. Mas por aqui me fico.

Arras

Ontem, dei por muito bem empregue o longo tempo de viagem de automóvel, para uma deslocação de um dia completo a Arras, para contactar as autoridades locais, para falar de Portugal a cerca de 400 estudantes da Université d'Artois e para estar presente na inauguração da "Saison Portugaise", no "Le Quai de la Batterie".

No primeiro caso, foi muito interessante poder discutir, com uma audiência madura, a posição de Portugal perante as grandes questões internacionais, mas igualmente o futuro das línguas portuguesa e francesa à escala global, para além de um conjunto vasto de outros temas. Uma hora de palestra e outra de debate confirmaram-me a crescente curiosidade em torno da imagem de Portugal que se regista aqui em França.

Depois, foi revigorante ver como um atelier como "Le Quai de la Batterie", com o apoio da "Mairie" local, conseguiu trazer a Arras quatro excelente criadores artísticos da contemporaneidade portuguesa: Francisco Tropa, Maria Loura Estêvão, Isabel Baraona e Joana Travisco. Trata-se apenas da primeira parte de um extenso programa que se prolongará por 2011, no qual a cultura portuguesa será abordada em muitas dimensões - artes plásticas, fotografia, teatro, literatura, música, cinema, etc.

Portugal deve estar reconhecido a quem, no estrangeiro, se interessa pela sua cultura e se organiza de forma a, generosamente, a dar a conhecer. Foi essa uma das mensagens que deixei em Arras.

quinta-feira, outubro 14, 2010

Chile

A propósito do salvamento dos mineiros chilenos, alguém me dizia ontem, num jantar, que é muito bom para o mundo que haja uma história famosa que acabe bem.

De facto, fartos andamos nós de desgraças e tragédias, como alimento do nosso quotidiano mediático.

Reformas

Um dos fenómenos mais curiosos, no âmbito dos movimentos sociais que têm vindo a contestar a legislação para o alargamento da idade da reforma em França, foi o aparecimento, nesse contexto, dos estudantes liceais.

Independentemente das questões de fundo deste debate, confesso que não pude deixar de dar uma gargalhada ao ver uma jovem de 16 anos, inquirida sobre a razão pela qual aderia aos protestos, dizer na televisão: "eu, quando chegar aos 60 anos, quero ter o direito de não trabalhar mais!". 

Para alguém ainda longe de entrar no mercado de emprego, não está mal!

quarta-feira, outubro 13, 2010

Solana

Javier Solana é um amigo de Portugal. E, por coincidência, meu amigo pessoal. Ontem, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Luis Amado, fez-lhe entrega da Grã-Cruz da Ordem de Cristo, uma alta condecoração portuguesa. Nada de mais merecido.

Solana teve um percurso brilhante, depois de uma juventude de ativismo político pela liberdade em Espanha. Ministro dos Negócios Estrangeiros do seu país, secretário-geral da NATO e figura cimeira da Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia, em todos esses lugares soube afirmar uma atitude de grande equilíbrio, de sentido de compromisso, com uma simpatia e uma cordialidade que fizeram escola. Num mundo de "realpolitik", Javier Solana nunca esqueceu um sólido referencial de princípios em que assentou toda a sua ação.

Para Portugal, como referi, Solana foi sempre um amigo. Recordo-me, em especial, do modo colaborante como se articulou conosco durante a presidência da União Europeia em 2000, jogando "com as cartas em cima da mesa" e ajudando-nos, não raramente, a ultrapassar sérias dificuldades surgidas na tecitura das posições que nos competia desenhar no quadro da ação externa da União. 

No que me toca, devo-lhe gestos de grande simpatia, o maior dos quais foi um convite pessoal - que não pude aceitar - para ocupar um interessante lugar na estrutura de representação externa da União Europeia.

Un abrazo fuerte, Javier!

Alfredo Margarido (1928-2010)

O Daniel Ribeiro, correspondente do "Expresso" em Paris, acaba de dar-me conta da morte, ontem, em Lisboa, de Alfredo Margarido.

Margarido foi uma espécie de figura mítica para a minha geração. Oriundo das artes, viria a revelar-se como uma personalidade de recorte cultural eclético - da ficção à sociologia, da pintura à antropologia, da história das ideias às questões africanas. Viveu em vários lugares, que sempre marcaram o seu percurso intelectual. Paris foi, a partir de 1964, o seu "porto de abrigo". Aqui dirigiu os "Cadernos de Circunstância", uma revista policopiada, de edição irregular, que marcou um tempo importante nos meios portugueses no exilio em França (e de que,  por sorte, tenho todos os exemplares das muito raras edições originais, embora os seus textos tenham sido editados  em Portugal depois do 25 de abril, creio que pela "Afrontamento", não sei se em versão completa).

Presumo que datará da sua estada em S. Tomé, nos anos 50, o encontro com aquela que iria ser sua mulher, Manuela, uma figura muito interessante, também já falecida, de que já aqui falei um dia.

Leia mais sobre Alfredo Margarido aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

O meu banco

Telefonei ao meu banco para saber de que dinheiro poderia dispor, a curto prazo, das minhas poupanças, para a possível aquisição de um bem. Perguntaram-me se não preferia fazer um empréstimo, dando essas poupanças como garantia. Agradeci e disse que, não tendo dúvidas de que o banco era uma "pessoa de bem", se me estavam a propor tal hipótese era porque tal empréstimo me seria dado, com toda a certeza, a um juro mais vantajoso que aquele que eu estava a obter das poupanças que mantinha no banco. O gestor de conta alarmou-se: não!, o juro que eu iria pagar era maior do que aquele que o banco me estava a dar pelos depósitos que lá tinha. Então - perguntei - qual era a minha vantagem em fazer o empréstimo? Foi-me explicado que, dessa forma, eu ficaria com "liquidez". Inquiri para que queria eu ter "liquidez" no banco se, quando a pretendia mobilizar, o banco me propunha um empréstimo. E em que é que se traduziria, na realidade, essa mesma "liquidez", porque, se a quisesse mobilizar, o banco não autorizaria, porque ficaria sem a garantia na base da qual me era concedido o empréstimo. Embatucou.

terça-feira, outubro 12, 2010

"Portugal atrás da Alemanha na eleição para o Conselho de Segurança"

Não tenho a certeza absoluta de que algum jornalismo adversativo não seja tentado a roubar-me o título deste post. Pelo sim pelo não, ele aí fica, para sua inspiração.

Não consultei ainda os blogues, não li ainda os colunistas da pandemia pessimista, não conheço as declarações de elogio forçado de alguns setores, decerto já ouvidos pela imprensa. Mas eles virão, podem estar seguros! - os comentários raivosos do género do "não sei por que razão se gastou dinheiro com esta eleição para o Conselho de Segurança", ou "aquilo em que Portugal se deveria empenhar internacionalmente era noutras coisas" e dichotes idênticos.

Uma das razões pela qual Portugal teve toda a razão para se bater para estar presente no Conselho de Segurança é precisamente pela necessidade de afirmar que existe um outro país, positivo e otimista, que tem sabido garantir a continuidade de uma imagem externa do país, construída com saber, rigor e coerência. Um país que está muito para além das legiões dos "vencidos do ceticismo".

Portugal no Conselho de Segurança

Portugal foi hoje eleito, pela terceira vez, como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU. No biénio 2011/2012, o nosso país assegurará uma presença naquele que é o principal órgão decisório das Nações Unidas.

Esta é uma vitória com laivos "históricos", porque foi obtida em condições de particular dificuldade. Com uma campanha de grande empenhamento e profissionalismo, levada a cabo por responsáveis políticos e diplomáticos, apoiados por todas as nossas estruturas espalhadas pelo mundo, foi possível fazer frente à fortíssima candidatura do Canadá  que disputava conosco e com a Alemanha um dos dois lugares disponíveis. Tratava-se de um confronto com dois membros do G8, com uma presença determinante na máquina das Nações Unidas, dispondo de meios e estruturas incomparavelmente mais fortes que os nossos. Esta era, para muitos, uma vitória "impossível", convém lembrá-lo.

Há uns meses, deixei expressas aqui as razões pelas quais me parecia que Portugal, não apenas deveria empenhar-se fortemente nesta eleição, mas igualmente os motivos por que se me afigurava que o nosso país tinha todas as condições para defrontar, com êxito, esta batalha. Quem quiser, pode revisitar esse argumentário.

O que acaba de se passar em Nova Iorque é uma lição de história diplomática. É a prova provada de que um país de média dimensão, com recursos limitados, mas com uma postura de equilíbrio e uma excecional capacidade de diálogo, soube construir um lugar de respeito e prestígio na cena internacional, sendo hoje, de certo modo, um "soft power" capaz de se colocar ao nível dos Estados que podem  legitimamente "punch above its weight" - para utilizar a expressão consagrada de Douglas Hurd. Esta vitória cria-nos, no entanto, uma responsabilidade acrescida e tem de conduzir-nos a um acrescido esforço, bilateral e multilateral, de racionalização e melhor utilização da nossa máquina diplomática, por forma a estarmos à altura dos novos desafios que temos de enfrentar.

Nesta ocasião, gostava de deixar aqui uma palavra de muito sinceras felicitações a todos quantos estiveram na primeira linha da nossa candidatura, muito em especial ao embaixador José Filipe Moraes Cabral, que titulou em Nova Iorque um trabalho notável, de que a diplomacia portuguesa se pode legitimamente orgulhar.

Pedras em lata

Depois da fantástica declaração da Unicer, colocando no "colo" do governo a responsabilidade pela criação de condições que agora reclama para a construção do hotel das Pedras Salgadas, pode perguntar-se se as águas vão agora passar a ser vendidas em "lata" - a mesma "lata" que os responsáveis da empresa tiveram para, publicamente, fazerem depender a concretização de um projeto a que se tinham comprometido das facilidades e flexibilidades que agora exigem.

A Unicer segue agora uma linha de novo oportunismo - luta contra alegados "citérios formalistas e burocracia"  do Estado - a qual, no entanto, só pode surpreender quem não apreciou todo o seu anterior percurso de incumprimento de prazos a que se havia ligado. Quiçá contando com as loas propagandísticas e com o silêncio cúmplice de alguma imprensa, dependente do peso constrangente da sua publicidade, a Unicer prossegue, assim, com a sua política de triste diversão, que mostra como uma empresa de dimensão nacional consegue, em alguns anos, desbaratar o seu prestígio e credibilidade, por  infelizes flutuações nos seus corpos de gestão. Não nos devemos, assim, admirar se, dentro em breve, o Estado vier, pela Unicer, a ser apontado como o "culpado" por novos atrasos na construção do hotel das Pedras Salgadas. É que, com este novo  expediente, a Unicer ganha tempo e alibis que lhe permitem não cumprir, uma vez mais, os prazos.

Percebe-se bem que a população das Pedras Salgadas já tenha perdido a paciência com "esta" Unicer!

Leia mais sobre esta "saga", consultando o marcador "Pedras Salgadas", no fundo deste post

domingo, outubro 10, 2010

Nostalgia e política

A frieza e a dureza dos combates políticos conduzem, por regra, à depreciação dos aspetos sentimentais. Mas, nem por isso, um sentimento como a nostalgia deixa de ser altamente respeitável.

Na passada sexta-feira, no Senado francês, passou-se uma cena que não colheu a atenção maioritária da imprensa. O debate centrava-se no tema das reformas, sobre a proposta governamental de abandonar os 60 anos como limiar do direito à aposentação. A França é um dos últimos países europeus onde a discussão em torno desta questão está ainda a ter lugar. Muito consideram que é inelutável que a idade da reforma seja mudada, outros mantêm-se fiéis aos 60 anos, como um inalienável direito adquirido. Não é para aqui chamada a questão de quem tem ou não razão.

No debate no Senado, assistiu-se a uma intervenção emocionada de Pierre Mauroy, o homem que, em 1982, sob a presidência de François Mitterrand, foi responsável, como primeiro-ministro, pela legislação que fixou os 60 anos como idade para a reforma. Agora com 82 anos, o antigo "maire" de Lille, perante um silêncio de geral respeito, embora longe de concordância maioritária, disse, entre outras coisas emocionadas: "A reforma aos 60 anos é uma linha de vida, uma linha de combate, uma linha de esperança. Não temos o direito de abolir a História! Liquidá-la desta maneira, não é possível, não é digno."

A reforma vai acabar por ser aprovada, no seu essencial. A regra dos 60 anos vai desaparecer, pelos imperativos da maioria política e, para muitos, também pela imperatividade das coisas práticas, desde o equilíbrio da segurança social à mudança dos perfis etários na sociedade contemporânea.

Isso não nos deve impedir de olhar para a reação de Mauroy com o respeito que devemos consagrar a quantos, no seu tempo, foram titulares da esperança que mobilizou gerações, que, passo-a-passo, trouxe para as políticas de Estado o fruto das lutas por coisas que hoje fazem parte do nosso "acquis", como sociedades com responsabilidade social. O ministro Woerth reagiu a Mauroy dizendo: "Não se governa com a nostalgia". Claro que não. Mas eu não posso deixar de sentir um grande respeito por quem alimenta uma nostalgia - pelo certo, inapelavelmente datada, concedo - que é parte do património da esperança que fez da França o grande país que é. Embora também deva concluir, como disse Simone Signoret no título das suas memórias, que "a nostalgia já não é o que era".

Stop

Já era azar! Ser parado por um polícia, quando estava atrasado para o jantar. Resignado, encostou à berma e, mentalmente, fez uma "check-list" do que poderia estar mal: documentos, seguro, revisão periódica, triângulo, etc. Não tinha a certeza de ter tudo em condições - é sabido que, quando um polícia quer, há sempre algo errado, dos pneus ao alinhamento dos faróis!

Abriu o vidro, fixou o guarda e, logo, notou-lhe um inesperado sorriso: "Está contente com o seu carrinho?" Perplexo, retorquiu: "Estou, porquê?". Não entendia a pergunta. Seria alguma graça?

"Mandei-o parar porque gostava de ter a sua opinião. Há dias, apareceu-me um carro igual a este, em segunda mão, a bom preço. Mas, antes de o comprar, gostava de saber se, de facto, será uma boa opção. Por isso, tenho pedido a opinião a quem conduz carros idênticos. Então está mesmo satisfeito? Ótimo! Agradeço-lhe e pode seguir".

História verdadeira passada, com um amigo meu, à saída da Régua.

sábado, outubro 09, 2010

"Libération"

"Les Unes" do "Libération" é um calhamaço imenso (onde é que, um dia, vou guardar tudo isto?), quase com o tamanho natural do jornal, publicado há pouco, que nos traz as grandes primeiras páginas da história de 37 anos de uma publicação que mudou a história da imprensa francesa.

Enquadradas por excelentes textos, por lá estão algumas imagens de que bem me recordo, como leitor esporádico que sempre fui do "Libé" (agora, sou-o regular, por obrigação e por gosto). É um livro interessantíssimo, que nos revela a todos como éramos, aquilo de que nos fomos desligando, da imagem à escrita, do que era novo e que agora passou a vulgar. E que, por exemplo, nos recorda, tragicamente, que ainda no tempo do presidente Giscard d'Estaing (quem se lembra disto, hoje?) eram decapitados, aqui em França, os condenados à morte!

O "Libé" nasceu da onda maoísta pós-Maio 68. É curioso fixar, com a distância do tempo, o modo como Laurent Joffrin, hoje diretor do jornal, qualifica no prefácio a Revolução Cultural chinesa: "uma convulsão gigantesca e cruel desencadeada por um Mao em envelhecimento, para restabelecer o seu poder de utopia sangrenta". Joffrin diz que a evolução do jornal, de veículo militante para uma tribuna comprometida, foi por "ter compreendido que a ditadura de um partido leva sempre ao pior, que a liberdade não se divide, que ela é tão válida para os pobres e os excluídos como para os outros, que o indivíduo deve ser livre para lutar". Uma verdade que vale para a França, como vale para a China. Ontem como hoje.

Direitos do homem

O que mais me impressiona na reação chinesa à atribuição do prémio Nobel da Paz a um seu dissidente interno é aquilo que pode ser lido como uma "overreaction" de uma das maiores potências mundiais. As autoridades chinesas não podem desconhecer que, ao reagir como o fizeram, não estão minimamente a mobilizar parceiros que partilhem a sua indignação, estão simplesmente a magnificar o facto e a dar-lhe um relevo que, objetivamente, não serve os seus interesses. O que nos deve levar a uma outra constatação: a de que essas autoridades não estão a agir por calculismo e que, verdadeiramente, acreditam na legitimidade intrínseca das medidas repressivas que aplicaram àquele cidadão. A assim ser, como tudo parece indicar, há que concluir, sem hesitações, que a "emergida" e cada vez mais importante China vive, definitivamente, num outro mundo de valores e que a tese da universalidade dos Direitos Humanos, bem como da convergência a prazo de todas as sociedades para esses mesmos padrões, é apenas um grande mito, de que todos temos que ter plena consciência.

sexta-feira, outubro 08, 2010

G20

As perturbações que estão a ser sentidas nos mercados cambiais internacionais, e que estão a afetar fortemente a competitividade das produções do países da zona euro em terceiros mercados, são um testemunho da fragilidade do sistema financeiro internacional e, muito em especial, do nível de compromisso político à escala global que resultou do "susto" de 2008, no quadro do G20.

Para a Europa, será muito importante o modo como a França exercerá o seu papel futuro como presidência do G28 e do G20. Em especial, interessa-nos a forma como este país procurará compatibilizar algumas das preocupações que legitimamente se refletem no quadro europeu, relativas a disfunções provocadas por políticas "egoístas" de terceiros, com a necessidade de fazer "pontes" com as ambições dos países emergentes, que não quererão deixar de aproveitar a presente conjuntura, durante a qual o seu crescimento diferenciado os pode ajudar a colmatar o "gap" face ao mundo mais desenvolvido.

Os meses que se seguem vão obrigar a um teste múltiplo.

Por um lado, ficará claro se o G8 continuará ou não a considerar-se no centro do processo de coordenação, não apenas política, mas igualmente económico-financeira à escala global. Como aqui disse no passado, as notícias sobre a morte do G8 sempre me pareceram muito precipitadas, espalhadas que foram por quem, fora do G8, tinha ambições de o condicionar, tentando garantir uma afirmação política à luz de ambições que não conseguia consagrar nos quadros institucionais de natureza multilateral.

Por outro lado, e também potenciado pela presente tensão financeira, vamos seguramente ver melhor esclarecido o limite de competências que o G20 se atribui. Neste ponto particular, a atitude da China, recusando ir mais longe do que o estabelecimento de normativos indicativos no campo económico-financeiro, serve a nossa perspetiva.

É que, sendo Portugal um país que não tem assento no G20, onde apenas pode ter (quando tem) as suas preocupações refletidas pela mão de terceiros, nunca será demais reiterar o nosso interesse em que este tipo de instituições de natureza cooptativa tenha a maior transparência, limite de forma clara o âmbito das recomendações que pretenda refletir sobre terceiros e, em especial, cuide sempre em manter a sua atividade compatível com a das instituições multilaterais, onde repousa a única legitimidade política que a todos vincula.

quinta-feira, outubro 07, 2010

Frankfurt

... e, pronto!, ainda não foi desta que consegui ir à Feira do Livro, em Frankfurt, um sonho antigo de quem é "maníaco" por livros.

... e Vargas Llosa lá ganhou o Nobel da literatura. É merecido, esperado e... equilibrado.

quarta-feira, outubro 06, 2010

Lula no Real Gabinete

Agora que o presidente Lula se prepara para abandonar a chefia do Estado brasileiro, vem-me à memória uma história dos meus tempos no Brasil.

Foi em 2008. O presidente Cavaco Silva visitava oficialmente o Brasil, no quadro das comemorações da chegada da corte portuguesa, 200 anos antes. Um conjunto de cerimónias teve lugar no Rio de Janeiro. Pelo que me dizia respeito, como embaixador de Portugal, insisti imenso em incluir no programa da visita uma deslocação do presidente Lula ao Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro.

O Real Gabinete é uma instituição sui generis. Num edifício de desenho eclético, onde prevalece um neomanuelino com distorção transatlântica, que recorda um pouco a estação do Rossio ou o hotel do Bussaco, aí repousam centenas de milhar de livros em língua portuguesa, sendo hoje o maior repositório existente fora do nosso país. Mas o Real Gabinete é um muito mais do que um interessante edifício: é a expressão simbólica do magnífico esforço da comunidade portuguesa para erigir, no Brasil, um monumento representativo da dignidade da sua presença, da empenhada contribuição dada por muitos e muitos milhares de portugueses para a construção daquele país.

Infelizmente, o Real Gabinete não é muito conhecido dos brasileiros, nem sequer dos muitos turistas portugueses que, no Rio, lhe preferem o Calçadão, Ipanema ou o Leblon. Situado numa zona que veio a tornar-se algo periférica, só lentamente começa agora a surgir nos itinerários turísticos e culturais. Em tempos idos, para os portugueses desafetos ao regime ditatorial que vigorou até 1974, o Real Gabinete representava também uma certa "colónia" de matriz salazarista, que tendia a confundir o respeito pelo nosso passado com a adesão a quantos o utilizavam como arma de arremesso contra os que pretendiam forçar os caminhos do futuro.

Eu sou um "fã" do Real Gabinete, confesso. Por isso, aí me desloquei sempre que pude, durante o tempo que permaneci no Brasil. Uma visita do presidente Lula, acompanhando pelo nosso chefe de Estado, parecia-me ser a melhor maneira de simbolizar a relação luso-brasileira contemporânea, em especial naqueles tempos em que o Brasil nos estava a ajudar a melhorar a imagem que dom João VI conservava na nossa própria memória coletiva. Além disso, interpretava a sua realização como uma subliminar homenagem à matriz fundacional do Brasil, com tanto mais significado quanto o seria ser levada a cabo por um presidente brasileiro oriundo de uma área política onde tradicionalmente se não acolhem os maiores amigos brasileiros de Portugal.

A minha sugestão foi simpaticamente aceite por Lisboa. Nas autoridades brasileiras ela fez também o seu curso, com suportes e estímulos vários, acabando por ser acolhida. Quando o dia chegou, devo dizer que estava com uma grande curiosidade para ver a reação que teria o presidente Lula, na sua entrada no Real Gabinete, durante o trajeto que lhe desenhámos, o qual, naturalmente, não incluia a passagem pela sala onde figura o busto do ditador de Santa Comba.

Não me desiludi. O chefe de Estado brasileiro, naqueles segundos em que defrontou e prescutou a imensidão de estantes, recheadas de quase meio milhão de livros, num espaço belíssimo, com uma dimensão grandiosa, terá percebido mais, sobre o papel dos portugueses no Brasil, do que em toda a sua anterior vida. A sua cara não iludia, os comentários que trocava com os interlocutores próximos eram de um genuíno deslumbre.

Lula tomou lugar na tribuna. Continuava a olhar, deliciado, em torno daquela grandiosa obra portuguesa no Brasil. Começaram os discursos. A certo ponto, vejo Lula acenar, levemente, para um dos varandins superiores, onde se situam as estantes com livros: estava a saudar empregados, com bata de trabalho, que aí se haviam colocado para ver o seu presidente. Era Lula no seu melhor...

O discurso que então proferiu foi uma das peças oratórias sobre Portugal que, desde sempre, mais me impressionaram, na boca de um dirigente brasileiro, em especial vindo de um político com as origens de Lula. Ao longo de dois séculos, muitos outros foram bem mais gongóricos, imensos se espraiaram em loas adjetivadas à "mãe pátria" lusitana, mas nenhum outro, que eu tenha conhecimento, foi tão moderno e pragmático, mesclando a afetividade com o realismo, substituindo a cerimónia por uma visão inteligente e lúcida. E, ao mesmo tempo, simples.

A ida do presidente Lula ao Real Gabinete Português de Leitura, naquele dia de Março de 2008, representou um olhar diferente do Brasil contemporâneo sobre o Portugal de sempre, talvez com menos "caravelas" do que era habitual, mas com os pés bem assentes naquilo que, nos dias hoje, importa sublinhar e reter. Se estiverem interessados, leiam o discurso aqui.

Centro para o Desconhecido

António Champalimaud ficou na memória dos portugueses como um inovador, vigoroso e polémico "capitão" da indústria e da finança que, depois de ter tido atritos com o Estado Novo e de ter sido conjunturalmente derrotado pela Revolução, durante a qual viu nacionalizados os seus bens, refez no estrangeiro a sua vida e conseguiu regressar à liderança de um dos mais importantes grupos económicos portugueses.

Com a sua morte, surgiu uma surpresa: deixou em herança uma importante fortuna para uma fundação que leva o seu nome e que, ontem, inaugurou as suas novas instalações em Lisboa. A investigação na área da saúde, que tem vindo a premiar nos últimos anos investigadores internacionais, passa agora a dispor, em Portugal, de um magnífico centro.

Não pude aceitar o convite que a presidente da Fundação Champalimaud, Dra. Leonor Beleza, me formulou para estar ontem presente na inauguração das novas instalações do "Centro Champalimaud para o Desconhecido". Mas, a meu convite, a Embaixada de Portugal em Paris terá, em 2010, o grato gosto de acolher o júri do seu prémio anual, do qual fazem parte figuras tão prestigiadas como Simone Veil, Amartya Sen ou Jacques Delors. 

terça-feira, outubro 05, 2010

Paula Escarameia (1960-2010)

Paula Escarameia tinha 50 anos e foi a primeira mulher a ser eleita, no âmbito das Nações Unidas, para a respetiva Comissão de Direito Internacional. Acabo de ter conhecimento da sua morte.

Tive o prazer de conduzir, durante o ano de 2001, a sua candidatura àquele órgão, do qual continuava a fazer parte, e em cuja eleição obteve a maior votação que Portugal alguma vez dispôs num escrutínio no âmbito da ONU. Recordo o momento de alegria que a sua escolha representou para todos nós, em Nova Iorque.

Doutorada em Harvard, teve um percurso académico riquíssimo. Anos antes daquela sua eleição, havia sido Conselheira junto da missão portuguesa junto da ONU. Era uma personalidade extremamente prestigiada e reconhecida pelos seus pares. Pessoalmente, a Paula era uma "força da natureza", dotada de um sorriso alegre, de uma boa-disposição contagiante. Vai fazer muita falta, também à sua (e minha) escola, o ISCSP.

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...