O Daniel Ribeiro, correspondente do "Expresso" em Paris, acaba de dar-me conta da morte, ontem, em Lisboa, de Alfredo Margarido.
Margarido foi uma espécie de figura mítica para a minha geração. Oriundo das artes, viria a revelar-se como uma personalidade de recorte cultural eclético - da ficção à sociologia, da pintura à antropologia, da história das ideias às questões africanas. Viveu em vários lugares, que sempre marcaram o seu percurso intelectual. Paris foi, a partir de 1964, o seu "porto de abrigo". Aqui dirigiu os "Cadernos de Circunstância", uma revista policopiada, de edição irregular, que marcou um tempo importante nos meios portugueses no exilio em França (e de que, por sorte, tenho todos os exemplares das muito raras edições originais, embora os seus textos tenham sido editados em Portugal depois do 25 de abril, creio que pela "Afrontamento", não sei se em versão completa).
Margarido foi uma espécie de figura mítica para a minha geração. Oriundo das artes, viria a revelar-se como uma personalidade de recorte cultural eclético - da ficção à sociologia, da pintura à antropologia, da história das ideias às questões africanas. Viveu em vários lugares, que sempre marcaram o seu percurso intelectual. Paris foi, a partir de 1964, o seu "porto de abrigo". Aqui dirigiu os "Cadernos de Circunstância", uma revista policopiada, de edição irregular, que marcou um tempo importante nos meios portugueses no exilio em França (e de que, por sorte, tenho todos os exemplares das muito raras edições originais, embora os seus textos tenham sido editados em Portugal depois do 25 de abril, creio que pela "Afrontamento", não sei se em versão completa).
12 comentários:
Não há ainda muitas semanas que tive o privilégio de receber em minha casa Alfredo Margarido que, apesar da sua fragilidade física, conversamos uma tarde inteira sobre os mais variadíssimos temas e fiquei impressionado com a sua lucidez intelectual e rapidez de memória ao abordar os assuntos que desenvolvia nos seus ínfimos pormenores como se tivesse preparado a intervenção na véspera.
Alfredo Margarido colaborou regularmente na revista “Latitudes” que é editada em Paris há cerca de treze anos. Escrevi há poucos minutos para a redacção de “Latitudes” que Portugal fica mais pobre com a perda de Alfredo Margarido ainda que nenhuma “autoridade” deste País o queira reconhecer. Fico muito feliz que o nosso Embaixador de Portugal evoque o seu nome. Obrigado.
obrigado, francisco por este seu comentário
começo a achar que só eu sei quem são os nossos mortos
como me disse um dia o Fernando Lemos "ai de nós se não nos lembrássemos deles"
mas mais ninguém sabe quem era o Margarido? ninguém leu a MOBY DICK ( ou leram-na em inglês????). Ou os Cadernos de Circunstância?
Seremos poucos agora, mas abracemo-nos com os nossos mortos.
(eu nunca conheci o Margarido, adorava a Manuela...)
Jorge Silva Melo
A ver se algum jornal, incluindo o JLAI, faz o seu obituário, como seria devido, no seguimento da evocadora entrada deste blogue.
Figura pouco conhecida, ou retirada, bem gostaria de saber mais sobre a sua actividade artistico-intelectual, que desconheço na verdade, para alem dum nome alguma vez ouvido.
Presumo que a pintura que ilustra a entrada será de A M.
Tal como Jorge de Silva Melo, não conheci o Margarido, adorava a Manuela.
Honro-me de me incluir nos que se lembram dos Cadernos de Circunstânci e li Moby Dick em inglês.
Acho que não somos assim tão poucos, apesar de tudo.
Quanto a Manuela Margarido, lembro a bela história que o sr. Embaixador conta no post que acima "linkou".
Recordo-me de preparar o regresso a casa e encontrar o Professor Alfredo Margarido que, minutos antes, na sala de aula da Universidade, tinha atirado para o fundo de um poço todas as minhas certezas. Afinal, como bem disse Perfecto Cuadrado, AM foi um indisciplinador de consciências. Por isso, e sempre que nos encontrávamos, escutava-o com o fascínio que ele próprio rejeitava na relação professor-aluno, mas que, confesso, nunca consegui evitar. Mais tarde, após alguns encontros ocasionais, deixei de o ver e soube, por um amigo, que se encontrava doente. Pensei, então, no que sentiria ao ter a notícia da sua morte e, infelizmente, tive a clara noção que o país, sobretudo as autoridades oficiais, o ignorariam. Não me enganei.
Apesar de saber que o Professor Alfredo Margarido não era de bajulações e elogios fáceis, gostaria que tivesse sido recordado como o grande intelectual e amante da liberdade que sempre foi. quanto a mim, confesso que me sinto um pouco orfão. e não posso deixar de concordar com José Barros, "fico muito feliz que o nosso Embaixador de Portugal evoque o seu nome."
Obrigado.
propósito do comentário de Patricio Branco, deixo uma pequena bibliografia de alfredo Margarido, para quem esteja interessado em lê-lo.
Se consultarem o site da fundação Calouste Gulbenkian, no espaço reservado ao ´Colóquio Letras', poderão consultar vários artigos:
MARGARIDO, Alfredo
"Esboço de viagem no mundo onírico de Edmundo de Bettencourt" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Notas e Comentários, n.º 14, Jul. 1973, p. 66-68.
MARGARIDO, Alfredo
"O futuro do português como língua literária em África" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Inquérito, n.º 21, Set. 1974, p. 6-7.
MARGARIDO, Alfredo
"Sobre as posições políticas de Fernando Pessoa" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Notas e Comentários, n.º 23, Jan. 1975, p. 66-68.
MARGARIDO, Alfredo
"Poema para D. João de Castro" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Poesia, n.º 27, Set. 1975, p. 58-59.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Ilhéu de Contenda', de Henrique Teixeira de Sousa]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 53, Jan. 1980, p. 92-93.
MARGARIDO, Alfredo
"Luandino" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Notas e Comentários, n.º 61, Maio 1981, p. 63-67.
MARGARIDO, Alfredo
"O neo-realismo em Alves Redol [crítica a 'Neo-Realismo, Alves Redol e Seus Reflexos', de Ramiro Teixeira]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Livros sobre a Mesa, n.º 68, Jul. 1982, p. 63.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Alves Redol', de Álvaro Salema]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 68, Jul. 1982, p. 86-88.
MARGARIDO, Alfredo
"O atalho; As canas; O trigo; Depois da ceifa" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Poesia, n.º 70, Nov. 1982, p. 52-53.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Pascoaes. Temas para Uma Leitura Actual', de Augusto Santos Silva]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 70, Nov. 1982, p. 86-87.
MARGARIDO, Alfredo
"Quem são os escritores africanos de língua portuguesa?" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Notas e Comentários, n.º 73, Maio 1983, p. 62-63.
MARGARIDO, Alfredo
"Fernão Mendes Pinto : um herói do quotidiano" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 74, Jul. 1983, p. 23-28.
MARGARIDO, Alfredo
"Uma leitura antropológica do soneto de Camões «Sete anos de pastor Jacó servia»" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 81, Set. 1984, p. 16-23.
MARGARIDO, Alfredo
"Um poema desconhecido de Fernando Pessoa" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 84, Mar. 1985, p. 36-44.
MARGARIDO, Alfredo
"A aldeia : centro vital da visão do mundo de Aquilino Ribeiro" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 85, Maio 1985, p. 32-42.
MARGARIDO, Alfredo
"Bernardo Soares : escrever é existir" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 88, Nov. 1985, p. 78-87.
MARGARIDO, Alfredo
"As personagens negras no teatro brasileiro [crítica a 'A Personagem Negra no Teatro Brasileiro', de Miriam Garcia Mendes]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Notas e Comentários, n.º 89, Jan. 1986, p. 58-61.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Fernando Pessoa, Empregado de Escritório', de João Rui de Sousa]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 91, Maio 1986, p. 111-112.
MARGARIDO, Alfredo
"A dicotomia branco-negro na poesia de Cesário Verde" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 93, Set. 1986, p. 57-68.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Fernando Pessoa no Cinquentenário da Sua Morte', de L. P. Moitinho de Almeida]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 95, Jan. 1987, p. 129.
MARGARIDO, Alfredo
"Fernando Pessoa" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Notas e Comentários, n.º 96, Mar. 1987, p. 88-90.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Claridade. Revista de Artes e Letras', de Manuel Ferreira]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 96, Mar. 1987, p. 131-132.
MARGARIDO, Alfredo
"As judias" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Ficção, n.º 98, Jul. 1987, p. 82-88
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Literatura Calibanesca', de Pires Laranjeira]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 99, Set. 1987, p. 129-130.
MARGARIDO, Alfredo
"As relações entre a antropologia e a literatura, ou vice-versa [crítica a 'Um Mito bem Brasileiro. Estudo Antropológico sobre o Saci', de Renato da Silva Queiroz]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Notas e Comentários, n.º 104/105, Jul. 1988, p. 138-139.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Poesia (Quase Toda e até agora)', de José Fernandes Fafe]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 107, Jan. 1989, p. 80-81.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Cesário Verde ou a Transformação do Mundo', de Fernando Cabral Martins]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 108, Mar. 1989, p. 119-120.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Os Negros em Portugal, Uma Presença Silenciosa', de José Ramos Tinhorão]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 110/111, Jul. 1989, p. 159-160.
MARGARIDO, Alfredo
"O cubismo apaixonado de Mário de Sá-Carneiro" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 117/118, Set. 1990, p. 92-102.
MARGARIDO, Alfredo
"Uma carta quase inédita de Violante de Cysneiros" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Documentos, n.º 117/118, Set. 1990, p. 117-119.
MARGARIDO, Alfredo
"A relação animais-Bíblia na obra de Clarice Lispector" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Notas e Comentários, n.º 125/126, Jul. 1992, p. 239-245.
MARGARIDO, Alfredo
"A negridão da morte em António Nobre" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 127/128, Jan. 1993, p. 65-76.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'A mais Nobre das Artes', de João Camilo]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 127/128, Jan. 1993, p. 275-276.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Palavra Azul e quando', de João Rui de Sousa]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 129/130, Jul. 1993, p. 245-246.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'O Canto do Ossôbó', de Marcelo da Veiga]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 129/130, Jul. 1993, p. 289-290.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Anguéné', de Fernando de Macedo]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 129/130, Jul. 1993, p. 290-291.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Consoada', de Alberto da Costa e Silva]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 142, Out. 1996, p. 275-277.
MARGARIDO, Alfredo
"[Recensão crítica a 'Sonetos de Cogitação e Êxtase', de João Rui de Sousa]" / Alfredo Margarido. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 149/150, Jul. 1998, p. 411-413.
Deixo, também, mais alguma da bibliografia do Professor AM:
-Poesia
1953 - Poemas com Rosas
1958 - Poema Para uma Bailarina Negra.
-Ficção
1960 - No Fundo Deste Canal
1961 - A Centopeia
1962 - A Osga, in Novos contos d'África : antologia de contos angolanos
1963 - As Portas Ausentes.
-Ensaios
1961 - Teixeira de Pascoaes — A Obra e o Homem
1962 - O Novo Romance (em colaboração com Portela Filho)
1965 - Jean-Paul Sartre
1971 - La pensée politique de Fernando Pessoa
1975 - A Introdução do Marxismo em Portugal
1976 - Marânus: Uma Linguagem Poética Quase Niilista
1980 - Estudos sobre Literaturas das Nações Africanas de Língua Portuguesa
1984 - As Surpresas da Flora no Tempo dos Descobrimentos
1989 - Plantas e conhecimento do mundo nos séculos XV e XVI
2000 - A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses.
-Ensaios plásticos
1988 - 33+9 Leituras Plásticas de Fernando Pessoa.
-Exposições
1954 - Exposição de cerâmica, Galeria Europa-América, Lisboa
1980 - Exposição colectiva, Galeria Prévot, Paris
2007 - Exposição individual, Fundação Cupertino Miranda, Vila Nova de Famalicão
2009 - Exposição Líquida, Átrio dos Passos Perdidos, Reitoria da Universidade de Lisboa, Lisboa.
Uma parte substancial do trabalho do Professor Alfredo Margarido Encontra-se disperso pelo mundo (literalmente), pelas mais variadas publicações, sobretudo francesas. Alguém deveria fazer o levantamento.
Espero que as referências bibliográficas sejam úteis.
Obrigado
Ao desfolhar o Jornal Público deparei-me com o desaparecimento de um dos grandes intelectuais portugueses da segunda metade do século XX. Poeta, ficiconista, ensaísta, tradutor, artista plástico, sociólogo, estudioso e divulgador das literaturas africanas de expressão portuguesa, ALFREDO MARGARIDO faleceu esta terça-fe......ira em Lisboa. Longe dos focos mediáticos, a sua morte não tem sido muito noticiada, no entanto, a sua morte significa uma grande perda para a cultura, ensino e investigação portuguesas. Com fortes ligações ao surrealismo introduziu o nouveau roman» em Portugal, traduziu obras marcantes à escala mundial, incluindo o Moby Dick de Melville. Investigador da École des Hautes Études, docente na Sorbonne, teve preponderante influência no meu percurso académico. Na minha consciência fica a pesada carga emocional de nos últimos anos não o ter contactado. Com nostalgia, guardo as cartas que me remetia de Paris com conteúdos programáticos para o curso de Sociologia da UAL. Fica a saudade dos finais de tarde à Sexta-feira. Não eram aulas, eram licões de vida... que muitos poucos souberam apreciar, valorizar e interiorizar. Deixo a minha sincera homenagem a quem já partiu mas que jamais esquecerei.
Obrigado a Assim Falava Zaratustra
pela completíssima informação e bibliografia. Patricio Branco
A Patricio Branco: Não tem que agradecer, e, já agora, deixo-lhe o link onde pode ler os elogios proferidos em Memória do Professor Alfredo Margarido aquando da sua cremação:
http://www.adelinotorres.com/autores/Elogios_em_memoria_de_Alfredo_Margarido.pdf
Um abraço
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