sábado, dezembro 12, 2009

Salazar


Encomendado através da Amazon - com uma simplicidade que agrava seriamente o meu espaço livresco - acabo de receber este "Salazar - a political biography", da autoria de Felipe Ribeiro de Menezes, editado em Nova Iorque, pela Enigma Books.

Ainda vou no início das suas 644 páginas, mas já deu para entender que estamos perante a primeira grande biografia séria de António de Oliveira Salazar. O trabalho de pesquisa e de referência é notável, o texto é construído com ritmo e elegância. Este livro, pela sua qualidade, afasta-se das "hagiografias" salazarentas de que o exemplo maior são os seis volumes de Franco Nogueira. Desta vez, estamos, finalmente, no terreno da História e Salazar passa a ter uma biografia a um nível similar àquele que Paul Preston dedicou a Franco.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

Isabel Meirelles


Ontem, numa comunicação que me mandou, Cruzeiro Seixas referia-se a Isabel Meyrelles como uma "velha amiga desde os anos 40, em que a liberdade não nos era dada, mas conquistada minuto a minuto".

Há meses, já falámos aqui de Isabel Meyrelles, uma personalidade artística da escola surrealista portuguesa a quem hoje, em representação do Presidente da República, entreguei as insígnias da comenda da Ordem de Sant'Iago da Espada, numa cerimónia que organizei na Embaixada, a que estiveram presentes alguns dos seus amigos de Paris.

Na acto de entrega, sublinhei que a mesma se destinava a premiar o "mérito literário, científico e artístico" e, como curiosidade, referi que estávamos perante uma insígnia fundada em 1170. Na mensagem que enviou para a ocasião, o secretário de Estado das Comunidades Portugueses referiu-se a Isabel Meyrelles como "uma das mais significativas figuras da nossa diáspora".

Devo confessar que foi com particular gosto que fiz entrega desta condecoração. Isabel Meyrelles não faz parte do grupo de artistas incessantemente incensados pela crítica e pela comunicação social, mas o seu trabalho como escultora, tradutora e divulgadora das culturas que se expressam em português há muito que merecia este reconhecimento.

Clima




A propósito da reunião de Copenhague sobre o clima, António Guterres publica hoje no "International Herald Tribune" um artigo muito interessante em que analisa os efeitos das alterações climáticas nas movimentações forçadas das populações.

No texto, diz uma verdade que às vezes alguns esquecem: "O que se pode dizer, com considerável certeza, é que o impacto da mudança climática será sentido mais fortemente pelos países mais pobres, que são os menos responsáveis pelo fenómeno e que estão menos preparados para lidar com ele".

quinta-feira, dezembro 10, 2009

A Estratégia de Bruxelas


Alguns Estados membros, acompanhados pelo presidente da Comissão Europeia,  propuseram formalmente, na revisão da Estratégia de Lisboa, ontem decidida, que o nome da capital portuguesa desaparecesse da designação deste processo de reforço da competitividade europeia. Passará a chamar UE-2020, por proposta da Comissão.

A Estratégia de Lisboa foi um projecto, aprovado em 2000 por todos os governos da União Europeia, que tinha como objectivo transformar a União Europeia na economia mais competitiva do mundo, com pleno emprego, no ano de 2010. Numa síntese arriscada, pode dizer-se que a Estratégia se baseava em duas ideias-chave, fruto da identificação dos elementos caracterizadores da distância que separava a economia europeia das que estavam mais avançadas: democratizar o acesso à sociedade de informação, promovendo um reforço da investigação e desenvolvimento no espaço europeu e aperfeiçoar o modelo social europeu, desenvolvendo a educação e a formação, pelo investimento nos recursos humanos, no combate à exclusão.

As áreas cobertas pela Estratégia, acordadas no Conselho Europeu de Lisboa, em Março de 2000, somavam-se às que eram já objecto de políticas comunitárias, as quais evoluiam sob proposta da Comissão Europeia, nomeadamente em matéria de promoção de emprego, reforço da livre circulação e coordenação macro-económica. Tratava-se, desta forma, de procurar obter a convergência progressiva de políticas que relevavam da competência dos governos nacionais e que foram consideradas como podendo ser o motor do crescimento sustentado da economia europeia. Isso era feito através do chamado "método aberto de coordenação", o qual procurava sublinhar as "melhores práticas" nacionais e, com o respectivo exemplo, estimular efeitos de arrastamento.

A Estratégia de Lisboa não era um programa português: era um programa aceite por unanimidade pelos chefes de governo dos "Quinze", com base numa proposta apresentada pela presidência portuguesa da União Europeia, então chefiada por António Guterres, o qual teve na professora Maria João Rodrigues a sua principal colaboradora. À época, a Estratégia mereceu os maiores encómios pelo seu carácter inovador. Aliás, muito se evoluiu, desde 2000, em vários dos seus objectivos. A metodologia da Estratégia é hoje apontada como inspiradora de diversos projectos, um pouco por todo o mundo. Estou à vontade para referir isto, porque nada tive a ver com o desenho da Estratégia, não obstante as responsabilidades que tinha, à época.

O sucesso pleno da Estratégia de Lisboa dependia, não das instituições da União Europeia, mas exclusivamente da vontade política dos seus Estados membros, da sua disponibilidade e empenhamento para levarem a cabo as reformas que as políticas nele desenhadas pressupunham. Foi essa vontade política que falhou, muito provavelmente porque a evolução da situação política, económica e social em alguns desses países justificou o abandono de certas linhas de trabalho. Não se diga, contudo, como já tenho visto escrito, que o "erro" da Estratégia foi não comportar mecanismos constrangentes. Foi precisamente pelo facto de, desde o início, os Estados considerarem que não estavam disponíveis para adoptar modelos constrangentes que levou a optar por fórmulas baseadas na exploração da vontade demonstrada por cada país, a cada momento. Se os Estados estivessem na disposição de forçar a adopção de medidas, bastar-lhes-ia ter comunitarizado tais políticas,  na revisão dos Tratados, colocando-as sob tutela de iniciativa da Comissão Europeia.

A Estratégia de Lisboa teve uma "revisão a meio do percurso", prevista no projecto inicial., que reorientou algumas das suas metas. Não obstante, à luz de factos imprevisíveis e de conjunturas diversas, alguns dos seus objectivos mostraram-se irrealistas, já não sendo vistos como adequados aos novos desafios emergentes. O alargamento da União Europeia trouxe também impactos que não eram previsíveis à época em que a Estratégia foi delineada. Impôs-se, assim, uma revisitação da Estratégia, para a reformar.

A UE-2020 vai agora substituir a Estratégia de Lisboa, readequando alguns dos anteriores projectos. Nada impedia, contudo, que continuasse a ter o mesmo nome. Boa sorte para a UE-2020.

Carlos Lopes


Conheci-o no país onde nasceu, a Guiné-Bissau, no final dos anos 80. Ao longo dos anos, voltámos a encontrar-nos várias vezes em Nova Iorque e em diversas outras paragens. Coincidimos por algum tempo no Brasil, onde era representante da ONU.

Carlos Lopes é um funcionário internacional especializado em questões de desenvolvimento, com uma carreira académica riquíssima e uma experiência que o levou a director do gabinete de Kofi Annan, entre outros cargos. Tem publicados mais de 20 livros. Actualmente desempenha as funções de director-geral do Instituto das Nações Unidas para a Formação e Pesquisa, a UNITAR, em Genebra.

Ontem, durante um almoço na Embaixada, ouvi-o com atenção sobre a situação actual que se vive no seio das Nações Unidas, em especial no quadro da crise económica e dos afloramentos institucionais que a mesma estimulou. Impressiona-me sempre a lucidez equilibrada deste homem, ao analisar o panorama internacional e ao abordar as grandes linhas de clivagem em cuja superação assentam hoje as hipóteses de um futuro de paz e estabilidade.     

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Maria João Seixas


Já inventariámos os nossos antepassados e chegámos à conclusão que não temos qualquer parentesco. Mas, mesmo que o tivéssemos, não prescindiria de dizer aqui quanto me agradou a nomeação de Maria João Seixas para a presidência da Cinemateca Nacional.

Leiam ou assistam às suas entrevistas e percebam como é possível transpor para um diálogo a inteligência crítica e o sentido de oportunidade, revelando a capacidade de trazer a riqueza essencial do interlocutor à tona da conversa. Estou certo que Maria João Seixas vai fazer um excelente lugar, com uma programação que coloque a Cinemateca, de forma ainda mais evidente e eficaz, nos roteiros culturais da cidade de Lisboa.

Ah! e há um ponto importante. A Maria João sabe rir e não cultiva aquele ar sisudo de quem acha que a cultura e a frequência dos meios intelectuais impõem uma pesada gravitas, como os que parecem ter por nobre e prestigiado destino o transporte às costas de todas as angústias existenciais do mundo.

terça-feira, dezembro 08, 2009

Ainda Clara de Ovar


Há alguns meses, falou-se aqui de Clara de Ovar, um nome que teve o seu tempo parisiense, cidade onde criou um restaurante português e onde faria a sua estreia no cinema.

Na altura, pediram-se contribuições para a sua biografia e elas apareceram em comentários ao post então publicado.

Agora surgem novos e mais completos dados, que podem ser consultados aqui.

Brasil - um ano depois


Dia por dia, faz hoje precisamente um ano que deixei o Brasil.

Como memória desse tempo, fica o texto que então publiquei, na introdução ao meu livro "Tanto Mar? - Portugal, o Brasil e a Europa", e que pode ser lido aqui.

Previsões (2)


A propósito do post "Previsões", gostava de afirmar que, como qualquer mortal - e os diplomatas são simples mortais... -,  também já me enganei, e bem, em avaliações políticas.

Não tenho, aliás, qualquer dúvida em expor esses deslizes, como fiz na "Crónica de um erro diplomático" que publiquei no Diário Económico (16.5.07) e que pode ser lido aqui.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Caetano Veloso



Caetano Veloso é um compositor e um cantor excepcional. Há dois anos, em S. Paulo, apenas com uma viola e a sua voz, vi-o encher um palco e conquistar o público de uma forma que muito raramente acontece. Foi um dos melhores espectáculos a que já assisti.

Por uma razão que nunca descortinei, Caetano Veloso dá-se ares de intelectual e muita gente vai nisso, mesmo entre nós. É talvez a emulação com Chico Buarque que o leva a aventurar-se pelos caminhos do pensamento, onde tropeça em algumas notas, com uma presunção que se alimenta de ideias arrevezadas, de frases para parangona, de um "name-dropping" para provar não se sabe bem o quê. Nestes caminhos, hoje como no passado, assume com regularidade uma lusofobia que sabe tocar de perto o sentimento de uma certa intelectualidade.

Há dias, lá esteve na Casa Fernando Pessoa. Falou de Lula, para dizer esta pérola: "à luz tropical do sebastianismo de Pessoa via Agostinho, Lula surge a meus olhos como uma figura de grandeza histórica e épica. Uma grandeza do tipo épico em versos líricos que se encontra em ‘Mensagem’ [ao dizer isto, quase começa a rir-se, refere o Público]. Sinto ternura, simpatia, amor pelas figuras que pareçam carregar a tocha dessa caminhada em que me descobri implicado desde menino”.

Sobre as razões que levam o seu país a apreciar um presidente que “nem sequer concorde os artigos com os substantivos que usa, se elegendo e tendo 80 por cento de aprovação”, Caetano adianta tratar-se de um sinal “dessa originalidade brasileira” que vem do facto de “sermos portugueses, de termos sido colonizados dessa maneira que agradou ao Gilberto Freyre”. Mas que não agrada a Caetano, que talvez tivesse preferido os holandeses. Pois é, mas foram os portugueses, desculpa, ó Caetano!

E agora, se me permitem, vou começar a noite a ouvir o magnífico cantor que é Caetano Veloso.

Em tempo: Inês Pedrosa, em comentário, afirma que as citações reportadas pela imprensa foram decontextualizadas e que o texto completo confirmará isso. Concedo que possa ser assim, mas já ouvi, no passado, Caetano Veloso fazer considerações lusofóbicas. Mas fico a aguardar mais dados.

domingo, dezembro 06, 2009

Previsões

Há dias, o jornal "Le Figaro" trazia a notícia de que o representante consular da França no Dubai enviara a Paris, precisamente na véspera do anúncio do estado de colapso da economia daquele emirado, uma comunicação altamente optimista sobre a "saúde" das finanças do território, em chocante contraste com a realidade que viria a emergir 24 horas depois. O diplomata terá sido "chamado à pedra".

Para um profissional do mesmo ramo, não é uma boa notícia ver uma informação diplomática, certa ou errada, expedida sob confidencialidade, aparecer na praça pública. Porquê? Porque uma generalização dessa transparência acabaria por nos inibir a todos de dizermos às nossas autoridades o que pensamos, com grande e exposta franqueza, por vezes apoiados em dados confidenciais, citando fontes que querem permanecer discretas e fazendo comentários apreciativos sobre personalidades que devem manter-se restritos a um escasso número de leitores especializados. Sei que pode parecer "corporativo" estar a dizer isto, mas a avaliação sobre se erramos ou acertamos deve competir apenas aos nossos ministérios. Caso contrário, a diplomacia desaparece...

Este episódio fez-me recordar um outro, ocorrido nos anos 90, com uma representação portuguesa num determinado país. Por razões que se prendiam com as funções que eu então ocupava, lia com alguma particular atenção a evolução da respectiva situação política, interessando-me pela relação interna das suas forças político-partidárias, porque da sua resultante futura em termos de governo dependeriam certas decisões que eram relevantes para nós.

Um dia chegou daquela Embaixada um bem argumentado "telegrama" (expressão que usamos para qualificar as nossas comunicações) de avaliação da situação política interna, que apontava para uma insofismável vitória da esquerda nas eleições que aí iriam ter lugar dentro de alguns tempos.

Passou mais de um mês e caiu à minha frente um novo telegrama onde, sem se fazer a mínima referência ao anterior, o subscritor afirmava precisamente o contrário do que antes havia dito. Alguns dos argumentos anteriormente utilizados para apontar a plausibilidade de uma vitória da esquerda apareciam agora "reciclados" em suporte da sua nova tese: a direita ia ganhar, por todo um conjunto de "sólidas" razões. A contradição com o telegrama anterior era óbvia e flagrante, mas o nosso homem nem sequer se preocupou em justificar a sua mudança de opinião, que, aliás, contrariava o que o "The Economist" e o "Le Monde" previam.

Fiquei à espera dessa coisa temível para a diplomacia que são os factos. Uma semana e pouco depois, a esquerda ganhou as eleições nesse país, por grande margem. Pedi para me trazerem o telegrama de comentário da nossa Embaixada. Lá estava o que eu já presumia: o nosso homem não resistiu e escreveu: "como tive ocasião de reportar a Vexa através do meu X (número do primeiro telegrama), a esquerda saiu vencedora...". Se acaso tivesse sido a direita a ganhar, o telegrama mencionado teria sido o Y (o segundo telegrama) e o nosso diplomata, que se havia "sangrado em saúde" com a emissão de duas comunicações de sentido contrário, continuaria confortável. Só que, por vezes, por um azar dos Távoras que ocorre a este género de vivaços, há quem leia tudo... O homem já se reformou, sosseguem os curiosos!

Sedes

Uma noite, creio que em meados de 1973, numas instalações da rua Viriato que eram então ocupadas pela SEDES - esse clube de reflexão político-económica, de matriz liberal, que o marcelismo deixou criar e que ainda hoje subsiste -, assisti a uma palestra de Francisco de Sá Carneiro. Recordo-me de o ver chegar ao hall, muito sereno e sério, de gabardine preta, com uma postura erecta que disfarçava a sua pequena estatura. Já não me lembro do tema da charla, mas seguramente tinha a ver com a temática das liberdades, tocada no tom reformista que era o seu.

No final, com a sala apinhada, houve algumas perguntas. Marcelo Rebelo de Sousa fez uma. Sucedeu-lhe um outro jovem, que eu não conhecia, com um discurso muito articulado, que colocou uma daquelas longas falsas perguntas que, neste tipo de eventos, substitui a intervenção que gostariam de ter feito. Perguntei quem era, a um amigo que me acompanhava: "É um católico do Técnico. Dizem que é muito esperto. Chama-se António Guterres".

Duas décadas mais tarde, eu e esse amigo integraríamos os dois governos em que António Guterres foi primeiro-ministro.

sábado, dezembro 05, 2009

Sá Carneiro


Francisco Sá Carneiro, que há 29 anos morreu no desastre de Camarate, por acidente ou atentado, teria hoje 75 anos. O que lhe teria sucedido, no quadro da vida política portuguesa, se não tivesse desaparecido? A História não se compadece com este tipo de interrogações, mas a indiscutível preeminência de que dispunha na sua área política leva à presunção lógica de que se teria mantido em cenários de continuado protagonismo.

Sá Carneiro foi uma personalidade de recorte muito particular na vida política portuguesa. Convidado para deputado independente nas listas da União Nacional, cedo entrou em conflito com Marcelo Caetano, ao constatar a sua falta de vontade para promover uma clara abertura política. O ostensivo afastamento que veio a marcar face ao regime, antecedido de alguns gestos reveladores de coragem e determinação, criou-lhe um crédito político que veio a utilizar após o 25 de Abril, ao fundar aquele que viria a revelar-se um dos partidos fundamentais no novo regime democrático - o então chamado Partido Popular Democrático (PPD), mais tarde Partido Social Democrata (PSD).

Os seis anos da sua relação com o PPD não foram tempos fáceis, quer dentro desta formação política, quer na sociedade portuguesa em geral. Sá Carneiro, afectado por problemas de saúde, rupturas familiares, dissidências internas e acusações públicas que se viriam a revelar infundadas, mostrou ser uma figura com carisma, encarnando com muita firmeza um projecto liberal que, simultaneamente, se opunha ao prolongamento dos militares no eixo da vida política e às orientações dos vários sectores da esquerda, de quem se tornou uma clara "bête noire". A sua morte coincide com a derrota, cujas consequências iria ter de suportar, do seu candidato à presidência da República, o general Soares Carneiro.

O que teria acontecido em Portugal, com o general Eanes na presidência, com a contestação que Sá Carneiro seguramente lhe iria fazer, com a crise económica que levou à intervenção do FMI? Qual seria, por exemplo, o seu grau de disponibilidade para entrar numa solução de Bloco Central, como a que foi protagonizada por Mário Soares e Mota Pinto, que foi então considerado essencial para superar um momento muito delicado da vida portuguesa? Nunca o saberemos, embora o perfil de Francisco Sá Carneiro se afigurasse pouco consentâneo com esse tipo de compromissos. A pergunta permanecerá para sempre: o que teria acontecido a Sá Carneiro se não tivesse morrido naquela trágica noite, em Camarate?

(Peço de empréstimo ao meu amigo Alfredo Cunha esta excelente foto de Sá Carneiro)

Platini

Numa entrevista ao "Le Figaro", o actual presidente da UEFA e um dos maiores génios de sempre do futebol mumdial, Michel Platini, mostra-se fortemente contrário à introdução de meios de certificação de lances através de vídeo, como elemento complementar da arbitragem.

Para Platini, a televisão matou a arbitragem, mas não será ela que a vai salvar. A sua única proposta é a generalização do uso de mais dois fiscais por jogo, colocados junto às balizas.

Tendo a concordar. O uso de meios tecnológicos "cortaria" o ritmo de jogo e, além do mais, exigiria um arsenal de câmaras e estruturas difícil de sustentar e de generalizar. O futebol terá de continuar a ser humano. Como o erro.

América Latina

A avaliação feita por grande parte da comunicação social sobre os resultados da recente cimeira ibero-latinoamericana, realizada em Portugal, tendeu a sublinhar as supostas ineficiências desta comunidade de países, relegando para um notório segundo plano as virtualidades do trabalho conjunto, que vem sendo desenvolvido ao longo dos anos que a mesma leva de actividade.

Julgo que teria sido importante que a opinião pública pudesse ter elementos mais concretos sobre este exercício, sem dele esperar aquilo que ele não pode dar, mas igualmente tendo em atenção os progressos por ele alcançados.

Esta relação da América Latina com Portugal e Espanha tem vindo a aculturar uma atitude comum face a um conjunto muito diverso de sectores, com uma cooperação cujo aprofundamento sofre, naturalmente, da circunstância de estarmos perante Estados muito diversos, marcados por realidades nacionais muito distintas, algumas das quais conflituais entre si.

É sabido que o processo político na América Latina tem tido uma progressão não linear, com avanços e recuos, em especial em países cuja estabilização económico-social está longe de concluída. Nenhuma força exterior, muito menos uma estrutura de enquadramento oriunda de vectores de proximidade cultural, como é o caso da comunidade ibero-latinoamericana, tem condições de forçar essa realidade e de "apressar" decisivamente o futuro de todos e de cada um.

Não será, porém, por acaso que o conjunto de Estados agregados nesta comunidade continua interessado em mantê-la. É por detectar muitos pontos positivos no prosseguimento desse trabalho que todo aquele vasto número de países se mantém empenhado no exercício - cuja actividade, convém lembrar, se desenvolve numa multiplicidade de modelos de cooperação que estão diariamente no terreno e de que as cimeiras são apenas um momento pontual de avaliação e de reorientação programática e política.

A conflitualidade interna em certos Estados latino-americanos, bem como a ocorrência de dissídios entre outros, fazem parte integrante da vida internacional e têm de ser compreendidos como factos que não é possível evitar. O que a comunidade deve fazer, e fá-lo com regularidade, é colocar à disposição desses mesmos Estados, sob a óptica de um património de valores e princípios que todos subscreveram, a possibilidade de gizar plataformas de diálogo. Umas vezes isso é possível, outras vezes não.

Além disso, julgo que a nossa opinião pública também não se dá conta da valia que esta vertente de relação geográfica tem para a relevância da acção de Portugal e Espanha no seio da definição da política exterior da União Europeia - onde ambos os países se assumem hoje, com enorme e inigualado destaque, em todo o quadro de definição da relação Europa-América Latina.

Esta cimeira em Portugal, realizada num contexto difícil para alguns Estados latino-americanos, constituiu-se como um esforço colectivo muito meritório para o prosseguimento da comunidade ibero-latinoamericana.

Alguns aspectos haverá, porventura, que analisar mais aprofundadamente no futuro, com vista a dar a esta comunidade um carácter cada vez mais satisfatório para todos os seus integrantes. Penso, por exemplo, no interesse que haverá em fazer prevalecer, naquele contexto, um maior equilíbrio entre os dois grupos linguísticos que a compõem, gizando atempadamente um agenda comum entre Portugal e o Brasil, que possa ir em paralelo com aquela que hoje é assumida pelos países de língua espanhola e que tem já importante expressão em muita da estrutura e actividade da comunidade. Esse é, aliás, um dos caminhos para vir a conferir ao Brasil o relevo que tem direito a usufruir no seio da comunidade, pelo facto de ser o maior e mais importante país desta estrutura bi-regional.  O tempo ensinou-me que uma condição sine qua non para o progresso da comunidade ibero-latinoamericana assenta na possibilidade de potenciar do entusiasmo do Brasil neste exercício. Com isso, por variadas razões, Portugal só terá a ganhar.

Em tempo: chamo a atenção para os oportunos comentários sobre este post inseridos no Blogue Notas.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Camarate

Faz hoje 29 anos que o primeiro-ministro Francisco de Sá Carneiro e o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, bem como várias outras pessoas que os acompanhavam, pereceram num desastre aéreo em Camarate, nos arredores de Lisboa.

Sá Carneiro era, há menos de um ano, primeiro-ministro de Portugal. Viviam-se tempos políticos de grande tensão, com eleições presidenciais a terem lugar  três dias depois.  As condições em que as mortes tiveram lugar deram origem, desde então, a uma interminada polémica - entre os que entendem que se tratou de um acidente e os que favorecem a tese de um atentado.

É sempre pena ver a análise de acontecimentos desta importância reconduzida e praticamente reduzida ao contraditório do debate político. A imagem dos países sai sempre engrandecida quando questões com esta gravidade ficam totalmente clarificadas, com a verdade a emergir por si própria e de forma indisputada. Infelizmente, no caso do desastre de Camarate, a história política portuguesa terá de viver, para sempre, com o peso do enigma.

quinta-feira, dezembro 03, 2009

José David


Como aqui referi há alguns meses, a importância da obra de José David justificava o seu melhor conhecimento. Foi isso que ontem se fez, com a organização de uma exposição na Embaixada.

Um público muito interessado, de admiradores e amigos do pintor português que há 40 anos desembarcou em Paris, apreciou um conjunto muito elaborado de alguns dos seus trabalhos mais recentes e de outros de um período não muito distante.

Esta foi apenas uma entre mais de duas dezenas de exposições e mostras do seu trabalho que José David efectuou em vários e prestigiados lugares, com óbvio destaque, em Paris, para o Centre Pompidou e o Centro Cultural Gulbenkian. 

Para quem conhece menos bem José David, aconselho uma leitura do seu perfil feito por Susana Paiva, a quem fica a dever-se a excelente foto que aqui peço de empréstimo.


Em tempo: lamento contrariar o "politicamente correcto", ao reproduzir o artista em prática viciante.

Democracias

A decisão dos cidadãos suíços, tomada em referendo, de proibir a construção de minaretes nas mesquitas, é uma atitude que, claramente, pode ser lida como relevando do sentimento criado naquele país em relação à comunidade muçulmana. As suas consequências políticas, bem como os seus efeitos colaterais, continuam a ser avaliadas em outros Estados, dada a sensibilidade que o tema tem, nomeadamente em termos de exercício da liberdade religiosa, num contexto mundial muito particular.

As regras da democracia, em particular as que vigoram na Suíça e que dão origem a frequentes referendos, são o que são. A utilização da democracia directa tem inegáveis virtualidades de mobilização cívica e de uma maior proximidade dos cidadãos face às atitudes do Estado. Resta saber se, por vezes, essa intensa "subsidiariedade" não é apenas uma tentativa para obter um conforto democrático face a decisões que se sabe serem  mais delicadas. Só que, como neste caso, o tiro pode "sair pela culatra" e o governo suíço vai ter agora de gerir externamente uma atitude de que os cidadãos votantes não tiveram em conta, seguramente, todas as consequências e repercussões. Para isso, para consagrar essa visão de conjunto no período de vigência dos seus mandatos, é que se elegem governos, com base em programas políticos. Alguns dirão que os suíços lá sabem, que é a sua vida. Será, mas, num caso como este, também pode afectar a nossa.

quarta-feira, dezembro 02, 2009

Belém


... e lá fui, com Américo Tomás, conduzido até Belém.

O leitor não deve esperar deste post uma insólita historieta que envolva o antigo presidente da República, afastado pela Revolução de Abril. Trata-se, muito simplesmente, do facto de ontem ter sido levado pelo motorista do MNE, sr. Américo Tomás, à Torre de Belém, para assistir, como convidado, à cerimónia da entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

Como a imagem que captei com telemóvel pobremente documenta, foi uma bela festa, organizada por Portugal, para comemorar, simultaneamente, o início da aplicação do novo Tratado que leva o nome da capital portuguesa e para recordar, uma vez mais, o facto da presidência portuguesa da União Europeia, em 2007, ter conseguido garantir os difíceis consensos que viriam a permitir o fecho dessa longa negociação institucional.

Muita gente na Europa tem esperança que o Tratado de Lisboa represente a "pacificação" da conflitualidade institucional que se instalou na vida comunitária desde há muitos anos, bem patente nas efémeras revisões do Tratado de Maastricht - Amesterdão e Nice -, seguida pelo fracasso do Tratado Constitucional. O Tratado de Lisboa, precisamente porque muito dificilmente parece ser possível opor-lhe uma alternativa consensual a 27 ou mais países, pode ter garantida uma longa vida. E, com ele, o nome de Lisboa ganhará um merecido lugar no imaginário europeu.

Patten

Já aqui falámos, em tempos, de Chris Patten, um político conservador britânico com uma singular clarividência e coragem para assumir as suas ideias.

Para os que se interessam pelas coisas europeias e, em especial, pelo destino da voz própria da Europa no plano internacional, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, deixo o link para o lúcido artigo que Patten fez publicar, entre outros, no "Le Figaro". Pode ser lido em francês ou ouvido no original em inglês.

segunda-feira, novembro 30, 2009

Independência


O dia 1º de Dezembro, data que marca a recuperação da independência de Portugal face a Espanha, em 1640, parece ter hoje um significado residual para a maioria dos portugueses. Já muito poucos recordam a história da revolta aristocrática que, aproveitando habilmente a fragilidade conjuntural de Madrid, repôs a coroa numa personalidade portuguesa, na figura de um titular da família Bragança. Pergunte-se, pelas ruas do nosso país, a razão de ser deste feriado e - garanto! - as respostas serão as mais díspares e disparatadas.

A ditadura do Estado Novo procurou aproveitar, de forma oportunista, as grandes datas da nossa nacionalidade. Ao politizar esses momentos, ela contribuiu decisivamente para a diluição da sua importância no imaginário colectivo e, por uma reacção a contrario, fez deles afastar os cidadãos, o que resultou na quebra da herança histórica intergeracional com que se define um país. Confesso que sinto alguma nostalgia quando vejo o modo respeitoso como os franceses ou os britânicos comemoram as suas datas fundacionais, ao mesmo tempo que observo a displicência com que, em Portugal, se olham tempos similares nossos. E isto é tanto mais estranho quanto a nossa História, por ser muito antiga e rica, justificaria que as novas gerações olhassem para ela com bastante orgulho.

Na minha juventude, o 1º de Dezembro era uma data cheia de comemorações oficiais. Por todo o país, o dia era prenhe de desfiles e romagens esforçadamente patrióticos. Nos meus primeiros anos do liceu, em Vila Real, para a marcha militarista obrigatória que fazíamos pelas gélidas ruas da cidade, de calção castanho e camisa verde, com o cinto com um críptico S, a minha mãe acolchoava-me com camisolas interiores sobrepostas, para evitar as gripes que, à época, não tinham siglas cosmopolitas como as de agora. Mais crescido, passei a ir às "ceias do 1º de Dezembro" e a colaborar nas récitas do Teatro Avenida, onde a proverbial injustiça da crítica impediu que ficassem gravadas em glória algumas imorredouras "performances". Já de capa e batina, íamos cantar pela cidade o hino da Restauração, com uma letra "estadonovista" que era uma espécie de segundo hino da Mocidade Portuguesa. Os nostálgicos podem ouvi-lo aqui. Eu, confesso, ainda sei de cor a letra.

Hoje, o 1º de Dezembro está transformado numa data caricatural, comemorada por grupos minoritários, em busca de um reconhecimento que o público lhes nega e que só alguns blogues de seita acolhem. Neles sobrevive um anti-espanholismo primário - essa doença infantil do portuguesismo - que acaba por obscurecer os verdadeiros novos perigos que o país corre no plano externo.

Olhar o futuro




Aproveitando esta bela imagem de outros tempos, que ressalta a relação futebolística entre Portugal e a França, chamo a atenção para o artigo "Olhar o Futuro", sobre as relações político-económicas bilaterais, que publico no último número da revista da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Francesa, em Lisboa, e que pode ser lido aqui.

domingo, novembro 29, 2009

Cerimónia


Já em tempos, tinha lido Eusébio afirmar que, aquando da sua vinda para o Benfica, o respeito era tal face a figuras consagradas da sua nova equipa que os tratava por sr. Coluna e sr. Costa Pereira.

Francamente, pensava que os tempos tinham mudado e que o ambiente, no seio dos clubes ou da selecção nacional, havia perdido esse tipo de cerimónias.

Por essa razão, foi com grande surpresa que li a confissão de Petit ao Jornal "i", sobre os seus primeiros dias na selecção: "Nos treinos, eu nem pedia a bola e quando a roubava entregava-a logo a eles, porque tinha vergonha de dizer 'ó Figo', 'ó Rui', 'ó Pauleta!'".

Pelos vistos, há um mundo por detrás desta timidez que joga mal com a sem-cerimónia agressiva que Petit assume em campo.

Será que isto também é válido para outras actividades, como a política ou a diplomacia?

sábado, novembro 28, 2009

Teresa Salgueiro

Foi um belo espectáculo aquele que Teresa Salgueiro trouxe ontem a Neuilly-sur-Seine, a convite da Associação Cultural Portuguesa naquele subúrbio elegante de Paris.

Embora muitos associem ainda a sua voz aos Madredeus, Teresa Salgueiro, não abandonando a recriação de música antiga, passa agora pelo folclore e pelo fado, a que liga clássicos contemporâneos, como José Afonso e Fausto.

Teresa Salgueiro é hoje uma excelente "marca" portuguesa para o mundo.

O meu Comissário

Maigret

sexta-feira, novembro 27, 2009

Migrações

Recordava Jacques Toubon como ministro dos governos de Jacques Chirac, bem como deputado europeu. Ontem, visitei-o como presidente da Cité Nationale de l'Histoire de l'Immigation, e com ele estive a analisar a possibilidade de trabalharmos em iniciativas tendentes a sublinhar publicamente aspectos da migração portuguesa para França.

Este museu está instalado num edifício remanescente da Exposição Colonial de 1931, ricamente decorado com um curioso conjunto de símbolos artísticos desse mesmo tempo. Colocá-lo agora ao serviço da memória da imigração, que dá destaque às componentes da presente diversidade da sociedade francesa, constitui um imaginativo gesto cívico.

No diálogo com Jacques Toubon tornei claro por onde pretendemos avançar, na colaboração que a Embaixada pretende estabelecer com a instituição que ele dirige com grande entusiasmo e dinamismo. A aventura migratória de Portugal para a França é uma saga heróica de cuja memória não nos devemos afastar, porque constitui um singular património de dignidade e de coragem, um tempo histórico de que sempre nos devemos orgulhar. Um orgulho que é devido a homens e mulheres que tiveram a força anímica para dar o salto para um futuro de sacrifício e trabalho - como foi o caso do nosso compatriota Baptista de Matos, uma figura destacada da comunidade em Paris cujo percurso pessoal aparece singularizado na exposição permanente patente no museu. Mas esse orgulho tem sempre de ser pontuado pela consciência de que esses cidadãos foram obrigados a encontrar no estrangeiro as soluções para o seu destino, porque o seu próprio país foi incapaz de lhas proporcionar.

Assim, e sem esquecer nunca esse tempo de sacrifício, não creio ser prioritário estar a sublinhá-lo obsessivamente em exposições ou debates, a menos que esses inventários de memória sejam centrados em temáticas específicas que ainda não hajam sido suficientemente abordadas e que nos ajudem a aprofundar algumas dimensões mais interessantes. O que essencialmente nos interessa é olhar em frente. Por isso, as hipóteses de trabalho que analisei com Jacques Toubon prendem-se também com a análise dos processos de integração das actuais gerações de portugueses e de luso-descendentes, como exemplo de percursos a seguir e a relevar em termos públicos.

Tenho esperança de que seja possível vir a estabelecer uma relação de útil cooperação entre algumas instituições portuguesas e este museu da imigração, com vista a dar visibilidade e destaque àquilo que foi e é o magnífico esforço da nossa comunidade em França.

quinta-feira, novembro 26, 2009

Melo Antunes

Ernesto Melo Antunes é uma das personalidades fundadoras da democracia portuguesa. Ideólogo do Movimento das Forças Armadas (MFA), teve um papel central na superação das tensões políticas que marcaram a vida portuguesa durante 1975. Nesse ano, coordenou a definição de um Plano de recuperação económica do país, foi redactor do "Documento dos Nove", que representou a linha moderada do MFA contra as correntes mais radicais do processo revolucionário, e a ele se fica a dever a corajosa travagem de uma deriva autoritária que alguns esperavam retirar da vitória político-militar dessa mesma linha, na sequência dos acontecimentos de 25 de Novembro.

Melo Antunes foi ministro em governos provisórios após a Revolução de Abril, com especial destaque para os Negócios Estrangeiros, onde assegurou uma gestão que abriu o diálogo de Portugal com áreas importantes daquilo que então se designava por Terceiro Mundo. Homem sem ambições políticas, foi presidente da Comissão Constitucional e membro do Conselho de Estado, vindo a assumir funções importantes no âmbito da UNESCO.

Hoje e amanhã, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, o perfil de Melo Antunes vai ser analisado por cerca de 30 personalidades, que o admiravam e respeitavam. Tenho pena que impedimentos pessoais me não permitam poder participar na homenagem a uma figura que faz muita falta a Portugal e de quem tive o privilégio, embora já tarde na sua vida, de poder ser amigo.

Em tempo: Leiam, sobre Melo Antunes, o que diz Tim Tim no Tibete.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Douro em Paris

Ontem, o Douro desaguou na Embaixada de Portugal em Paris. Com apresentações culturais e turísticas, acompanhados por produtos típicos da região, promotores, jornalistas e empresários, bem como "opinion makers", puderam usufruir de uma imagem mais concreta da região do Douro. Oportunidades de investimento, dimensões culturais, facilidades turísticas e apelo paisagístico e ambiental foram alguns dos aspectos relevados na sessão.

Mais tarde, no restaurante Saudade, o chefe Rui Paula, do restaurante duriense DOC, apresentou a algumas dezenas de convidados um qualificado jantar "gourmet".

O vinho do Porto, mas igualmente os excelentes vinhos de mesa do Douro, estiveram em evidência durante esta acção promocional.

Uma bela jornada para uma bela região. Esta promoção do Douro vai continuar a fazer-se pelo mundo, com o apoio das nossas Embaixadas.

De Boissieu

Uma escolha de que praticamente se não falou nas recentes decisões sobre lugares europeus foi a do secretário-geral do Conselho de Ministros. Engana-se muito quem pensar que este cargo não tem relevância. A França promoveu para ele o nome de Pierre de Boissieu que era, até agora, secretário-geral adjunto, nº 2 de Javier Solana.

Pierre de Boissieu é, a meu ver, uma das figuras que melhor conhece a estrutura comunitária, para onde entrou há mais de 30 anos, pela mão de François-Xavier Ortoli, então presidente da Comissão europeia. Com os seus inconfundíveis pullovers azuis escuros, muitos dos quais já com ostensivo furo no cotovelo, de Boissieu é uma pessoa a quem, estou certo, os qualificativos de vaidoso e arrogante, que frequentemente lhe colam, não devem desagradar, porque ele próprio é cultor, com algum gozo e maestria, desse mesmo perfil. Espartano nos costumes, ácido na ironia e brilhante no raciocínio, com um ar algo irritante para muitos, onde se vê uma réstea do que terá sido um menino sobredotado e sabichão, de Boissieu mantém-se hoje como o eixo imprescindível de uma máquina de grande qualidade.

Em mais de cinco anos de convivência próxima, tive com Pierre de Boissieu algumas "accrochages" públicas fortes, entre as quais recordo, em particular, uma acesa discussão sobre questões relativas ao alargamento, numa madrugada do Conselho Europeu de Santa Maria da Feira, em Junho de 2000. O Secretariado-Geral do Conselho, onde de Boissieu era um poderoso nº 2, é o "braço direito" das presidências rotativas, mas, muito frequentemente, pretende "guiá-las" e moldá-las a uma lógica própria de interesses. E isso, confesso, frequentemente recusei, com alguma veemência e para desagrado de de Boissieu. Reconheço nele, contudo, um profissional de altíssima qualidade, embora com uma visão da Europa muito marcada pela peculiar perspectiva francesa. Ou não tivesse sido ele, por muito tempo, um excepcional representante de Paris junto das instituições comunitárias.

No "Le Figaro" de ontem, Pierre de Boissieu disse, com alguma candura, a propósito do projecto europeu, algo de extrema importância, que alguns parece não terem compreendido até hoje: "Durante a geração precedente, o Conselho Europeu era visto como uma instituição de responsabilidade e de gestão colectivas. Hoje, é o lugar onde se confrontram as posições dos Estados membros." E, numa leitura que lhe é muito própria, acrescenta, sem quaisquer rebuços: "A culpa é, obviamente, do alargamento (...), mas também de uma lógica de toma lá-dá cá que acaba por nos bloquear permanentemente". Como diriam os compatriotas de de Boissieu: "à bon entendeur..."

Dentre os múltiplos episódios que o anedotário bruxelense acolhe de Pierre de Boissieu - e eu tenho várias (algumas impublicáveis) cenas a que assisti - escolho um que teve lugar numa longa noite negocial do Tratado de Amesterdão.

Durante a manhã do mesmo dia, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês de então abordara um determinado assunto de uma certa forma. À tarde, o secretário de Estado francês interviera num tom que parecera, a alguns de nós, um tanto dissonante com o que o seu ministro afirmara. E, nessa noite, ao focar de novo o tema, na sua qualidade de embaixador francês, de Boissieu parecia estar a seguir uma terceira via. Alguém sublinhou o que podia ser lido como contraditório entre os três discursos e interrogou-se sobre qual deles representava, afinal, a verdadeira posição francesa. Com um esgar, onde se podia ler uma atitude entre a superioridade e o gozo da "blague", que sempre caracterizou as tomadas de posição de alguém que tem orgulho nas suas raízes familiares partilhadas com o general de Gaulle, de Boissieu respondeu, imperial: "Les autres je sais pas. Moi je parle au nom de la France...". Ficámos esclarecidos. No meu caso, até hoje.

Recife

Com grande pena minha, não irei estar no Recife para receber, com 13 outros galardoados, o diploma "Personalidade da Neolatinidade 2009", durante o III Festlatino, Festival Internacional de Línguas e Literaturas Neolatinas, organizado pela Fundação Joaquim Nabuco.

Entre as línguas neolatinas presentes no Festlatino contam-se o português, o francês, o italiano, o espanhol, o galego, o catalão, o romeno, o romanche, o ladino, o sardo e o provençal. O Festival inclui colóquios, seminários, exposições e espectáculos do património latino.

Aproveito este post para enviar um abraço aos meus amigos Fernando Lyra, presidente da Fundação Joaquim Nabuco, e Humberto França, organizador do Festlatino. E também aos amigos do Gabinete Português de Leitura. Desta vez, não poderemos ir ao Leite experimentar o bolo Souza Leão... Não sabem o que é? Vejam na internet!

Viana

Por alguma razão, apetece-me hoje recordar Viana do Castelo.

terça-feira, novembro 24, 2009

Montecarlo

Ao ler hoje um texto sobre os tempos sombrios do Estado Novo, no interessante e muito recomendável blogue que é o Caminhos da Memória, recordei-me de um episódio passado nessa "catedral" da conversa que foi o Montecarlo, um café-restaurante perto do Saldanha, em Lisboa, hoje transformado, pela globalização ibérica, numa loja espanhola.

No Montecarlo, como escrevi um dia, "coabitavam mundos muito diversos, da tertúlia neo-realista à marginalidade sexual, do vário jornalismo a um certo "bas-fond", confinado este à área do dominó, protegida pelos bilhares. O Montecarlo era um curioso espaço plural, uma espécie de permanentes "estados gerais" de uma esquerda em definição de projectos que, quando abonada, assomava ao bife nas "toalhas" e, na rotina da crise, se resumia à imperial do fim da tarde ou à bica da noite"*.

A história passa-se no início dos anos 70. Nos cafés portugueses de então, havia uma velha prática, que os telemóveis entretanto tornaram sem sentido, de permitir aos clientes atenderem chamadas feitas para os telefones dos estabelecimentos. Assim, era muito vulgar ouvir: "Chamam ao telefone o sr. ....". No Montecarlo, com uma sala de considerável dimensão, distribuída por ambientes diversos muito ruidosos, havia mesmo um altifalante para tornar as mensagens mais audíveis.

Uma noite, com o café cheio, alguém se lembrou de utilizar a cabine telefónica que existia à entrada para os bilhares, ligou para o número do próprio café e solicitou: "Podia fazer o favor de chamar ao telefone o sr. general Humberto Delgado?". No balcão, estava um miúdo para quem esse era um nome como qualquer outro, pelo que logo anunciou: "Chamam ao telefone o sr. general Humberto Delgado". Grande parte da sala entrou em divertido alvoroço e comentários. Viu-se um empregado mais maduro ir repreender o rapazote, ensinando-lhe quem era o "general sem medo", talvez lembrando que os cavalos da repressão quase que haviam entrado pelo café dentro, em 1958, aquando da manifestação em favor do candidato presidencial oposicionista, em frente ao vizinho Liceu Camões.

Dias mais tarde, a cena repetiu-se com o nome de Álvaro Cunhal. A gestão do café percebeu o risco e uma figura mais madura passou a atender ao telefone, para que ninguém se aproveitasse da fragilidade em matéria de cultura política do rapazote do balcão. Mas essa "vigilância" não podia continuar sempre e, se bem me lembro (e tenho boas razões para isso...), ainda foram chamados ao telefone, nas semanas seguintes, Henrique Galvão, Palma Inácio e Norton de Matos, sempre com galhofa pública garantida. Aparentemente, nunca ninguém se lembrou de olhar para a cabine telefónica do café...

*Do texto "Vésperas de Abril", publicado na revista "Camões", nº 5, 1999

segunda-feira, novembro 23, 2009

Pomar em Brasília

Júlio Pomar é hoje um dos mais importantes pintores portugueses. Vive entre Paris e Lisboa. Hoje, em Brasília, é inaugurado um seu painel de azulejos, que passa a figurar numa longa parede da Biblioteca, esse magnífico edifício desenhado por Oscar Niemeyer na Esplanada dos Ministérios. Assim se conclui a ideia, em que me envolvi há quatro anos, de recuperar este trabalho. A obra original de Júlio Pomar, com mais de duas décadas, havia sido desmontada do local onde estivera colocada e jazia armazenada em caixotes.

Graças à persistência da Secretaria da Cultura do governo do Distrito Federal, com a ajuda financeira da Caixa Geral de Depósitos, o projecto de recuperação foi levado avante, como o Correio Braziliense ontem assinala e o Portugal Digital hoje refere.

Na vida diplomática, nem sempre conseguimos concretizar aquilo a que nos propomos. Mas, às vezes. isso acontece. Brasília merece bem este belo painel, sonhado por Júlio Pomar e por alguém que muito gostaria de o ver no local onde agora fica, essa grande figura da lusofonia que foi José Aparecido de Oliveira.

Fresnes

Visitar uma prisão não é necessariamente uma experiência simpática. Mas pode ser muito útil quando pretendemos estabelecer as melhores formas de articular os nossos serviços em França com a rede penitenciária que acolhe as cerca de cinco centenas de detidos de nacionalidade portuguesa, hoje distribuídos por 116 diferentes estabelecimentos prisionais neste país.

Visitei hoje a prisão de Fresnes, um imóvel do início do século XX, em condições muito satisfatórias, onde estão apenas 35 desses detidos, a quem, como aos restantes, vamos procurar tentar assegurar um Natal mais confortável. Para tal contamos nesta prisão com a ajuda de uma religiosa portuguesa, a Irmã Elisa - este ano distinguida com o Prémio Talento -, que desempenha um trabalho notável junto da população prisional que tem nacionalidade portuguesa.

domingo, novembro 22, 2009

Necessidades

Num post antigo, falou-se aqui das malas diplomáticas que, no ministério dos Negócios Estrangeiros, eram transportadas através da Europa (e para os EUA) por jovens profissionais, quase sempre nos seus tempos iniciais da carreira. Era uma tarefa agradável, embora algo cansativa, pelo somatório de viagens consecutivas que implicava, nos seis dias da tarefa.

Numa dessa semanas, creio que em 1978, coube-me a mim "ir de mala". Uma das etapas do circuito desse tempo era Belgrado. Era aí que estava instalada a Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), que iria dar origem à OSCE, já no período da "détente". Mal eu sabia que, anos mais tarde, ainda me iriam calhar dois anos de "osceosidade", em Viena!

Saído de Lisboa, passei, em dias sucessivos, por Londres e por Bruxelas. A bem dizer, era este o destino principal da "mala acompanhada", por aí se situar a sede da NATO. De Bruxelas, parti para Viena, onde a esmagadora maioria da correspondência que eu levava iria desaparecer, encaminhada para postos dos antigos países comunistas, de onde as nossas Embaixadas enviavam à capital austríaca os seus diplomatas, para a respectiva recolha e canalização dos seus relatórios para Lisboa. Já pouco seguia na mala para Belgrado, a ajuizar pelo tamanho do pacote que me havia sido entregue em Viena, cujo conteúdo, naturalmente, eu desconhecia.

Belgrado, num inverno sob neve, era uma cidade cinzenta e algo desconfortável. De autocarro, fui parar, já muito ao final da tarde, ao imenso Hotel Jugoslávia. Passava da hora de fecho da nossa missão temporária junto da CSCE, pelo que decidi ficar com a mala diplomática à minha guarda (período das refeições incluído, porque não era permitido perdê-la de vista) e entregá-la no dia seguinte, logo de manhã.

Tomava eu um banho reconfortante no hotel, preparando-me para jantar, quando me chega um telefonema da secretária do Embaixador, dizendo-me que o embaixador queria que eu fosse, ainda naquele dia, ao escritório da missão, para entregar a mala. Reagi, dizendo que era já muito tarde. Qual quê!? O embaixador insistia e pedia mesmo que eu fosse de táxi, porque não podia dispensar o seu motorista. Furioso, lá tive de encasacar-me para o gelo da cidade, no fundo algo intrigado com a estranha urgência da documentação. Mas, quem sabe?, podia tratar-se de instruções para uma diligência ou contactos.

Chegado à missão, fui levado à presença do embaixador, que exclamou: "Ora temos então aqui a nossa mala! Já não era sem tempo!", numa clara "indirecta" à minha resistência, complementada pela displicência com que me saudou. Preparava-me para sair do gabinete e regressar ao hotel quando me dei conta que embaixador se mostrava muito empenhado a ser ele próprio a quebrar os selos diplomáticos do pacote. Por curiosidade, deixei-me ficar na cena. E foi então que assisti à aparição de um embrulho, saído de dentro do pacote que, com toda a segurança e cuidado, eu transportara por várias capitais. Vi os olhos do embaixador encherem-se de alegria: "Até que enfim! Estava a ver que o nosso colega de Havana nunca mais se despachava!". E lá abriu ele, com a avidez do vício, a sua caixa de "Cohibas", pelos visto a única "correspondência" relevante que, para escapar aos riscos da espionagem comunista, nesses derradeiros anos da Guerra Fria, eu levara em mão até Belgrado...

Chirac e o Irão

Acho interessante deixar aqui registado o que o antigo presidente francês, Jacques Chirac, exprime no seu recente livro de memórias "Chaque pas doit être un but" (pag. 349), sobre a forma desejável de relacionamento com o Irão:

"Je ne suis pas de ceux qui pensent, en Occident, qu'on doit s'interdire tout dialogue avec l'Iran, étant donné la nature du régime. Un régime politique est une chose. L'histoire d'un peuple, de sa culture, de ses traditions, en est une autre, plus importante et determinante. Ma philosophie en la matière est qu'on n'a jamais intérêt, ou rarement, à mettre un pays hors jeu de la communauté internationale. Au lieu de le convaincre de rentrer dans le rang, c'est en général l'éffet inverse qui se produit: una radicalisation sans issue, de part et d'autre. S'agissant, qui plus est, d'une région du monde où tous les problèmes s'entremêlent, aucun d'eux, qu'il s'agisse du conflit israélo-palestinien, de la guerre Irak-Iran ou de la question libanaise, ne saurait être réglé sans tenir compte de toutes parties en présence."

É a longa experiência de um homem de Estado que conduz a esta avaliação.

sábado, novembro 21, 2009

Jorge Ferreira (1961-2009)

Morreu Jorge Ferreira.

Conhecemo-nos na política, quando eu por lá passei e ele representava uma voz crítica, mas sempre muito informada, sobre as coisas da Europa. Voltámos a "ver-nos" nos blogues, onde ele alimentava (até há dois dias) o "Tomar Partido". Partilhava com ele essa atitude, felizmente ainda comum a muita gente, que é gostar de Portugal.

Torre portuguesa

Eu não queria acreditar, mas um industrial português de metalomecânica explicou-me, há dias, que Portugal é o maior fabricante de porta-chaves e outras miniaturas da Torre Eiffel que estão à venda em Paris.

sexta-feira, novembro 20, 2009

A mão francesa (2)

"Com mãos se faz a paz se faz a guerra
com mãos tudo se faz e se desfaz"

Lembrei-me do belo poema de Manuel Alegre que assim começa ao apreciar a discussão em torno do golo ilegal que qualificou a França para a fase final do campeonato do mundo de futebol.

Estes são momentos de verdade para avaliar se o "futebolismo" acéfalo ultrapassa alguma racionalidade. Nos comentários franceses ao falso golo criado por Thierry Henry, viu-se de tudo: desde os que lamentaram o acontecido e criticaram a falsa inocência assumida por Henry, até aos adeptos do "vale tudo desde que se ganhe". Posso estar enganado, mas tenho a sensação que, no conjunto dos comentários lidos e ouvidos, prevaleceu por aqui um certo sentimento de se estar "mal à l'aise" e mesmo com vergonha pelo facto da França ter ganho o acesso desta forma. Interessante foi ver muitos sectores da classe política desgostosos com o que se passou, parte dos quais reclamando mesmo a (impossível) repetição do jogo. Atitude de "fair play" que acho extremamente saudável.

Pergunto-me para que lado teria pendido a nossa balança de comentários se o mesmo caso se tivesse passado com a selecção portuguesa? Lembro-me de um antigo dirigente desportivo, com uma formação profissional que o vocacionava para equilíbrio de julgamento, que um dia disse mais ou menos isto: "quero que o meu clube ganhe, mesmo que seja com um golo marcado com a mão, em posição de fora de jogo e já depois do tempo regulamentar". Em todo o mundo há gente (pelo menos a pensar) assim, mas, se isto é desporto, vou ali e já venho.

Uma última nota para referir que, naturalmente, veio por aqui várias vezes à colação, nas últimas horas, a célebre "mão do Vata", um lance ilegal com que o Benfica derrotou o Olympique de Marseille. Foi há 19 anos, mas só os elefantes têm mais memória que os adeptos de futebol...

quinta-feira, novembro 19, 2009

Pedagogia em Português

Ontem iniciadas, prosseguem hoje as V Jornadas Pedagógicas, destinadas à formação de educadores em língua portuguesa que operam em França. Troca de experiências, novas técnicas e o uso da internet são algumas das vertentes deste encontro, que tem lugar num belo e histórico edifício em Sèvres, à entrada de Paris.

Com a ajuda da Caixa Geral de Depósitos e da TAP, pudemos trazer técnicos de Portugal e do Reino Unido, numa iniciativa organizada pelo serviço da Coordenação do Ensino Português em França, a que estão presentes dezenas de educadores. As Embaixadas do Brasil e de Cabo Verde associaram-se ao evento.

Na abertura das Jornadas, sublinhei a importância crescente da língua portuguesa no quadro internacional, destacando, em especial, a vontade comum encontrada a nível da CPLP para promover o Português no seio das instituições multilaterais. Fiz notar que, para os cidadãos de origem portuguesa no estrangeiro, a garantia das sucessivas gerações poderem manter-se ligadas à sua lingua originária já não constitui apenas uma atitude com sentido afectivo; o Português, num mundo onde países como o Brasil e Angola se afirmam com cada vez maior pujança económica, converte-se hoje numa "ferramenta" importante para as relações internacionais, numa mais-valia de qualificação. Neste último caso, o mesmo é válido para os franceses, que crescentemente procuram o ensino de português com objectivos profissionais.

O antigo ministro português da Cultura, Manuel Maria Carrilho, embaixador junto da UNESCO, enriqueceu estas jornadas com uma conferência onde deu a sua perspectiva sobre os desafios da língua portuguesa nas comunidades no exterior, falando do importante papel que os media poderiam ter para a valorização cultural das mesmas.

Europa

Com muito maior facilidade do que se supunha, os líderes europeus escolheram os dois titulares para os novos cargos abertos pelo Tratado de Lisboa.

Por ora, apenas três notas.

A primeira para chamar a atenção para o facto da Comissão Europeia poder ter condições para ver o seu papel institucional preservado. Isso vai no sentido da leitura que um país como Portugal sempre fez do processo europeu e dos seus equilíbrios desejáveis. Independentemente de ser ou não ser português o presidente da Comissão Europeia.

A segunda para sublinhar que a presença de uma figura britânica na chefia da nova diplomacia europeia deve confortar os dois países que, à partida, são mais abertamente contra uma reforma do Conselho de Segurança da ONU que consagre um lugar único para a União Europeia: Reino Unido e França.

A terceira para saudar a nomeação da primeira mulher para um cargo executivo europeu de topo.

A mão francesa

O título deste post não tem a conotação futebolística que alguns leitores estarão a atribuir-lhe. Com efeito, não vamos falar de Thierry Henry, vamos falar da Europa.

O dia de hoje parece poder vir a ser o das grandes decisões, no que toca à atribuição de dois grandes postos europeus: presidente do Conselho Europeu e Alto-Representante da União Europeia para as questões externas e de segurança.

Testemunhei, no passado, algumas noites similares, mas parece-me claro que estas primeiras decisões respeitantes ao Tratado de Lisboa têm uma importância bem mais significativa, porque representam uma redefinição do poder entre as instituições, a que não é indiferente o perfil das personalidades que vierem a ser escolhidas. Como já aqui referi há semanas, tendo em atenção a extrema dificuldade de, nos tempos mais próximos, vir a ser possível reunir um consenso institucional alternativo, o Tratado de Lisboa parece destinado a ter uma vida longa.

A propósito destes dias de escolhas de figuras europeias, recordo uma cena passada na ocasião em que a União Europeia seleccionou o primeiro presidente do Banco Central Europeu (BCE).

O debate em torno dos nomes foi muito intenso, porque estavam em jogo, não apenas o contraste de filosofias de gestão do órgão que iria gerir o euro, mas igualmente o prestígio de alguns países para os quais o respectivo peso económico-financeiro justificava a titularidade do lugar. Os nomes do holandês Wim Duisenberg e do francês Jean-Claude Trichet apareceram quase empatados na liça final, a ser decidida em "concílio" entre os presidentes e primeiro-ministros europeus, em face da impossibilidade, que cedo se detectou, de poder surgir uma recomendação dos ministros europeus das Finanças.

Por muitas horas, nesse dia 3 de Maio de 1998, com discussões bastante vivas e bem ácidas (a vida europeia não é feita de punhos de renda, podem crer!), com o surgimento, mais ou menos explícito, de contrapartidas noutros tabuleiros (uma técnica vetusta para obter compromissos importantes), os chefes de Estado e de governo mantiveram-se fechados na sala onde tivera lugar o respectivo almoço, que afinal se prolongou para bem dentro da hora do jantar. Para o exterior, alambicava apenas algum rumor residual, que a sedenta comunicação social reportava incessantemente e sem critério, com a segurança que os boatos podem garantir mas que, para os media, é já "informação". Como noutras ocasiões idênticas, as "fontes" viviam horas de glória.

O dia ia já bem longo, no edifício Justus Lipsius, em Bruxelas, quando, finalmente, surgiu o "fumo branco": o mandato do primeiro presidente do BCE ia ser dividido em duas partes, com Duisenberg a ser o primeiro designado e Trichet a assumir a segunda "fatia" do mandato. Foi esta a salomónica, embora algo debilitante, decisão que a presidência britânica da União Europeia encontrara para resolver o impasse.

Precedido por aquela revoada de gente que sempre anuncia o termo de muitas horas de discussão, o Conselho Europeu reuniu, numa inédita fórmula de cinco membros por delegação (normalmente, à mesa, estão apenas os primeiros-ministros e o ministro dos Negócios Estrangeiros). Desta vez, e justificadamente, os ministros das Finanças tomaram assento. Assim, Sousa Franco acompanhou António Guterres e Jaime Gama nos lugares portugueses. Atrás, dois "ajudantes": Teixeira dos Santos e eu próprio.

A reunião foi rápida. O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, anunciou o acordo em torno do nome de Duisenberg como "primeiro presidente do BCE" mas, por compreensível formalismo, não explicitou o "gentlemen's agreement" que levaria ao abandono deste, ao final de quatro anos. Perguntou à sala se confirmava a nomeação e, no silêncio das delegações, a decisão foi dada por aprovada. E o holandês foi chamado à reunião. Entrou com um ar algo compungido, talvez pela limitação temporal imposta ao seu mandato, e, rodeando longamente as delegações, foi sentar-se ao lado da presidência. Convidado a pronunciar-se, disse uma palavras breves sobre a "honra" com que assumia as funções e saiu, sob um coro de palmas, muito de circunstância e de alívio.

Nesse preciso instante, na delegação ao lado da nossa, ergueu-se uma mão. A presidência da sessão demorou a notá-la, mas ela continuava bem evidente. Era Jacques Chirac. Terá sido o ruído dos comentários surpreendidos da sala, bem como um sonoro "Monsieur le Président!", que terá feito despertar Blair que, claramente surpreendido, acabou por dizer: "I give the floor to France".

Criou-se um silêncio de ouvir moscas. Chirac foi muito breve: "M. le Président, je prends note de la nomination que vient d'être faite, mais il faut qu'il soit clair que le candidat de la France est et reste M. Jean-Claude Trichet".

Pelos breves instantes que a todos demorou a fazer a exegese exacta das palavras de Chirac, o Conselho ficou suspenso. Tony Blair, utilizando uma fórmula que não recordo, deixou entender que o comentário do presidente francês era em tudo compatível com o que acabava de ser decidido e encerrou de imediato aquele que deve ter sido o Conselho Europeu formal mais curto da história comunitária. E lá fomos nós para as conferências de imprensa, a que sempre se seguia a apressada corrida para os aviões de função, para não perder o "slot" entretanto negociado pelos pilotos, na ânsia de chegar às capitais.

Duisenberg não se conformou, por algum tempo, com o acordo feito pelos "patrões" europeus e, anos mais tarde, ainda tentou prolongar o mandato até aos oito anos. Problemas franco-franceses em torno de Trichet atrasaram a disponibilidade deste e deram mais um ano e meio de mandato a Duisenberg, que acabou por sair apenas em Novembro de 2003.

Wim Duisenberg faleceu em 2005, em França. O seu substituto, Jean-Claude Trichet, continua presidente do BCE. Ontem, aliás, deu uma interessante entrevista ao "Le Monde" que pode consultar aqui.

quarta-feira, novembro 18, 2009

A Festa das Comunidades

A presença de Portugal na fase final do campeonato do mundo de futebol, que decorrerá na África do Sul, é a melhor prenda que as comunidades portuguesas no exterior poderiam ter recebido. Posso imaginar, em particular, o modo como isso vai ser sentido entre as centenas de milhar de cidadãos nacionais que vivem no país onde o torneio terá lugar, alguns dos quais têm atravessado tempos problemáticos.

Portugal inteiro costuma vibrar com os êxitos internacionais da sua selecção, mas os portugueses que vivem no exterior, para quem os sucessos nacionais representam suplementos de ânimo para compensar o seu afastamento do país de origem, sentem essas vitórias de uma forma muito especial.

Para os portugueses e luso-descendentes em França, a presença simultânea dos "bleus" no mundial de futebol oferece-lhes uma dupla oportunidade para repartir a sua afectividade. Até que haja um Portugal-França, claro!

Tudologia

Hoje, lembrei-me de um amigo, frequentemente convidado para falar em público de "tudo e mais um par de botas", que um dia me disse...