O dia 1º de Dezembro, data que marca a recuperação da independência de Portugal face a Espanha, em 1640, parece ter hoje um significado residual para a maioria dos portugueses. Já muito poucos recordam a história da revolta aristocrática que, aproveitando habilmente a fragilidade conjuntural de Madrid, repôs a coroa numa personalidade portuguesa, na figura de um titular da família Bragança. Pergunte-se, pelas ruas do nosso país, a razão de ser deste feriado e - garanto! - as respostas serão as mais díspares e disparatadas.
A ditadura do Estado Novo procurou aproveitar, de forma oportunista, as grandes datas da nossa nacionalidade. Ao politizar esses momentos, ela contribuiu decisivamente para a diluição da sua importância no imaginário colectivo e, por uma reacção a contrario, fez deles afastar os cidadãos, o que resultou na quebra da herança histórica intergeracional com que se define um país. Confesso que sinto alguma nostalgia quando vejo o modo respeitoso como os franceses ou os britânicos comemoram as suas datas fundacionais, ao mesmo tempo que observo a displicência com que, em Portugal, se olham tempos similares nossos. E isto é tanto mais estranho quanto a nossa História, por ser muito antiga e rica, justificaria que as novas gerações olhassem para ela com bastante orgulho.
Na minha juventude, o 1º de Dezembro era uma data cheia de comemorações oficiais. Por todo o país, o dia era prenhe de desfiles e romagens esforçadamente patrióticos. Nos meus primeiros anos do liceu, em Vila Real, para a marcha militarista obrigatória que fazíamos pelas gélidas ruas da cidade, de calção castanho e camisa verde, com o cinto com um críptico S, a minha mãe acolchoava-me com camisolas interiores sobrepostas, para evitar as gripes que, à época, não tinham siglas cosmopolitas como as de agora. Mais crescido, passei a ir às "ceias do 1º de Dezembro" e a colaborar nas récitas do Teatro Avenida, onde a proverbial injustiça da crítica impediu que ficassem gravadas em glória algumas imorredouras "performances". Já de capa e batina, íamos cantar pela cidade o hino da Restauração, com uma letra "estadonovista" que era uma espécie de segundo hino da Mocidade Portuguesa. Os nostálgicos podem ouvi-lo aqui. Eu, confesso, ainda sei de cor a letra.
Hoje, o 1º de Dezembro está transformado numa data caricatural, comemorada por grupos minoritários, em busca de um reconhecimento que o público lhes nega e que só alguns blogues de seita acolhem. Neles sobrevive um anti-espanholismo primário - essa doença infantil do portuguesismo - que acaba por obscurecer os verdadeiros novos perigos que o país corre no plano externo.
14 comentários:
E acima de tudo é visto como uma "ponte" para um fds prolongado.
Infelizmente, na capital, as comemorações da Restauração limitavam-se a missas e paradas militares com pompa e discursos patrióticos de circunstancia. Era, para quem era obrigado a "participar" em tais festejos, uma enorme estupada.
(Confesso que não me recordo do hino da Independência, mas lembro-me muito bem nos 10 de Junho os jovens das escolas desfilarem no Terreiro do Paço, fardados da mocidade portuguêsa a cantar o hino do mesmo nome e de braço direito levantado. Nos anos 60, nas mesmas comemorações, também chamadas do "dia da raça", cantava-mos o "Angola é nossa". Destes "festejos" não guardo saudade nunhuma).
Não é de admirar que o 1° de Dezembro jà não "diga" grande coisa às novas gerações excepto a alguns saudosistas que ainda esperam o retorno de D. Sebastião.
Ora aqui esta uma expressao que gostei : "anti-espanholismo primario".
Tendo origens andaluzas juro que nunca detestei os espanhois (ou qualquer outro povo), muito pelo contrario, apesar de eles serem um pouco mais folcloricos do que nos portugueses. E sempre tive dificuldade em aceitar essa rejeiçao que ha em Portugal pelos nossos vizinhos do lado.
Uma das freguesias do meu concelho (Moura) tem o honroso nome de Santo Aleixo da Restauraçao pelo contributo dado em 1640 à coroa portuguesa. Ai tenho a certeza que todos sabem porque é que ontem foi feriado nacional. Mas ha terras e terras... e o Alentejo é uma delas !
Eu disse "ontem" no meu comentario.
Mas queria dizer : HOJE É FERIADO NACIONAL.
E porque é que os portugueses no estrangeiro nao têm direito a feriado, ai de certeza que nao me tinha enganado...?
Comungo da Sua opinião face à falta de solenidade com que encaramos o valor e a coragem explícitos no Hino, também a ligeireza com que auferimos comodamente dos feriados sem personalizar o Seu significado, que obviamente neste contexto reforça a nossa característica de manter o respeito pela Nossa Liberdade, pela delimitação do nosso terreno e Pátria e o nosso direito inalienável da diferença sem fomentar a desigualdade.
Ontem mesmo falando do 1º de Dezembro a Manela Souto perguntava-me se já era do Meu tempo a comemoração através do famoso baile do Liceu no 1º de Dezembro e O posterior e pela noite dentro furto de galinhas do galinheiro da D. Aninhas Vitorino.
Obviamente que me lembro, nunca participei " com alguma pena confesso", mas nunca percebi claramente o que tinha a ver a tal da pilhagem das galinhas com o significado histórico do 1º de Dezembro...Talvez me possa ajudar.
Quanto a Este Post uma alusão especial pela qualidade, Faço questão de o ler aos meus Filhos.
Também Gosto e Admiro e Respeito os Espanhóis... Para MI de Verdad Nuestros Hermanos...
Isabel Seixas
Sr. Embaixador:
Como sabe,Há muitos portugueses que, perante a perpétua supremacia económico-política da Espanha, desabafam : "Quem me dera ser espanhol...".
Olhe,os professores, se fossem espanhóis, ganhavam o DOBRO e gastavam de gasolina bem menos...
Desculpe, esta opinião tão a despropósito.
( A verdade é que, emocionalmente sou português até à medula... Mas racionalmente...Enfim... Fico-me por aqui...)
Francisco Cunha Ribeiro ( O nome completo, porque só participo anonimamente, por ser um cidadão anónimo.)
Tomei a liberdade de indicar o seu blogue num passatempo organizado por mim e pelo blogue "Varal de Ideias" (brasileiro). O passatempo chama-se Bloggincana. Este mês pretendia-se que cada inscrito indicasse três blogues da sua preferência que não estivessem inscritos no passatempo, alargando, assim, os horizontes de quem participa. O seu é imperdível. Abraço.
Por recomendação do Jorge, meu parceiro na BlogGincana, vim conhecer, e já linkei-o no Varal de Ideia, para voltar sempre! Parabéns pelo estilo, conteúdo e forma de seu blog!
Pois ficamos à espera que o preclaro embaixador de Portugal em Paris nos esclareça quais são os tais novos perigos que por aí espreitam a nossa velha Pátria, já que, pelos vistos, não acredita no "perigo espanhol"... Pois este seu modesto leitor, talvez indevidamente influenciado pela leitura do livro "Juízo Final", do Emb. Franco Nogueira - obra que sou obrigado a pensar não ter V. Exª lido, pelo que me atrevo a recomendar vivamente que o faça - está convencido que há alguns perigos que não são tão novos assim, embora naturalmente hoje se apresentem de modo diverso do que o fizeram no passado...
A situação que descreve, de indiferença quase geral a uma das mais relevantes datas da história nacional é apenas o sintoma de um mal mais profundo: o desnorte das nossas classes dirigentes que, esgotados os abundantes e fáceis recursos vindos de Bruxelas e mantido, no essencial, o problema económico português, não enjeitam agora - à míngua de mérito, ideias e sentido nacional -, a ideia de acolherem-se à sombra protectora de Castela, como aliás já sucedeu em 1580. Há, desta deriva iberizante, abundantes indícios, alguns vindos até de onde era suposto não virem, como é o caso da tal Secretaria de Estado, como V. Exª certamente saberá, pela leitura de recentes declarações equívocas e disparatadas do novel SE, que logo o respectivo homólogo espanhol agarrou com as duas mãos. (E pensar que perdeu V. Exª tempo a dar-lhe públicos conselhos...)
A Independência de Portugal não é contra ninguém, é pelos portugueses, e será sempre, um assunto de primeiríssima importância, com ou sem Tratado de Lisboa.
Termino esclarecendo que não me reconheço no ante-25 de Abril, muito pelo contrário, mas que não é por Salazar ter dito "viva Portugal" que passarei a dizer "morra Portugal"!
Os melhores cumprimentos,
A. Costa Santos
apacs04@hotmail.com
Pois ficamos à espera que o preclaro embaixador de Portugal em Paris nos esclareça quais são os tais novos perigos que por aí espreitam a nossa velha Pátria, já que, pelos vistos, não acredita no "perigo espanhol"... Pois este seu modesto leitor, talvez indevidamente influenciado pela leitura do livro "Juízo Final", do Emb. Franco Nogueira - obra que sou obrigado a pensar não ter V. Exª lido, pelo que me atrevo a recomendar vivamente que o faça - está convencido que há alguns perigos que não são tão novos assim, embora naturalmente hoje se apresentem de modo diverso do que o fizeram no passado...
A situação que descreve, de indiferença quase geral a uma das mais relevantes datas da história nacional é apenas o sintoma de um mal mais profundo: o desnorte das nossas classes dirigentes que, esgotados os abundantes e fáceis recursos vindos de Bruxelas e mantido, no essencial, o problema económico português, não enjeitam agora - à míngua de mérito, ideias e sentido nacional -, acolherem-se à sombra protectora de Castela, como aliás já sucedeu em 1580. Há, desta deriva iberizante, abundantes indícios, alguns vindos até de onde era suposto não virem, como é o caso da tal Secretaria de Estado, como V. Exª certamente saberá, pela leitura de recentes declarações equívocas e disparatadas do novel SE, que logo o respectivo homólogo espanhol agarrou com as duas mãos. (E pensar que perdeu V. Exª tempo a dar-lhe públicos conselhos...)
A Independência de Portugal não é contra ninguém, é pelos portugueses, e será sempre, um assunto de primeiríssima importância, com ou sem Tratado de Lisboa.
Termino esclarecendo que não me reconheço no ante-25 de Abril, muito pelo contrário, mas que não é por Salazar ter dito "viva Portugal" que passarei a dizer "morra Portugal"!
Os melhores cumprimentos,
A. Costa Santos
apacs04@hotmail.com
Caro A. Costa Santos: Claro que li o texto de FN, pessoa sobre quem fiz, tambem ha muito, o meu juizo final. Ja agora, pedia-lhe para ler, neste mesmo blogue, o meu texto "Iberia". A seu tempo, falaremos dos novos riscos. Hoje, sem acentos e sem tempo, fico-me por aqui.
Para uma visão adjacente, mas completamente diferente do 1º de Dezembro, sugiro http://estacaochronographica.blogspot.com/2009/12/o-relogio-do-paco-da-ribeira-e.html
Senhor Embaixador,
De forma alguma poderia deixar de lincar a sua brilhante peça a um dos meus blogues.
A Comunicação Social portuguesa ignorou o 1 de Dezembro e não o vi pronunciado na RTPi.
Quando frequentei a escola primária, com merendas de pão de centeio e azeitonas curtidas, os miúdos da minha geração, na quarta classe, da primária, eram uns barras na história de Portugal. Habituamo-nos a conhecer os nossos herois que construiram a nação Portugal.
Até eramos instruído para odiarmos o Cardeal D.Henrique e glorificarmos o Rei Desejado.
O tempo é de mudanças e infelizmente também mudado o ensino da história de Portugal.
A minha preocupação é que (para mim não) os meus netos e de outros portugueses, no futuro, não conheçam a história que formou a terra Lusa.
Texto lúcido, conciso e pedagógico.
Senhor Embaixador, adiro à sua análise e agrada-me a descrição dos desfiles dos "lusitos".
Um texto a figurar para "memória futura". Gostei dessa imagem de há 50 anos atrás. Gente na casa dos 40 ainda desconhece aspectos como esse do nosso país.
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