quinta-feira, novembro 26, 2009

Melo Antunes

Ernesto Melo Antunes é uma das personalidades fundadoras da democracia portuguesa. Ideólogo do Movimento das Forças Armadas (MFA), teve um papel central na superação das tensões políticas que marcaram a vida portuguesa durante 1975. Nesse ano, coordenou a definição de um Plano de recuperação económica do país, foi redactor do "Documento dos Nove", que representou a linha moderada do MFA contra as correntes mais radicais do processo revolucionário, e a ele se fica a dever a corajosa travagem de uma deriva autoritária que alguns esperavam retirar da vitória político-militar dessa mesma linha, na sequência dos acontecimentos de 25 de Novembro.

Melo Antunes foi ministro em governos provisórios após a Revolução de Abril, com especial destaque para os Negócios Estrangeiros, onde assegurou uma gestão que abriu o diálogo de Portugal com áreas importantes daquilo que então se designava por Terceiro Mundo. Homem sem ambições políticas, foi presidente da Comissão Constitucional e membro do Conselho de Estado, vindo a assumir funções importantes no âmbito da UNESCO.

Hoje e amanhã, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, o perfil de Melo Antunes vai ser analisado por cerca de 30 personalidades, que o admiravam e respeitavam. Tenho pena que impedimentos pessoais me não permitam poder participar na homenagem a uma figura que faz muita falta a Portugal e de quem tive o privilégio, embora já tarde na sua vida, de poder ser amigo.

Em tempo: Leiam, sobre Melo Antunes, o que diz Tim Tim no Tibete.

5 comentários:

João Antelmo disse...

Do"Caminhos da Memória", blog que recentemente citou, transcrevo uma passagem de um post de Maria Manuela Cruzeiro, autora de um excelente livro sobre Melo Antunes:

"Vítima de alguma injustiça? Da ingratidão do país? A resposta vem directa, sem ressentimentos, rancores ou frustrações pessoais, que remeteu sempre para “os atalhos da história” : “não vejo o caso dessa maneira. Tive a intervenção que tive, o meu papel histórico esgotou-se. Sou um cidadão como outro qualquer. Se existe injustiça, não é contra mim, mas generalizada em relação a quase todos os que se bateram contra a ditadura”. Não contassem com ele para o discurso da vitimização tão nosso, tão português. E muito menos para se pôr em bicos de pés."

Estive com Ernesto Melo Antunes, em casa de amigos comuns, numa altura em que a doença já o alquebrava.
A serenidade com que conduziu a conversa, sem qualquer sinal visível de amargura ou inquietação, impressionaram-me, mais do que me comoveram.
Penso que o trecho que cito acima define muito bem o estado geral de espírito que o acompanhou até ao fim.

Helena Sacadura Cabral disse...

O alto sentido da dignidade foi seguramente uma das características de Melo Antunes, que tive o imenso gosto de conhecer. Como diz, muito bem, João Antelmo nunca Melo Antunes se vitimizou perante a incompreensão nem se pôs em bicos de pés para receber louvores que até lhe eram devidos.
Que diferença para os dias de hoje!

Helena Oneto disse...

A evocação mais bonita e mais justa sobre Melo Antunes li-a no "Tim Tim do Tibete".

Estou inteiramente de acordo com o Senhor Embaixador quando diz que Melo Antunes faz muita falta a Portugal (principalmente à esquerda portuguêsa e aos socialistas em particular).

Alcipe disse...

Fizeste-nos falta na Gulbenkian, Francisco...

Helena Oneto disse...

No seguimento do comentário de João Antelmo e para completar o meu, parece-me relevante o que escreve Maria Manuela Cruzeiro em "Caminhos da Memoria" a propósito dos comentários à sua homenagem a Melo Antunes:

"Obrigada a todos, pela forma calorosa com que se associaram a esta evocação de Melo Antunes, figura tão mal conhecida e primariamente avaliada quer por amigos quer por inimigos. Na verdade a sua dimensão humana, intelectual e cívica continua a incomodar num país que pensa e age tão rasteiramente que não pode perceber não só a sua capacidade de reflexão e visão política, como a sua invulgar (para mais num militar) cultura literária, histórica, filosófica, e até musical.
Homem de esquerda consequente e fundamentada, muito antes do 25 de Abril sonhou para este país um regime que não fosse a capitulação face ao modelo capitalista ocidental nem caísse no colectivismo dos países de leste. Para esta democracia avançada, socialista (sem socialismos na gaveta), capaz de operar uma transformação estrutural da sociedade portuguesa inspirava-se em gramsci (um dos seus autores) e no conceito de bloco histórico. A esquerda (leia-se PS e PCP) não foi sensível ao apelo, o atraso cultural social e político deste pais eram herança demasiado pesada, as pressões externas de uma Europa e Estados Unidos em pânico com a pura hipótese de uma unidade Comunistas/Socialistas apertava ainda mais o cerco. O sonho foi-se esfumando num esforço desesperado para salvar o que era salvável. pragmaticamente, mas com a amargura e o desencanto de uma oportunidade perdida.Um homem destes, um outsider, sem partidos por detrás, estava escrito, que seria carne para canhão da marabunta política. Que dele se serviu para depois o pôr de lado. Eis como uma vida a vários títulos exemplar é também exemplificativa das grandezas e misérias deste país que aceita sem um sobressalto que a grande notícias do último 25 de Abril seja a promoção a general de Jaime Neves, e a deste 25 de Novembro, a decisão de lhe fazer um busto. Não tão grande porém, como a estátua do Cónego Melo que, segundo consta, é de proporções gigantescas."

PS : Pelo que li e ouvi nos media, excepção feita às palavras proferidas por Ramalho Eanes, as homenagens feitas pelos ex-PR na Gulbenkian ficaram muito aquém do que seria de esperar. E mais surpreendida fiquei quando Mario Soares diz "Eu até soube hoje que ele (Melo Antunes) se inscreveu no Partido Socialista da Ajuda e eu não sabia disso"...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...