sábado, fevereiro 13, 2010

Disneylândia

Portugal, Natal de 2009. Perguntou-me onde eu vivia. Disse-lhe e, por reflexo natural, inquiri: "Já esteve em Paris?". A resposta: "Não. Passei lá por perto um vez, "muito de raspão", na ida de dois dias, com o meu filho, à Disneylândia."

Um destes dias, vou mesmo à Disneylândia.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Parlamentos

O Parlamento Europeu votou uma resolução que rejeitou  uma decisão dos 27 Estados membros da União Europeia que permitia aos EUA terem acesso aos dados bancários dos cidadãos europeus e que era destinada a reforçar a luta contra o terrorismo.

Para os defensores da privacidade, trata-se de uma vitória. Para quantos receiam as facilidades que possam ser concedidas às movimentações terroristas, tratar-se-á de uma derrota. 

O tema é  complexo e sério. Para o que aqui importa, apenas gostava de notar que, por uma vez, os Estados Unidos passam a ter de ouvir, da parte da União Europeia, uma resposta semelhante àquela que, desde há décadas, as diferentes administrações de Washington dão aos seus interlocutores externos, aquando de certos compromissos que assumem no plano internacional: "Nós aprovamos, mas falta agora o Congresso concordar". E, muitas vezes, o Congresso não concordou com o que o presidente americano subscreveu, como foi o caso do Acordo de Quioto.

A força do Parlamento Europeu - uma instituição que não corre o risco de ser dissolvida, a meio dos seus mandatos de cinco anos, e que ganhou, com o Tratado de Lisboa, fortes e acrescidos poderes - constitui um dado muito importante, e por ora não muito bem medido, nas novas equações europeias de poder. Casos como este vão, com certeza, tornar essa avaliação mais urgente e conduzir também, com mais rapidez, ao início desse interessante  tema de discussão que é o equilíbrio das suas competências com as dos parlamentos nacionais. Quem pensava que o debate interinstitucional europeu era coisa do passado pode estar certo que se enganou.

Diplomacia

A França e a Irlanda disputam amanhã, para o torneio da Seis Nações em râguebi, um importante jogo. Na memória dos confrontos desportivos bilaterais permanece, contudo, o polémico França-Irlanda em futebol, de há meses, que ditou a qualificação francesa e a exclusão irlandesa para o mundial da África do Sul, depois de uma escandalosa falta não punida. 

Hoje, antes de um almoço de trabalho, o diretor político do MNE francês comentava para o embaixador irlandês: "Estou certo que vai ser um grande jogo". Ao que o meu colega irlandês retorquiu: "E, desta vez, podem estar seguros de que não protestaremos se jogarem com a mão..."

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Conselho Europeu

Há pouco, foi divulgado que o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, propôs que os líderes europeus passem a reunir-se uma vez por mês. Percebe-se o interesse de Van Rompuy nesta proposta, mas confesso que não acredito na sua exequibilidade.

A União Europeia, que já é uma instituição marcada por uma "reunionite" aguda e por alguma "summit fatigue", não tem condições para se transformar numa espécie de governo europeu, com encontros regulares. É fácil a Van Rompuy ir de Bruxelas... a Bruxelas. Porém, obrigar, todos os meses, primeiro-ministros da Estónia, de Chipre ou de Portugal a efetuarem longas viagens aéreas de ida-e-volta, para um encontro de escassas horas, é uma ideia que põe à prova a racionalidade da vida da União Europeia. Ou a sua irracionalidade. 

Lauro Moreira

Chama-se Lauro Moreira. Foi, até há dias, o embaixador brasileiro junto da CPLP.

Há três anos, quando foi para Lisboa, vaticinei, junto de muitos amigos portugueses, que a sua presença entre nós iria ser um sucesso. Enganei-me: foi um imenso sucesso. 

O Lauro é uma grande figura da cultura, um diplomata do afeto (agora, de vez, sem "c"), que soube, como ninguém, trazer o Brasil para a CPLP - e a CPLP nunca será nada sem o Brasil! Acabou agora o seu percurso português, mas ele sabe que "ficou" por Portugal. E, uma vez mais, provou-se que há diplomatas que fazem a diferença.

Um abraço fraterno ao Lauro e à Liana.

Tascas & restaurantes

O surgimento recente, em Lisboa, de algumas "tascas" da moda, com petiscos a preços relativamente moderados, sob a responsabilidade de consagrados chefs de cozinha, trouxe-me à ideia um "princípio" que pode ter alguma validade: em tempo de "vacas gordas", algumas tascas sobem de ambição e transformam-se em restaurantes; em dias de crise, os restaurantes percebem os sinais do tempo e optam por "evoluir" para tascas...

Será assim?

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Artigo

Publico hoje diário económico francês "La Tribune" um artigo intitulado "La dette, le Sud et les idées reçues", cujo texto completo pode ser lido aqui.

Uma versão portuguesa do artigo pode ser lida aqui

Sobre o assunto, pode ler também o Expresso on-line.

O chefe

                             
 
O Miranda era um "velho primeiro-secretário". Este conceito "de corredor", por esses anos 70, abrangia quantos se eternizavam na categoria que antecedia a ascensão a conselheiro - a partir da qual, à época, se podiam chefiar missões diplomáticas "com credenciais de embaixador". Porém, o concurso para conselheiro era muito limitado, o que criara uma multidão de "velhos primeiros-secretários".

O nosso Miranda tinha vindo da América Latina, por onde andara em mais do que um posto. Essa era uma zona geográfica em que o regime anterior apostara bastante, por ser terreno fértil para colheita de apoios para a impopular política colonial. Contudo, na hierarquia psicológica dos postos que a carreira alimentava, o continente latino-americano, com exceção do Brasil, não fazia parte dos destinos profissionais de maior prestígio, o que também marcara o percurso do Miranda, que agora fora parar à nossa Repartição.

A Repartição tinha um chefe e, abaixo dele, não havia qualquer hierarquia formal, exceto a antiguidade. E nesta, por razão óbvia, o Miranda imperava sobre nós, funcionários que nunca tinham sido colocados no estrangeiro. Por isso, partindo o chefe de férias, o Miranda assumia a direção da Repartição. E assim aconteceu, num certo dia.

Na manhã seguinte, ao chegar à minha secretária, dou de caras com uma pilha de documentos "para dar andamento", muito superior à média habitual. Fui ver e dei-me conta que parte substancial da papelada era do pelouro do Miranda. Procurei-o na sua sala, mas não estava. Lembrei-me então de ir ao gabinete do chefe da Repartição.

E lá estava o Miranda, com os pés sobre a mesa, regalado a ler o "Diário de Notícias" a que função dava direito. Perguntei-lhe por que diabo tinha canalizado todos os papéis do seu pelouro para mim. A sua resposta, marcada pela surpresa, foi cristalina: "Ó homem! Eu agora estou a chefiar!"

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Irão

Ontem este blogue foi visitado por um internauta do Irão, o 107º país a consultar-nos, conforme se pode constatar na coluna ao lado. Se até este heterodoxo "Dois ou três coisas" pode daí ser acedido, isso diz alguma coisa das amplas liberdades internáuticas que se vivem naquele país. E que só se espera se mantenham.

Há uns anos, fui a Teerão, chefiando uma missão da União Europeia. Ao final de um dia de contactos oficiais sem história, o nosso embaixador decidiu proporcionar-nos um espetáculo folclórico, numa espécie de restaurante típico. No palco, sucederam-se as "performances" dos artistas. Só homens. Não nos demoramos muito.

À saída, o aspeto engravatado do nosso grupo suscitou a curiosidade de alguns jovens, que nos perguntaram de onde vínhamos. À minha resposta, os sorrisos abriram-se: "Portugal!? Figo!". Os iranianos adoram futebol. Hoje, com certeza, diriam "Ronaldo!".

Saberão eles o nome do clube onde esses excelentes jogadores nasceram para o "esforço, dedicação, devoção e glória"?  

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

"Talent de rien faire"

Conversando ontem em Lisboa com um amigo, como eu funcionário no MNE desde há bem mais de três décadas, trocámos experiências comuns relativamente àquilo que podemos designar como alguma tentação diplomática para o imobilismo.

Com efeito, parece subsistir ainda, em certos setores, uma escola de pensamento, ancorada em sólida prática, que favorece, como reação imediata perante a pressentida necessidade de se atuar em face de algo que afeta interesses nacionais, um "é melhor não fazer nada" ou "não vale a pena reagir". O argumento sistemático é o de que é contraproducente promover iniciativas, porque elas poderão conduzir a efeitos mais gravosos do que as consequências já produzidas pelos factos e que, por isso, "é preferível estar quieto". Tenho anos de experiência de ouvir isto, com a tibieza travestida de sábia prudência.

Não sou adepto das decisões precipitadas, de se saltar para o terreiro à primeira provocação. Também não excluo, em absoluto, que, num caso ou noutro, esse tipo de atitude - ou não-atitude - possa ter razão de ser. Mas o que tenho observado é que, muitas mais vezes, tal não é senão uma escusa comodista para não ter de arriscar, para "fugir entre as pingas", para tentar que o tempo acabe por anular a necessidade de uma tomada de posição. E o que me preocupa é que, em alguns casos, esse tropismo seja já intergeracional.

Por estas e por outras é que alguns acabam por dar razão ao dito injusto segundo o qual "um diplomata é alguém que pensa sempre duas vezes antes de não fazer nada".

domingo, fevereiro 07, 2010

Opinião

Há dois dias, a propósito da reação que suscitou um comentário tido por anti-semita de um responsável político regional, teve lugar num canal de televisão um aceso debate sobre o tema da liberdade de opinião em França.

Para a generalidade dos comentadores, a sociedade francesa de hoje é bastante mais aberta do que o era há algumas décadas. O agravamento dos choques geracionais, a vitória de algumas ideologias e um conjunto de outros fatores vieram derrubar tabus e permitir a emergência de uma sociedade menos controlada. A exceção mais notória, identificada por um dos participantes, é a apologia das ideologias racistas, perante a qual existe já uma proteção legal que, no passado, não era considerada essencial. Neste quadrante limitativo, o anti-semitismo apresenta-se hoje como o desvio que provoca uma mais forte reação, por virtude da assunção do Holocausto como uma memória histórica que deve merecer uma atenção particular.

Esta temática prende-se também com o "politicamente correto", o padrão que o pensamento convencional considera dever prevalecer, nas palavras e nos atos, relativamente a certas questões de sociedade. Estão neste caso temas raciais, de género e, em escala menor, questões religiosas e de discriminação social - os que agora me ocorrem. Não há total consenso sobre este catálogo de "contrainte sociale", que se estende de coisas de mero bom-senso (proteção ambiental, proteção das crianças) até áreas mais divisivas (tabaco, grau de defesa dos animais).

O percurso das ideias, neste domínio, tem sido muito grande, embora com regressões significativas. Recordo apenas como o sacrossanto princípio de impedir o "racial profiling", que marcava o quotidiano dos EUA desde os anos 70, se esboroou, de um dia para o outro, depois do 11 de Setembro. 

sábado, fevereiro 06, 2010

Mónaco

No território do Principado do Mónaco vivem cerca de 300 portugueses. Atravessando uma rua, entra-se em Beausoleil, já em França, onde residem muitos dos cerca de 2500 que, diariamente, constituem aquela que é hoje uma prestigiada comunidade estrangeira que trabalha naquele pequeno país. 

Existem por lá algumas empresas de construção civil pertencentes a portugueses, diversos estabelecimentos comerciais e, naturalmente, associações recreativas lusitanas. As autoridades monegascas desfazem-se em elogios à nossa comunidade e à sua serena e responsável contribuição para o desenvolvimento do território.

Quem chegou ao Mónaco há mais tempo diz-me que, nos últimos anos, se nota a vinda de novos migrantes portugueses, parte dos quais oriundos de outros destinos onde o desemprego começou a sentir-se.

Em 48 horas, fui encontrar um interessante mundo português por detrás do mundo de "glamour" do Principado, aliás com uma importante quota-parte no quotidiano deste. Espero ser possível vir a melhorar o apoio oficial português a esta comunidade.

Sem comentários

Extrato de artigo de hoje no "Libération", que vivamente recomendo:

"Já ninguém o contesta: a situação das finanças públicas da zona euro, incluindo a da Grécia, não justifica um pânico como o que se criou nos mercados financeiros, os quais, a partir de agora, apostam claramente na fragmentação da zona euro. De acordo com as nossas informações, que nos chegaram simultaneamente das autoridades do mercado e de estabelecimentos financeiros, um grande banco de investimentos americano e dois muito importantes "hedge funds" estariam claramente por detrás dos ataques contra a Grécia, Portugal e Espanha. Com que finalidade? Ganhar o máximo de dinheiro, criando um pânico que lhes permita exigir da Grécia taxas de juro cada vez mais elevadas, continuando a especular. Por que não citamos nomes? Porque se trata de um conjunto de perspectivas que um tribunal poderia julgar insuficientemente fundadas no caso de um processo. E como diz um operador de mercado: "Com essa gente não se brinca!"

Mais adiante, o artigo responde à pergunta: "Como atuam as agências de 'rating'?:

"Ei-las de novo a trabalhar. São três - Standard & Poor's, Moody's, as duas anglo-saxónicas, e Fitch, a francesa - e distribuem classificações pela terra inteira. O seu trabalho é avaliar a capacidade de quem pede empréstimos para reembolsar as suas dívidas. Nenhum produto financeiro escapa ao seu zelo: quer as obrigações emitidas pela Danone, quer os "produtos" criados pelo bancos, mas igualmente os fundos estatais - como será amanhã o caso do 'grande empréstimo' a instituir pela França. Uma boa nota, o AAA, e eis o investidor descansado. Uma má nota, B ou menos - cada agência tem o seu sistema - e logo as taxas de juro sobem e, com isso, a fatura final. E é com os seus alertas sobre as dívidas públicas que elas fazem tremer os Estados... Têm, no entanto, uma grande 'lata', comenta um operador, porque foram elas quem construiu a bomba dos 'subprime'".

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Caixa

Alguns chamarão a isso "nacionalismo económico" e falta de abertura para a lógica de um mercado financeiro europeu aberto e competitivo, outros acharão que se trata apenas de patrioteirismo primário. Digam o que quiseram, soube-me muito bem, em Beausoleil (a exactamente 10 metros do Mónaco), ouvir falar apenas português, numa movimentada agência da Caixa Geral de Depósitos, que hoje visitei por ocasião da minha entrega de credenciais. E isso também não se deve, necessariamente, ao facto da Caixa ter sido o meu primeiro emprego.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

O "4 de Fevereiro"

Há precisamente 49 anos, um grupo de independentistas angolanos foi responsável, em Luanda, pelo chamado "4 de Fevereiro", a primeira ação armada que foi organizada contra a presença portuguesa em Angola. Com ataques de surpresa a prisões, forças policiais e outros pontos estratégicos da capital angolana, que causaram vítimas mortais, as escassas centenas de ativistas do "4 de Fevereiro" instabilizaram por horas Luanda, sendo subsequentemente alvo de forte repressão - militar, policial e civil -, a qual atingiu também diversos setores da população autóctone residente na cidade.

A data de 4 de Fevereiro de 1961 constituiu, assim, o início das revoltas coloniais contra Portugal, as quais, a partir de 1964, se iriam estender a Moçambique e à Guiné. Entretanto, no final desse ano de 1961, a União Indiana iria invadir o Estado da Índia, pondo um ponto final à presença da administração portuguesa naquele território.

O movimento de "4 de Fevereiro" foi, em si mesmo, um acontecimento bastante complexo, muito mais do que algumas versões simplistas que sobre ele foram mais tarde conhecidas e divulgadas. A sua génese política é também importante para se entenderem as raízes do que foram as profundas clivagens entre os grupos político-militares angolanos, que, logo após a independência do país em 1975, se saldou numa mortífera guerra civil, que, com diferentes formatos, se prolongaria até 2001.

Quando vivi em Angola, nos anos 80, tive o ensejo de conhecer e falar com algumas das figuras envolvidas no "4 de Fevereiro". Pude então saber algo mais sobre esse movimento e, em especial, informar-me com maior detalhe sobre a importância que nele teve uma figura religiosa, o Cónego Manuel das Neves, pároco envolvido na mobilização e no apoio logístico da revolta, que viria a ser preso e expulso para Portugal. Aí ficou com residência fixa, tendo morrido em Soutelo, em 1966. Muito pouco se falou sempre sobre esta figura do nacionalismo angolano e talvez valesse a pena refletir por que razão isso aconteceu.

O "4 de Fevereiro" seria apenas o início, simbólico e trágico, da revolta angolana. Em 15 de Março de 1961, membros da  UPA (União dos Povos de Angola), que mais tarde se viria a transformar em FNLA, estiveram na origem de sangrentos e chocantes ataques a populações civis em zonas rurais no norte de Angola.

O efeito conjugado daqueles dois acontecimentos teve uma forte repercussão em Portugal, que iniciou então o envio de forças militares que, por 13 anos, conseguiram assegurar a permanência da soberania portuguesa no território. 

As ondas de choque político que esses acontecimentos provocaram, ligadas a outros eventos políticos que então se registaram na sociedade política portuguesa, viriam a contribuir para transformar esse ano de 1961 num dos mais difíceis e movimentados anos da história do Estado Novo. Disso falaremos um destes dias.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Rosa Lobato de Faria

Como muito portugueses, conhecia Rosa Lobato de Faria apenas pela escrita e pela televisão. Pareceu-me sempre uma figura serena, de bem consigo mesmo, muito alerta para as coisas novas que poderia dar à sua vida e para o que desta poderia retirar, com algum sentido lúdico. A sua intervenção multifacetada no espaço público é disso prova clara, sendo que, para tal, era ajudada por uma interessante bagagem cultural. Dava, além disso, a confortável sensação de ser uma personalidade que aceitava com naturalidade o correr do tempo e da idade.

A televisão trouxe-a, com frequência, à presença dos portugueses residentes no estrangeiro, os quais, estou seguro, vão estranhar a sua ausência. É que Rosa Lobato de Faria fazia já parte de um património de memória do seu país à distância. Neste caso, com um belo e franco sorriso, o que já começa a ser raro, em particular nos dias que por aí andam. 

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Agradecimento

Diversas e amigas mensagens saudaram o aniversário deste blogue. De todas elas, permitam-me que destaque a qualificação feita pelo nosso por "Criativemo-nos", que crismou este "Deux ou Trois Trucs" (sic) como "terna aldeia íntima num cenário cosmopolita".

Um sincero muito obrigado a todos. E, como diria aquele locutor de TV, "prontos", acabaram as comemorações.

Alexander Ellis

Alexander Ellis é o embaixador britânico em Portugal, de quem já aqui falámos. Viveu em Portugal há mais de uma década, tendo regressado há pouco anos.

Num comentário, Helena Oneto recorda o texto que este meu colega publicou em Dezembro passado, no seu blogue genialmente chamado Um bife mal passado, intitulado "Dez coisas que melhoraram em Portugal nos últimos 15 anos". 

Com a devida vénia ao autor e com um antecipado pedido de desculpa ao operoso grémio dos cultores das desgraças pátrias, transcrevo o seu texto:

Chegou a época do espírito natalício. Então, deixemos de lado quaisquer miserabilismos e concentremo-nos nas coisas boas - não como escape mas como realidade. Vivi em Portugal há quinze anos. Agora, de volta, quero sugerir dez coisas, entre muitas outras, que melhoraram em Portugal desde a minha primeira estadia. Não incluo aqui coisas que já eram, e ainda são, fantásticas (desde a forma como acolhem os estrangeiros até à pastelaria). Aqui ficam algumas sugestões de melhorias:

- Mortalidade nas estradas; as estatísticas não mentem - o número de pessoas que morre em acidentes rodoviários é muito menor, cerca de 2000 em 1993 e de 776 em 2008. A experiência de conduzir na marginal é agora de prazer, não de terror. O tempo do Fiat Uno a 180km/h colado a nós nas auto-estradas está a passar.

- O vinho; já era bom, mas agora a variedade e a inovação são notáveis, com muito mais oferta e experiências agradáveis. Também se pode dizer a mesma coisa sobre o azeite e outros produtos tradicionais.

- O mar; Lisboa, em 1994, era uma cidade virada de costas para o mar; poucos restaurantes ou bares com vista, e pouca gente no mar. Hoje, vemos esplanadas e surfistas em toda a parte. Muita gente a aproveitar melhor um dos recursos naturais mais importantes do país.

- A zona da Expo; era horrível em 1994, cheia de poluição, com as antigas instalações petrolíferas. Agora é uma zona urbana belíssima, com museus e um Oceanário entre os melhores que há no Mundo.

- A saúde; muitas das minhas colegas têm feito esta sugestão - a qualidade do tratamento é muito melhor hoje em dia, apesar das dificuldades financeiras, etc. A prova está no aumento da esperança de vida, de cerca de 74 em 1993 para 78 anos em 2008.

- Os parques naturais; viajei muito este ano do Gerês a Monserrate ; tudo mais limpo, melhor sinalizado, mais agradável. O pequeno jardim está, de facto, mais bem cuidado.

- O cheiro. Sendo por natureza liberal nos costumes sociais, não fui grande fã da proibição de fumar - mas, confesso, a experiência de estar num bar ou num restaurante em Portugal é hoje mais agradável com a ausência de tabagismo. E a minha roupa cheira menos mal no dia seguinte.

- A inovação; talvez seja fruto da minha ignorância do país em 1994, mas fico de boca aberta quando visito algumas das empresas que estão a investir no Reino Unido ; altíssima tecnologia, quadros dinâmicos e - o mais importante de tudo - não há medo. Acreditam que estão entre os melhores do mundo, e vão ao meu país, entre outros, para prová-lo.

- O metro de Lisboa. É limpo, rápido, acessível e tem estações bonitas.

- As cores; Portugal tem e sempre teve cores naturais bonitas. Mas a minha memória de 1994 era o aspecto visual bastante cinzento das cidades, desde a roupa até aos carros. Hoje há mais alegria - recordo um português que me disse, talvez com tristeza, que o país estava a tornar-se mais tropical. Em termos de imagem, parece-me um elogio!

Esta é a minha lista. E a sua?

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Aniversário

Faz hoje precisamente um ano que começou a editar-se este "Duas ou Três Coisas". Data que coincide com aquela em que assumi funções como embaixador português em França.

Como se deduzirá do subtítulo do blogue, a ideia inicial era não seguir um ritmo regular de publicação de posts. Isso não aconteceu: não houve um único dia em que o blogue não tivesse sido atualizado e, as mais das vezes, houve mesmo mais do que um post por dia. Neste primeiro ano, foram publicados 710 posts.

O número de leitores tem vindo a sustentar-se, com variações sazonais, estando numa média de cerca de 350/dia.

De 105 países do mundo (num mundo que tem 192) apareceram visitantes, alguns esporádicos, outros mais ou menos fiéis. Portugal, França e Brasil, sem surpresas, têm estado na vanguarda das visitas. Mentiria se dissesse que não gostava de ver mais visitantes oriundos de França, porque isso significaria uma maior adesão da comunidade de origem portuguesa, a quem se dirige prioritariamente o meu trabalho profissional.

160 leitoras ou leitores inscreveram-se como "seguidores", sem grandes recuos, o que significa que ficaram "clientes". Isso, aliás, é bem patente na "família" dos comentadores, onde se destaca um grupo sólido, simpático e ativo (activo, para contentar todas e todos), que, de quando em vez, não dispensa criticar o escriba - e faz muito bem!

Estou muito grato a quem tem tido paciência para me ler, embora também compreenda quem possa, entretanto, ter desistido de seguir o que aqui se escreve. Alguns posts podem ser algo "pesados", outros "ligeiros" demais, a minha perspetiva sobre as coisas pode, muito legitimamente, não interessar a muitos. E há, também, quem tenha pouco tempo para "andar por blogues". Eu, por exemplo...

Um ano é muito tempo, foram muitas horas. Olhando para trás, acho que é capaz de ter valido a pena.

Vamos continuar? Repito o que escrevi no primeiro post: "se a assiduidade dos leitores o justificar, o exercício continuará. Se não for esse o caso, o blogue terá o destino óbvio". Voilà!

Manuel Serra (1932-2010)


Hoje sabemos melhor o que foi o chamado “28 de Setembro” de 1974 - um equívoco momento de confronto entre setores ultra-conservadores, apoiantes de um movimento para dar plenos poderes ao general Spínola, e forças políticas da esquerda, que habilmente aproveitaram o ensejo para afastar o polémico presidente da República que, no 25 de Abril, haviam sido forçadas a aceitar e que se tornava progressivamente mais incómodo. É que, à época, assistia-se a um crescente ambiente anti-25 de Abril, alimentado pelo próprio Spínola, que estava a colocar a esquerda e o Movimento das Forças Armadas à beira de um ataque de nervos.

Nessa noite, eu tinha sido destacado para uma determinada tarefa, juntamente com o António Reis - o líder dos milicianos da Escola Prática de Administração Militar, de onde eu era originário, embora, à época, eu fosse adjunto da Junta de Salvação Nacional, instituição a que os acontecimentos desse dia em breve iriam pôr termo. (Por coincidência, ontem recebi um e-mail do António a informar-me que vem a Paris dentro de dias). Íamos sob o comando de um jovem alferes “do quadro”, o Manuel Geraldes,  uma generosa figura do MFA, que não vejo nem contacto há  mais de 30 anos (e de quem, hoje mesmo, por uma outra coincidência impressionante, recebi um abraço através de um amigo comum). Levávamos connosco uma “praça”, um soldado, o Moura. O Moura tinha na sua mão uma intimidante metralhadora G3. Estávamos a entrar para o meu carro pessoal,  um Fiat 128, algures nas “Avenidas Novas”, a altas horas da noite. Por razões que demorariam a explicar, a tensão do momento então muito grande. Aquela noite do 28 de Setembro acabou por ser muito complexa e longa.

De súbito, uma surpresa: começa a vislumbrar-se, à distância, vinda do alto da rua, uma figura de estatura baixa, estranhamente com as mãos no ar, como se estivesse a render-se. Naquele enquadramento noturno, sem vivalma em roda, a cena era patética e infundia uma súbita insegurança. O soldado Moura começou a demonstrar uma perturbação agitada, com jeitos de querer afirmar a capacidade operacional de que a sua condição de barman da messe da EPAM era “sólida” garantia: num instante, põe a patilha da G-3 na posição de disparo, leva a arma ao ombro e, num derradeiro e precioso segundo, é travado pelo Geraldes com um “está quieto!” e o afastar a arma do alvo.

Aparentemente sem se aperceber do nosso nervosismo e do risco de vida que estava a correr, a personagem continuava lentamente a aproximar-se, agora já se lhe ouvindo coisas, numa voz procuradamente surda, para não alertar a vizinhança, tais como “Sou eu! O Manel”. Lentamente, pudemos identificar quem lá vinha.

Era o Manuel Serra, o sempiterno revolucionário dos golpes da Sé e de Beja, figura que, meses depois, titularia uma célebre cisão de esquerda no Partido Socialista, com a criação da Frente Socialista Popular, afastando-se de Mário Soares. As vidas políticas dos últimos meses haviam-nos feito, entretanto, cruzar com essa curiosa personalidade, com um brilho quase adolescente nos olhos e um sorriso cúmplice, oriunda do cristianismo radical, que há muito trazia a revolução nas veias.  Nos anos 60, ainda antes do fracassado golpe de Beja, em que participou de forma activa, o Manel havia sido protagonista de uma lendária fuga de uma embaixada em Lisboa, onde estava refugiado, vestido de padre... Depois do 25 de Abril, por uma escolha que a confusão política proporcionou, tinha sido nomeado o inesperado chefe de gabinete desse igualmente improvável ministro que foi o jornalista Raul Rego.

- “Então, rapazes, há novidade? Vi-vos por aqui e vinha perguntar se necessitam de alguma coisa. Temos ali duas viaturas com pessoal, armas e granadas, para o que der e vier. Não precisam mesmo de nada? Está tudo em ordem?”.

Ficou a ideia que o Manel e os seus amigos andavam nessa noite pela cidade, numa espécie de piquete do ACP, para “avarias” de outra natureza. Demos os abraços da praxe e presumo que devemos ter esclarecido que “está tudo sob controlo”. No fundo, sem lho revelarmos, estávamos imensamente aliviados por se ter conseguido travar a precipitação quase trágica do Moura, o qual talvez nunca tenha entendido bem quem era aquela alma penada e meio careca, saída do escuro da rua, afinal amigalhaço dos seus superiores, a quem estivera prestes a dar um tiro.

E lá foi o Manel de volta, pela noite, à busca da revolução que sempre lhe consumiu os dias.

Dias que hoje terminaram, aos 78 anos, em Lisboa. Adeus, Manel!

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...