quinta-feira, outubro 29, 2009

Ben Barka

Faz hoje precisamente 44 anos que Ben Barka, líder democrático marroquino, foi raptado à porta da Brasserie Lipp, no boulevard St. Germain. Seria depois assassinado, num "affaire" sórdido, de contornos nunca totalmente bem definidos, que tem uma versão que é sintetizada aqui.

Almocei lá hoje com dois amigos, em jeito de memória.

Futurismo

Há semanas, passei pela casa onde Mário de Sá Carneiro se suicidou, em 1916, no nº 29 de rue Victor-Massé, aqui em Paris. O poeta de "A confissão de Lúcio" foi, porventura, um dos escritores portugueses que deixou mais referências sobre a sua estada em Paris, como recordaremos em breve neste blogue.

Hoje de manhã, na Sorbonne, na abertura do colóquio internacional "Le Futurisme et les Avant-Gardes au Portugal et au Brésil", Fernando Cabral Martins destacou a figura de Mário de Sá-Carneiro que, com Fernando Pessoa, criou, em 1915, a revista cultural "Orfeu".

É muito interessante esta iniciativa coordenada por Maria Graciete Besse, agregando diversas entidades dedicadas aos estudos portugueses e brasileiros que operam no ensino universitário parisiense. Ela "responde", de forma muito digna, ao esquecimento a que Portugal e o Brasil foram votados nas referências internacionais assinaladas na exposição internacional que foi organizada no ano passado pelo Centre Pompidou, ligada ao centenário do "manifesto" futurista de Marinetti, de 1909.

Saiba mais sobre este colóquio aqui.

Astérix (2)

É imperdível a referência que hoje o Google dedica a Astérix. Não resisti a reproduzi-la.

quarta-feira, outubro 28, 2009

Negociação

Foi numa sala do Altis, em Março de 1976. Frente-a-frente, delegações de Portugal e de S. Tomé e Príncipe, país recém-independente. O tema era o chamado "contencioso financeiro" e, no caso específico, os arranjos necessários para garantir a transferência dos descontos para a segurança social feitos pelos funcionários públicos portugueses, durante os últimos meses do regime colonial, que se encontravam depositados no Banco central de S. Tomé.

As conversas estavam a decorrer bem, até que um zeloso membro da nossa delegação, que estava no uso da palavra, decide suscitar, sem conhecimento do secretário de Estado que a chefiava, o seguinte tema: haveria cerca de 800 contos de descontos feitos pelos agentes da Direcção Geral de Segurança (novo nome dado à PIDE), a polícia política do regime derrubado no 25 de Abril. Portugal pretendia que o Governo santomense entregasse esse dinheiro.

No cômputo geral do que estava em jogo, o montante era perfeitamente irrelevante e só um espírito "picuínhas" e burocrático, sem o menor sentido diplomático, teria tido a peregrina ideia de solicitar a respectiva restituição. Tecnicamente, o problema poderia ter algum sentido, mas, politicamente, era uma atitude completamente desastrada. E aquela era uma discussão política.

Antes que o chefe da delegação portuguesa pudesse aperceber-se da dimensão da patetice que acabara de ser dita pelo burocrata, o seu homólogo santomense levanta-se e afirma que, perante uma atitude deste teor, que considerava como ofensiva, o seu país abandona as conversações.

Ficámos todos em sobressalto. As relações com o novo governo santomense eram excelentes e um incidente destes era mais que escusado. A delegação de S. Tomé e Príncipe seguiu, naturalmente, o seu chefe, e levantou-se da mesa. Do lado português, ainda um pouco aturdidos, fizémos o mesmo.

Todos? Não! O governante português que dirigia a nossa delegação não só não se levantou como, para grande surpresa de quem o olhava como o salvador da situação, esperando que ele alcançasse rapidamente o seu homólogo santomense, que já abandonava a sala, e o convencesse a retomar o diálogo, foi-se "enterrando" na respectiva cadeira, com metade do corpo a deslizar mesmo sob a mesa das negociações.

O espectáculo era surreal e ninguém percebia o comportamento do nosso político - um homem de bem, que mais tarde iria ter uma carreira destacada no Portugal democrático. A sua cara denotava embaraço e, pouco a pouco, fomo-nos dando conta de que, afinal, procurava algo debaixo da mesa.

A explicação foi dada em segundos: o nosso governante havia tirado os sapatos durante a reunião de trabalho. Com os momentos precipitados que tinham acabado de suceder, e ao procurar calçá-los, terá acabado por lhes dar um pontapé e enviado ainda para mais longe, pelo que toda a sua estranha coreografia não representava senão o seu denodado esforço para se calçar, antes de ir tentar uma "démarche" diplomática. De facto, em peúgas, seria um pouco estranho estar a promover um diálogo político...

Tudo acabou em bem, os sapatos apareceram, os santomenses regressaram à mesa negocial e lá descalçámos mais essa bota...

Astérix

Um leitor atento queixou-se do "lapso imperdoável" de não ter referido ainda neste blogue a comemoração dos 50 anos da divertida série de banda desenhada Astérix, criada por Uderzo e Goscinny. E lembrou-me o facto de por aqui já ter falado de Corto Maltese, Lucky Luck, Tintin, Mafalda e Blake & Mortimer.

De facto, Astérix merece ser citado, embora a comemoração seja só amanhã. Fica feita a rectificação e, se me permitem, ilustro-a com a figura de Obelix, essa generosa personagem cuja dimensão física melhor passei a entender desde que por aqui vivo, em especial depois de conhecer a excepcional gastronomia destas terras da Gália - já não feita apenas de "sangliers".

terça-feira, outubro 27, 2009

Estudantes

A foto tem a qualidade própria de um telemóvel, mas achei que, apesar de tudo, valia a pena inseri-la como demonstrativa da "subversão" por que passou ontem a Embaixada de Portugal em Paris, com a invasão pacífica de dezenas de jovens portugueses e luso-descendentes - do ensino primário ao superior.

Mais de duzentas pessoas, que incluíram familiares e professores, estiveram presentes numa sessão de distribuição de bolsas a estudantes com dificuldades económicas e de prémios de estímulo à aprendizagem do português. Esta é uma iniciativa da Embaixada, com a preciosa ajuda de empresas nacionais que operam em França - Banco BCP, Banco Espírito Santo et de la Venétie, Caixa Geral de Depósitos, Fidelidade e Inapa.

Esta foi uma excelente demonstração do sentido de responsabilidade social de empresas que sabem interpretar a palavra solidariedade.

Lisboa

Lisboa é uma das mais belas cidades da Europa e o seu prestígio como destino turístico tem vindo a afirmar-se. Mas nem todos "dizem bem" de Lisboa: a diabolização de Tratado que tem o seu nome - na Irlanda como na República Checa, bem como em diversos outros meios eurocépticos europeus - trouxe Lisboa por paredes e por cartazes, e não por boas razões.

Depois de ter dado o nome à famosa "Estratégia de Lisboa", um prestigiante projecto para lançar a competitividade europeia à escala global, a capital portuguesa ficará agora associada ao destino do novo tratado europeu - dada a previsível dificuldade de gerar, por muitos e bons anos, um diferente consenso institucional entre os Estados membros.

Esperemos que um bom funcionamento da União Europeia, à luz do novo tratado, possa ajudar a garantir que Lisboa permanece com "bom nome" na memória colectiva da Europa.

segunda-feira, outubro 26, 2009

Música na Embaixada

Chama-se Quarteto Sofia Ribeiro & Gui Divignau. Sofia canta e compõe, Gui toca contrabaixo, compõe e dirige musicalmente o grupo, de que também fazem parte Leonardo Montana, ao piano, e Mathieu Gramoli, na bateria. O português é uma língua que lhes é comum, porque se cruzaram por terras e músicas por onde passa a sonoridade bem diversa que elegeram como sua forma de expressão.

Mais de uma centena de pessoas esteve a ouvi-los, com manifesto agrado, na noite de ontem, na Embaixada. Do jazz ao fado, da bossa nova a Zeca Afonso, eles deram vida a mais um programa "Entre-pautas/Entre-partitions", organizado pela delegação do Instituto Camões em Paris.

Uma nota: se quiser ouvir Sofia Ribeiro, procure os seus discos "Dança da Solidão" (2006) e "Orik" (2008). É o que eu vou fazer.

Iraque

Mais de 155 mortos e largas centenas de feridos, na sequência de atentados em Bagdad, no Iraque, no domingo, dão bem a medida da tragédia que continua a marcar o quotidiano deste país.

Desde a invasão, em 2003, o número de mortos por causas violentas é muito discutido, mas em nenhuma das estimativas é inferior a 100 mil mortos. Vários estudos chegam a multiplicar este número por quatro ou mais.

Estas são as verdadeiras "armas de destruição maciça". Afinal, encontraram-nas.

Geografia

Numa sessão da Sociedade de Geografia francesa, durante a qual hoje falei dos "desafios" do Portugal contemporâneo, foi-me muito interessante verificar o generalizado fascínio dos respectivos membros pelo belíssimo (e muito pouco conhecido) edifício da nossa própria Sociedade de Geografia (na foto), em Lisboa. E soube bem notar o respeito e prestígio que mantém em França essa grande figura da ciência portuguesa que foi Orlando Ribeiro.

Há um Portugal, talvez ainda não suficientemente conhecido dos portugueses, que muitos estrangeiros já descobriram.

domingo, outubro 25, 2009

Líquidos

Ontem à noite, fui levar casa um amigo que habita na Rue des Eaux, aqui em Paris. A ironia maior é que ao fundo dessa mesma rua fica o Musée du Vin.

Isto fez-me lembrar a frase do José Cardoso Pires, no seu "Lisboa, livro de bordo", quando se referia ao aquífero chafariz que, em Lisboa, existe à porta do bar Procópio: "Um chafariz à porta de um bar é cá uma saudação que enternece o maior malvado".

Nova América

"Só no dia 28 de Junho deste ano é que tomei bem consciência de como as coisas haviam mudado nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina: liguei a televisão e vi que os Estados Unidos estavam a vencer o Brasil em futebol. Nesse mesmo dia, nas Honduras, tinha havido um golpe de Estado e o meu país não tinha nada a ver com isso!".

Este é um comentário, irónico e verídico, feito por um responsável político da administração Obama.

Pedras ainda virtuais

"Vidago e Pedras Salgadas abrem em 2010", titulou na passada semana o "Expresso", com base em declarações da direcção da UNICER. O calendário é "definitivo".

O caso de Vidago não é para aqui chamado, embora só nos possamos felicitar pelo êxito daquela bela estância termal. Mas, por razões que já deixei explicadas, o que nos interessa é o caso da Pedras Salgadas (e os leitores deste blogue atentos a esta "novela" podem visitar os anteriores posts - aqui, aqui, aqui e aqui), uma vila em progressiva decadência, muito em especial devido ao fecho do respectivo parque termal, numa decisão unilateral da UNICER, em aberto incumprimento com o calendário a que se tinha comprometido.

Note-se então no que se diz no artigo do "Expresso", pela pena da jornalista Conceição Antunes, sobre as Pedras Salgadas:

- "Em Pedras Salgadas abriu este mês o Spa termal já renovado, mas só por um período experimental. A abertura oficial está agendada para Maio de 2010, altura em que será anunciado o projecto definitivo para o hotel de Pedras Salgadas, cujas obras irão arrancar em 2011".

- "Há muito que se anunciava a reabertura dos parques de Vidago e das Pedras Salgadas, cujos atrasos têm dado origem a protestos das populações".

- Presidente da UNICER em discurso directo: "Houve atrasos, porque o calendário inicial era impossível de cumprir. Obrigava a fazer a reconstrução dos parques em ano e meio" (Confesso que estranho, mas registo, esta confissão de irresponsabilidade por parte da empresa. Se era impossível de cumprir, por que razão a empresa assinou o contrato?).

- Presidente da UNICER: "Esta administração da UNICER teve de refazer não só o calendário mas toda a orçamentação, e para um investimento muitíssimo superior" (Trata-se de uma acusação pública de incompetência à anterior administração, presidida pelo Engº Ferreira de Oliveira. Teria talvez sido interessante o jornal ouvi-lo a este propósito).

- Presidente da UNICER: "Compreendo a impaciência da população, sobretudo de Pedras Salgadas, que há três anos não pode utilizar o parque termal. E posso garantir que o hotel vai ser uma realidade".

Basta cotejar a primeira nota e estas últimas palavras do presidente da empresa com o que ficou registado em anteriores declarações da UNICER para ter bem claro que muita coisa mudou, no prazo de pouco mais de um mês, no discurso da empresa. Terá isso alguma coisa a ver com a movimentação entretanto feita pela população das Pedras Salgadas? Cada um que tire as conclusões que bem entender.

Já agora, uma nota de apoio cultural ao presidente da UNICER: Vidago é, de facto, um parque romântico, mas não é "ligado ao surrealismo"! Surrealista é a situação que as populações das Pedras Salgadas têm vivido nos últimos anos, graças ao inacreditável comportamento da UNICER. Será talvez esse embaraço a razão do artístico lapso...

Ponderado tudo isto, pode-se concluir que a população das Pedras Salgadas continua a ter no horizonte, por ora, apenas um "hotel virtual", cujas obras a UNICER promete que irão arrancar em 2011 (para terminarem quando?) e cujo projecto definitivo será anunciado em Maio de 2010.

Atento o cadastro de promessas não cumpridas por parte da UNICER, todas as dúvidas sobre o seu comportamento futuro são, no mínimo, legítimas. Mas cá estaremos para ver se "esta administração" da UNICER cumpre, com rigor, o calendário que anunciou e a que agora se comprometeu publicamente.

Até lá, porém, urge saber se todo este imenso atraso é, ou não, compatível com os anteriores compromissos assumidos e se a AICEP considera que este flagrante incumprimento não obriga à assunção de compensações financeiras. É o que vai ser perguntado formalmente à AICEP, esperando poder contar com uma atenção do "Expresso" para as cenas dos próximos capítulos. É que estamos certos que o facto de não sermos fortes anunciantes nas páginas do jornal, como é o caso da UNICER, não limitará o seu interesse na auscultação de quem se contrapõe à posição da empresa incumpridora.

Estou também certo que estas questões serão acompanhadas com a maior atenção, agora sem dimensões de luta interpartidária a poluir a sua indiscutível dimensão cívica, pelos responsáveis eleitos, a nível local e distrital. E também pelos sectores relevantes do novo Governo, em cujo âmbito de competências o dossiê evoluirá.

Este é um tempo novo nesta questão, que agora vai começar. A seu tempo, haverá novidades...

Termino este post com uma saudação muito sincera de admiração pelo empenhamento do "movimento cívico" que, nas Pedras Salgadas, tem cuidado em manter esta questão viva, para evitar que a vila morra.

sábado, outubro 24, 2009

Aristides Sousa Mendes

Chamam-se Academias do Bacalhau e reunem, em torno de refeições cuja base gastronómica é óbvia, cidadãos das comunidades portuguesas no exterior. Começaram há mais de 40 anos na África do Sul, são hoje mais de meia centena em cinco continentes e têm como objectivo fomentar o convívio entre os associados, sublinhar os valores da cultura portuguesa e levar a cabo acções de solidariedade.

Na presença de descendentes, a figura de Aristides Sousa Mendes - o cônsul perseguido pelo regime salazarista, por ter decidido conceder vistos a refugiados estrangeiros - foi ontem homenageada numa sessão da Academia de Bacalhau de Paris, a que estive presente, em Drancy, no arredores de Paris.

O local não foi casual: em Drancy existiu, durante a Segunda Guerra Mundial, um campo onde as forças de ocupação alemã concentravam pessoas que eram posteriormente deportadas para campos de concentração.

sexta-feira, outubro 23, 2009

TV na Internet

Foi ontem à noite que o grupo Lusopress lançou, aqui em Paris, o seu canal de televisão na internet. É uma inovação* na comunicação social das comunidades portuguesas, com a vantagem de ter uma acessibilidade garantida a nível mundial, o que pode proporcionar um intercâmbio interessante com outros núcleos de portugueses espalhados pelo mundo.

Veja o novo site aqui.

*Em tempo: a acreditar num deselegante comentário que se publica, já existirão outros sistemas idênticos. O que ainda falta é boa educação...

quinta-feira, outubro 22, 2009

Agradecimento

A Nossa Candeia concedeu a este blogue uma distinção - "Your Blog is just perfect to learn something every day"- que muito agradecemos.

Solana

Javier Solana define-se a si próprio como um "optimista profissional". Só pode, como se diz no Brasil! Com uma Europa que, entre si, se divide sobre as relações com a Rússia, sobre o (eufemisticamente chamado) "processo de paz" no Médio Oriente, sobre a reforma do Conselho de Segurança, sobre a representação europeia no G20 e nas instituições de Bretton Woods, sobre a adesão da Turquia, sobre a amplitude de revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear - para apenas mencionar alguns dos muitos pontos de divergência intra-europeia - o chefe da diplomacia da UE faz um esforço notável para mostrar uma cara alegre.

Hoje de manhã, aqui em Paris, Solana respondeu, durante quase duas horas, a questões colocados por um auditório reunido em torno do Institute for Security Studies, dirigido por Álvaro de Vasconcelos. Com transparência e frontalidade, embora sempre com o tal oficioso "optimismo", o chefe da diplomacia europeia abordou os múltiplos desafios externos com que a União está confrontada.

De todas as intervenções, transpareceu a ideia de que a entrada em vigor do Tratado de Lisboa é um passo muito positivo no sentido do reforço da coerência da acção externa da União Europeia. Mas igualmente ficou claro que permanecem muitas interrogações sobre o modo como será possível compatibilizar o papel futuro do conjunto de "figuras" que o novo Tratado colocará no terreno, nomeadamente no tocante à respectiva visibilidade em nome da União. E que é na sábia escolha de algumas dessas personalidades que reside a chave do sucesso para uma futura representação externa - unificada e eficaz.

quarta-feira, outubro 21, 2009

Malas

Há dias, ao transportar uma mala através de uma praça da província francesa, do hotel fronteiro para a estação do caminho de ferro, dei comigo a reflectir numa sábia recomendação que recebi de um antigo embaixador, já há umas dezenas de anos.

Falávamos precisamente da França, das suas belas estações ferroviárias e do prazer de viajar de comboio, que nos era comum. Foi então que o embaixador me comentou: "Você reparará que há quase sempre uns hotéis situados em frente às estações, algumas vezes colados a elas, em França com o nome frequente de "Hotel de la Gare". Siga o meu conselho: nunca se instale num desses hotéis!".

Intrigado, perguntei: "Porquê? Por causa do ruído dos comboios? Têm fraca qualidade?".

"Não, nada disso, homem!", responde-me o embaixador. "O problema é outro: são sempre demasiado longe para se carregar as malas e demasiado perto para se poder alugar um taxi!".

Os hotéis "de la Gare" já passaram um pouco de moda, as malas agora já têm rodas, o que infirma um pouco o raciocínio da época, mas, mesmo assim, com o tempo a pesar-me, cada vez tendo a dar mais razão ao meu velho embaixador.

Saudades do Meireles

Uma patética tragédia na eleição autárquica em Mondim de Basto em 2009, fez-me recordar que, em Outubro de 1969, precisamente 40 anos antes, fomos por lá fazer campanha eleitoral pela Oposição Democrática contra o Estado Novo.

Como já aqui foi referido, as listas eleitorais, ao contrário do que hoje sucede, eram então impressas sob responsabilidade das forças políticas promotoras (aliás, só havia duas: a "Situação" e a "Oposição"...) e entregues pelo correio ou directamente aos eleitores, neste caso num porta-a-porta mais seguro, mas nem sempre fácil.

Numa reunião da Comissão Democrática Eleitoral de Vila Real, dirigida por essa figura, para mim inesquecível, que foi o médico Otílio de Figueiredo, e que congregava o escasso número de quantos, no distrito, abertamente se dispunham aos riscos de enfrentar o regime, demo-nos conta que o concelho de Mondim de Basto era o único onde não dispúnhamos de nenhum contacto.

Na discussão sobre o assunto, ao ser constatada esta lacuna, o Carvalho Araújo protestou: "Ora essa! Temos lá o Meireles! Já fez connosco o Norton e o Delgado. O Meireles é fixíssimo". (Um parêntesis para dizer que o nome "Meireles" me ficou na memória, mas posso estar enganado. Porém, para o que aqui importa, é irrelevante).

Convém esclarecer que o Carvalho Araújo era um homem já idoso, feroz republicano, que havia sido demitido da função pública nos anos 30, por actividades anti-regime. Tinha sempre um semblante grave e fechado, tratando-nos a nós, os mais novos que andávamos envolvidos na acção política da Oposição, com visível distância e até alguma desconfiança. Na verdade, não tínhamos andado com "o Norton" ou com "o Delgado": as eleições em que Norton de Matos havia sido candidato presidencial tinham tido lugar em 1949 (eu tinha nascido no ano anterior, o que, como se compreenderá, condicionou muito a minha participação na respectiva campanha...) e a idêntica aventura de Humberto Delgado fora em 1958 (altura em que as minhas prioridades se centravam na admissão ao liceu...). Porém, se o Carvalho Araújo, democrata experimentado, assegurava o apoio do tal Meireles, era uma oportunidade que havia que aproveitar.

Assim, no dia seguinte, com a mala de um carro (creio que era um NSU do Délio Machado) cheia de envelopes já endereçados com boletins de voto, lá avançámos nós para Mondim. Aí chegados, com o Carvalho Araújo no comando das operações, fomos à procura do Meireles. Tarefa que se revelou menos viável, porque o Meireles havia falecido... já há sete anos!

Quando pensávamos que o Carvalho Araújo se ia deixar abater pela dura realidade, ele renasce: "Não há problema! Vamos à farmácia!". Olhámo-nos intrigados: "À farmácia? Para quê?". O Carvalho Araújo lança-nos, condescendente, a sociológica revelação: "Meus amigos, os farmacêuticos são sempre gente com espírito liberal, as farmácias são espaços de tertúlia, confiem em mim!". Verdade seja que as alternativas eram poucas e tínhamos necessidade de "despachar" as centenas de boletins de voto (os inscritos de então não eram muitos) que levávamos connosco.

O nosso homem tomou conta das operações, foi falar com o responsável da única farmácia local e, impante, regressou com o anúncio: "Eu não lhes dizia?! É um democrata, fica com os boletins de voto e encarrega-se de distribuí-los". Ficámos banzados! E a nossa admiração pelo sentido estratégico do Carvalho Araújo cresceu, de modo exponencial.

Semanas mais tarde, quando o nosso saldo eleitoral em Mondim de Basto se computou no magérrimo resultado de escassas dezenas de votos, o pior em todo o distrito de Vila Real, creio que tivemos a piedade de não comentar com o Carvalho Araújo a eficácia da sua "operação farmácia". E, mesmo sem o termos conhecido, sentimos fortes saudades do Meireles.

terça-feira, outubro 20, 2009

Aliados

A literatura lusófona tem, em França, um aliado seguro: as Editions Métailié. Há 30 anos que as letras do Brasil começaram a merecer a sua atenção e há 25 anos que os autores portugueses aí começaram a ser acolhidos.

(Devo confessar, em jeito de nota à margem, que cada vez sinto uma tentação para trabalhar na promoção da língua portuguesa através do conceito da lusofonia, sem com isso descurar a minha obrigação primeira de tratar do que é especificamente português.)

Hoje, ao final da tarde, na Gulbenkian de Paris ("where else?", diria George Clooney), a fundadora e directora da editora, Anne Marie Métailié, lado-a-lado com alguém que por aqui é um "embaixador" constante e teimoso do Portugal cultural, Pierre Léglise-Costa, falaram desses já longos anos de bom trabalho. Por aí estiveram também, em mesa-redonda, escritores como Lídia Jorge, José Eduardo Agualusa e Pedro Rosa Mendes - sendo este último o novo delegado da Agência Lusa em França, um "luxo" jornalístico-cultural de que poucos países se podem gabar.

Léglise-Costa é responsável na Métailié pela "Bibliothèque Portugaise", onde também já foram publicadas obras de escritores como Vergílio Ferreira, José Régio, Jorge de Sena, Mário Cláudio, Maria Gabriela Llansol, Eduardo Lourenço ou Agustina Bessa Luís.

O debate foi muito interessante, com Pedro Rosa Mendes a falar, entre outras coisas, do destino complexo da língua portuguesa em Timor-Leste, com Lídia Jorge a defender a importância da narrativa na literatura e com Agualusa a chamar ao português "uma língua com afeição a diversas geografias".

Ponto

A ver se nos entendemos. O presidente da AR, pelo regimento, não pode impedir um deputado de dizer dislates. Mas, pela ética e pela decência...