sexta-feira, junho 12, 2020

Na hora de Centeno


Não “bebo do fino” o suficiente para me permitir interpretar, com foros de certeza, as várias peripécias ocorridas nesta saída de Mário Centeno do governo. Os sinais em torno do ministro cessante, nos últimos tempos, não foram unívocos. Por não saber nada disto, por não fazer parte do serralho, posso permitir-me à liberdade de ter uma opinião livre, embora porventura especulativa.

Como uma grande maioria dos portugueses, tenho uma excelente opinião sobre o trabalho desenvolvido por Mário Centeno. O país fica a dever-lhe grande parte da credibilidade externa adquirida em tempos mais recentes e a sua prestação marca um grande momento da história financeira portuguesa.

Diz-me quem com ele colaborou no desenho do cenário macro-económico que serviu de base ao programa económico do PS, nos idos de 2015, que ele já ai revelava uma autoridade “soft”, feita de uma simpatia pessoal que não dispensava firmeza perante o essencial. É um homem determinado, com ideias bem claras, que os factos acabaram por constatar como realistas.

Por muito que, na hora da sua despedida do Eurogrupo, algumas vozes, até tristemente portuguesas, se afoitem a menorizar o seu trabalho europeu, quem é que acreditava, em 2015, que o ministro das Finanças de uma das economias mais endividadas da zona euro, com um record de incumprimento dos objetivos do défice, ia ser eleito para coordenar o trabalho dos seus colegas europeus? Muito poucos e, confesso, eu à época não estava entre esses poucos.

Centeno merece, na hora da sua partida, um preito de admiração e gratidão. Mas, porque gosto de ser justo, quero deixar expresso que o excelente trabalho de Mário Centeno nas Finanças não pode ser desligado do papel central, às vezes ligeiramente esquecido, de António Costa. Foi Costa, e não Centeno, quem, desde a primeira hora, tomou a decisão, que não era técnica e que foi política, de vir a cumprir estritamente os compromissos europeus a que Portugal estava ligado. Do outro lado da moeda estava a Geringonça. Costa percebeu que era nesse equilíbrio que residia a sua credibilidade. Centeno foi o ministro escolhido por Costa para implementar essa sua diretriz.

Foi Centeno quem desenhou a acomodação orçamental das concessões políticas necessárias para assegurar o apoio parlamentar ao governo. Depois, vinha o resto: o quadro dos impostos, do lado da receita, as cativações e a barganha inter-ministerial, do lado da despesa.

Alguns conhecemos, e os que não conhecem imaginam, o que é o comportamento de um ministro das Finanças nas vésperas de um orçamento, que é sempre uma manta demasiado curta para cobrir as ambições dos ministros. Mas quem é que dá a liberdade ao ministro das Finanças para poder satisfazer, ou não, os outros membros do governo? O primeiro-ministro, claro. Mário Centeno foi, indiscutivelmente, um excelente ministro das Finanças. Mas esquecer o papel de António Costa na gestão política dessas mesmas Finanças não ajuda a perceber a realidade objetiva das coisas.

Uma Alemanha europeia



Por mais de uma vez, falei aqui nesta coluna no papel único que a Alemanha representa na Europa. O projeto integrador criado no pós-guerra, ou melhor, durante a Guerra Fria, só existiu pela consciência das democracias ocidentais, apoiadas pelos EUA, de que era indispensável ancorar definitivamente a Alemanha, nesse caso as três zonas de ocupação, a um modelo de liberdade, tutelado por um chapéu de segurança que se chamava Nato, isto é, América. A França, cooptada para os vitoriosos, funcionava como o parceiro central dessa aposta política.

Por muitos anos, a Alemanha teve a inteligência de manter um “low profile”. À esquerda e à direita, a sua classe política entendeu que lhe competia, essencialmente, projetar confiança e ganhar credibilidade. Fê-lo com grande cuidado na sua forma europeia de estar, nunca se mostrando demasiado “pushy”, aproveitando habilmente a sua insuperável prosperidade para assegurar meios que permitissem ir consolidando o projeto. O “tandem” com a França funcionou bem, em especial pelo facto da fragilidade desta ter contribuído para lhe retirar o papel preeminente que, nas primeiras décadas, tinha assumido.

O fim da URSS, a libertação das “democracias populares” que viviam sob a tutela e/ou sob o temor a Moscovo, mudou tudo. O fim do muro, com a reunificação da Alemanha, trouxe, como contrapartida, o “empréstimo” do antigo marco para a credibilitação da nova moeda única. Mas algo mais aconteceu: a fronteira divisória da guerra fria, que passava pelo território alemão, agora reunificado, trouxe uma “buffer zona” de segurança a Berlim (e já não a Bona), com o alargamento da Nato a ser um fator decisivo.

Os alemães passaram a sentir o direito de afirmarem uma maior assertividade no processo interno europeu e só o não conseguiram fazer no plano externo, com a gestação de uma nova “ostpolitik”, porque a atitude de Moscovo, somada à polarização em sentido contrário dos seus antigos “satélites”, o não permitiu. Para ser mais claro: o sonho de Berlim é criar uma relação de estabilidade sustentada com a Rússia. O que se passou na Ucrânia, com a imbricação irritante dos EUA, não ajudou a isso. Mas a “aposta” da Alemanha num entendimento durável com a Rússia permanece nas cartas.

Não vou ao ponto de dizer que a Alemanha é hoje o “gigante bom” da Europa, mas quero afirmar, sem a menor hesitação, que me parece óbvio que a Alemanha é hoje um fator incontornável de qualquer solução europeia. E ela sabe isso.

No passado, Adenauer, Brandt e Schmidt garantiram as credenciais europeias do país. Kohl percebeu a oportunidade da falência da URSS, reunificou o país e firmou o euro. Merkel, que parecia um sucedâneo de Kohl, mostrou, nos últimos anos, que tem uma visão para a Europa.

Merkel cometeu erros importantes. Na crise financeira, deu, com Sarkozy, passos que muito ajudaram à crise das dívidas soberanas. Fê-lo por razões “democráticas”: a sua opinião pública não se sentia predisposta a gestos concessionistas, face à falta de rigor financeiro da orla norte do Mediterrâneo.

Mas Merkel mostrou o seu lado humanista na questão dos refugiados e, na crise económica gerada pela pandemia, ajudada por uma presidente da Comissão Europeia que, talvez não por acaso, é também alemã, está a tentar forçar soluções de solidariedade intraeuropeia que, há poucas semanas, pareciam impossíveis. Desafia o seu próprio Tribunal Constitucional, promove uma verdadeira mutualização de dívida e encara impostos europeus – tudo tabus há muito pouco tempo. Alguns dirão que ainda falta convencer os “frugal four”. É verdade, mas não creio que a chanceler e a presidente da Comissão, com o apoio do BCE, tivessem ido até ao ponto a que chegaram se não tivessem gizado já fórmulas de recuo para fazerem passar as reformas que ousaram propor, sem as descaraterizar.

Gosto desta Alemanha europeia, tanto quanto nunca gostei da ideia de uma Europa alemã.

quinta-feira, junho 11, 2020

Que vivam os restaurantes!


Pelas experiências que tenho tido, os restaurantes portugueses são hoje, a grande distância, dos lugares públicos mais seguros, em termos de saúde, que se podem frequentar.

Sem uma única exceção, os dez restaurantes a que já fui mostraram um elevado sentido de responsabilidade, sabendo além disso manter, praticamente sem exceção, o seu nível de serviço e qualidade.

Deixo registados os nomes dessa dezena de casas, pela ordem exata por que as visitei, cada uma com brevíssimas notas.

Acho que é justo que os clientes voltem a frequentar os nossos restaurantes, por forma a eles poderem garantir a sua continuidade.

Os restaurantes fazem parte do nosso património como sociedade.

Consulte aqui.

Lisbon Speed Talk


Ponham na agenda. É já no dia 18 de junho, a terceira ”Lisbon Speed Talk”, organizada pelo Clube de Lisboa. São 30 minutos de debate, sempre às 17 horas. Desta vez será analisada a posição do Tribunal Constitucional alemão, uma atitude que, a vingar, poderá bloquear a ação do governo alemão na Europa.

Estatísticas


“Olha lá! Não é possível mobilizar por aí uns arrebentas para estragar as estatísticas a estes gajos?”

quarta-feira, junho 10, 2020

Jornaleiros

Tivesse eu responsabilidades numa redação e demitiria, no instante, o repórter que, nos próximos minutos, me aparecesse com um trocadilho com o nome do Corona, autor do golo do Porto contra o Marítimo.

Seguidores

Este foi o dia em que percebi, definitivamente, que não tenho seguidores de Portimão e do Funchal. Só dos outros.

Aristides

Fosse eu de direita, Aristides Sousa Mendes seria o meu herói. Aristides foi um apoiante do 28 de maio, da Ditadura Militar e do Estado Novo, nunca teve a mais leve simpatia pela esquerda e, nem por isso, deixou de protagonizar um gesto quase ímpar de revolta contra a indignidade.

“Em Portalegre cidade...”

Há um ano, em Portalegre, percebemos que há portugueses que, coitados!, sofrem desse triste destino de terem nascido num país onde há portugueses, essa gente cheia de defeitos que, felizmente, alguns dos seus compatriotas mais lúcidos conseguem redimir com um arremedo de discurso.

Cruzes!

Ouvi há pouco, numa mesa ao lado, num restaurante, uma pessoa pronunciar a palavra “hodierno”. Pedi logo a conta!

Isto está bonito!

A HBO retirou o “E tudo o vento levou” da sua lista, por perpetuar o racismo. Isto está bonito, está!

Os dias de Portugal


O presidente da República decidiu associar à data de hoje uma cerimónia sóbria, com a palavra, sempre interessante, de uma destacada figura da igreja católica. Num tempo em que, por razões fortes, as manifestações públicas têm estado em discussão, a opção do presidente parece sensata. E simbólica.

Os dias que Portugal atravessa não são dias comuns. Vivemos tempos estranhos, nos quais entrámos todos da mesma maneira, com práticas de vida basicamente similares, mas de que estamos a sair de forma muito diferente. Naquilo a que se chama o “desconfinamento”, descobrimos agora vários países: desde aquele que continua a privilegiar o recolhimento em sua casa, até ao que, cansado de máscaras e de distanciamentos, opta pela via do risco. Pelo meio, revelam-se formas diferentes de maior ou menor ousadia. É mesmo interessante observar que, nesta diversidade de “saídas de casa”, se desenham hoje filosofias de atitude, até com ressonâncias políticas associadas.

Neste leque de comportamentos, destapam-se insuspeitados caráteres, mas fica evidente uma realidade: foi-se erodindo a confiança inicial nas recomendações de origem oficial, por estar criada a sensação - certa ou errada, é indiferente - de que alguns desses conselhos têm vindo a contradizer-se e que o que era verdade ontem deixa de ser válido amanhã. Provavelmente, estarei a ser injusto mas, em saúde como em política, o que parece é.

Todos entendemos que, nesta pandemia, o mundo andou numa navegação à vista. Aprende-se num dia o que até então não se sabia, as “lessons learned” são muito importantes. Mas isso nunca é frontalmente assumido. Por mim, gostaria muito de ter ouvido, num certo momento, com humildade: “Fizemos isto desta forma mas, olhadas as coisas em perspetiva, temos que concluir que nos enganámos. Devíamos ter seguido outro caminho, que teria, provavelmente, conduzido a melhores resultados”.

Com os anos, e com alguma prática direta, aprendi que o discurso do poder tem uma tendência a assumir-se como afirmativo, sem dúvidas e, geralmente, sem a humildade do recuo. No desejo de tornar eficaz a mensagem, quem a envia só em raras ocasiões se retifica a si mesmo, como se corrigir-se fosse sinal de fraqueza, como se a verdade acabasse por ser autoflagelatória.

Neste Dia de Portugal, estamos, como é óbvio, um pouco mais divididos do que nos sentíamos no início da pandemia. Olhemos as coisas pelo lado positivo: ser livre e manifestar essa liberdade de forma diversa é apenas a prova provada de que vivemos em democracia.

terça-feira, junho 09, 2020

Estátuas

A questão da destruição de estátuas de figuras do passado, representativas de realidades que, na sua época, eram lidas de forma diferente pela sociedade, levanta uma questão de base: será que a atual geração assume a arrogância de ser ela a avaliar toda a História?

Finanças

Tenho muita pena pela saída de Mário Centeno de ministro das Finanças, onde fez um trabalho notável, que o país reconhecerá para sempre. E é bom sinal que seja um Leão a substituí-lo!

segunda-feira, junho 08, 2020

Crocodilo


É notório o embaraçado silêncio do PAN quanto à cruel caça ao crocodilo no Douro...

A resposts europeia à crise


Hoje, 2ª feira, às 17 horas, no Facebook e no YouTube, dois reconhecidos especialistas aceitaram o convite do Clube de Lisboa para, em 30 minutos, esclarecerem sobre a resposta da União Europeia às consequências económicas da pandemia. Pode participar, colocando questões.

domingo, junho 07, 2020

Ora bem!

“O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas e as pessoas idiotas estão cheias de certezas” - Bertrand Russell

Um belo nome!


Manifestação


Uma manifestação que, nas atuais condições de pandemia, não respeita as mais elementares regras de distanciação social (sabendo-se hoje que o mero uso de máscaras não dispensa a observância dessas regras) não deixa de ser um ato de irresponsabilidade e passa a ser uma cerimónia digna, apenas pelo facto de ter sido dedicada a uma causa justa.

Repito, para quem tenha dificuldade em entender: estou a falar de uma manifestação que se processou em termos inaceitáveis. Não é para aqui chamado o tema do evento.

Ai Brasil !


Todos os países do mundo, com a transparência exigida por um pandemia de dimensão global, apresentam diariamente os seus números, como contribuição para um rastreamento de interesse coletivo. Todos? Todos, não. A Coreia do Norte não fornece esses dados. E, agora, também o Brasil?

sábado, junho 06, 2020

Faça férias portuguesas...


... ou, pelo menos, fins de semana. Aqui fica uma “pedra” que encontrei perto do meu quarto...

Depois, queixem-se!


Lisboa, hoje! Depois, queixem-se!

Ferreira Fernandes

‪Gosto muito, mesmo muito!, de Ruy Castro. Mas a contracapa do DN sem a crónica do José Ferreira Fernandes não é a mesma coisa.‬

Palma


Sou, com toda certeza, das últimas pessoas que aparecem a saudar os 70 anos de Jorge Palma. Mas o facto de chegar tarde não me impede de ainda ir a tempo de o fazer.

Sou um grande admirador do trabalho de Jorge Palma. Para mim, com Sérgio Godinho e com Fausto, Palma faz parte do “trio maravilha” da música portuguesa de que mais gosto. Depois, vêm Zeca Afonso e José Mário Branco, também figuras cimeiras do meu palco preferido. E, confesso, como “cantautores”, as coisas ficam por aqui.

Sei que esta ordenação não é consensual, mas se eu quisesse ser consensual não andava nas redes sociais...

Sabe bem!

Está um cidadão a fazer o seu zapping retrospetivo de madrugada, quando, de repente, ouve o seu nome pronunciado, de forma altamente crítica, por alguém com quem raramente concorda. O dia não poderia ter acabado melhor! Boa noite!

sexta-feira, junho 05, 2020

O post do dia


Que eu recorde, nunca por aqui houve um único dia sem um post. Era só o que faltava que isso acontecesse hoje!

quinta-feira, junho 04, 2020

Desperdício

A polícia portuguesa deve, com certeza, ter coisas muito mais úteis para fazer do que estar a perder tempo e dinheiro público a controlar o fanatismo de gangs coloridos.

Câmara dos Comuns


Há sempre uma primeira vez para tudo. Esta foi uma cena incomum, na tarde de hoje, na Câmara dos Comuns. Ver aqui.

Judiciária

Aos protagonistas da nossa Polícia Judiciária - instituição com elevado mérito e qualidade - no caso Madelaine McCann recomendar-se-ia alguma contenção, neste tempo do processo que lhes não pertence. Parece não se darem conta que assim arrastam a imagem do país para o ridículo.

Biden

Obama fala bem, é a voz da sensatez e até deve gerar alguma saudade em muitos americanos. Mas quando é necessário ouvi-lo para mostrar um contraponto sério a Trump, ele acaba por ser a prova subliminar de que Biden pode estar longe de ser a alternativa ganhadora. É pena!

Decidam-se!

Tenho muita pena, mas não gosto desta esquizofrenia oficial que tanto nos diz que vem aí uma ”batelada“ de dinheiro como nos avisa que os efeitos da pandemia sobre a economia vão ser terríveis.

O governo não se dá conta de que estas duas mensagens, podendo não sê-lo, são lidas como contraditórias?

Américas

Mais do que as fortes acusações feitas a Trump pelo antigo responsável pela Defesa, James Mattis, acusando-o de ser um fator de divisão do país, impressionou a declaração do atual titular, que se afastou da leitura do presidente sobre o uso das Forças Armadas no plano interno

Brasil

Há sinais de que o ministro da Educação do Brasil, apanhado no vídeo da “infamous” reunião ministerial de abril a proferir insultos contra o Supremo Tribunal Federal, pode ser sacrificado para aplacar a ira dos juízes. Se assim acontecer, haverá alguma “desescalada” nas tensões.

Nakhchivan


Quando entrei naquele quarto de hotel em Nakhchivan, daqueles que têm um aspeto que nos leva a hesitar em sequer vir a utilizar a roupa da cama, tive um rebate de consciência. Dei comigo a pensar que vários dos embaixadores junto da Unesco, que tinham ido comigo de Paris a um congresso a Baku, no Azerbaijão, haviam sido por mim convencidos a alinhar na aventura que era fazer uma surtida a Nakhchivan.

Comecemos pelo princípio. O Azerbaijão organizava com regularidade um congresso cultural, nesse ano de 2012 em torno de uma temática central que já não recordo. Decidi nele participar, confesso, porque, desde as descrições de Calouste Gulbenkian, tinha uma forte curiosidade em ir a Baku. Havia pago do meu bolso a hospedagem, sendo a viagem, desde Paris, oferecida pelo governo local, dada a minha qualidade de “keynote speaker” convidado num dos painéis.

Na papelada que, à chegada, nos foi entregue, vinha uma oferta: o governo azeri dava-nos a escolher uma de duas viagens de dois dias, na parte final do congresso. As alternativas eram uma ida de autocarro ao Azerbaijão profundo, com comezainas, folclore e visitas culturais, ou uma ida de avião a Nakhchivan. Qualquer das deslocações só se faria se houvesse um quorum mínimo de participantes.

Dos meus colegas, fui quem mais “puxou” pela deslocação a Nakhchivan. Porquê? Porque aquela tinha sido uma das mais misteriosas repúblicas soviéticas, com uma história bem curiosa, que sempre justificara o seu estatuto institucional muito atípico. Como bem atípica ainda se mantinha a sua situação presente.

O Nakhchivan - de que muitos dos leitores nunca terão ouvido falar e que duvido algum tenha visitado - é um território autónomo do Azerbaijão, tão “autónomo”, nos dias de hoje, que não tem qualquer ligação por terra com o resto do país. Trata-se de um enclave isolado, com uma curta fronteira de menos de oito quilómetros com a Turquia, outra com o Irão, uma outra ainda com a Arménia, tendo o território do Nagorno-Karabakh (disputado pelo Azerbaijão e pela Arménia) a tapar-lhe o acesso ao resto do Azerbaijão, de que faz parte. O Nagorno-Karabakh é uma área “neutralizada” pela disputa territorial, onde, nos anos 90, teve lugar uma guerra muito mortífera, sendo ainda palco de regulares incidentes armados. Para chegar de Baku a Nakhchivan é, pois, necessário ir sempre de avião, pedindo os azeris de empréstimo o espaço aéreo iraniano, dado que tentar voar sobre o Nagorno-Karabakh ou sobre o país seu arqui-inimigo, a Arménia, seria um suicídio garantido. Por todas estas razões, pode perceber-se que uma ida àquele bizarro destino não fosse uma coisa tida por cómoda para alguns dos diplomatas que comigo viajavam.

Muitos desses meus colegas inclinavam-se para aceitar o convite para o passeio sereno, de autocarro, pelo território, oportunidade para comprar tapetes e fazer belas fotografias. Fui eu, numa noite de conversa, em Baku, quem conseguiu juntar um grupo que tornara aquela ida a Nakhchivan possível. Invoquei a História e também devo ter inventado histórias que lá os convenceram.

Daí a minha preocupação culposa: o hotel era sinistro, a comida pouco menos, todo o ambiente parecia saído de um filme soviético dos anos 50, com uma coreografia teatral a envolver aquela que devia ser uma rara visita de uma delegação de diplomatas estrangeiros. À nossa volta, havia umas lojas “fake”, com coisas para um turismo que manifestamente não existia, salvo para aquele grupo de maduros, de várias nacionalidades, que o embaixador português conseguira arrebanhar, para poder concretizar o objetivo de uma ida a um local que o seu vício por lugares estranhos motivara.

A cidade de Nakhchivan, capital do território do mesmo nome, não é muito grande. Foi-nos proposto um passeio de autocarro. Eu trazia de Paris um raro guia com um mapa da cidade e, com base nele, comecei por pedir para passarmos junto da mesquita iraniana. Assisti então a uma conversa embaraçada entre o guia, que falava um péssimo inglês, e o motorista, tendo ambos concluído que... não sabiam onde era! Voluntariei-me: “Eu indico. Vai-se por esta avenida abaixo, corta-se na 3ª rua à esquerda e a mesquita fica numa praça ao fundo”. Qual quê! Novo conciliábulo, concluído pela recusa absoluta, com um argumento definitivo: a zona estava vedada, por obras. Pois...

E lá fomos, como é de regra nestes regimes, apenas aos locais a que eles nos queriam levar. Desde logo, para grande excitação de alguns dos meus colegas, àquilo que se diz ser o tumulo de Noé. Três anos mais tarde, fui de Lisboa a um congresso na Arménia e, perto da capital, Ierevan, lá fui ver ... os restos da Arca de Noé. Noé está muito presente no Cáucaso do Sul, sempre ligado ao monte Ararat, que ali prepondera na paisagem!

O ponto alto da visita seria, no entanto, a ida ao museu em honra de Heydar Aliyev, o filho mais ilustre de Nakhchivan, presidente do Azerbaijão por uma década, pai do atual líder. A visita foi longa, com uma explicação detalhada da vida da figura, desde o berço à morte. A certo ponto, a guia do museu esclareceu mesmo que fora Aliyev quem “livrara o Azerbaijão do comunismo”.

Aí, passei-me. Um diplomata, ainda por cima convidado, deve conter-se, mas a minha irritação foi mais forte do que eu: “Mas o presidente Aliyev não foi membro do Soviete Supremo da União Soviética?”. Aliyev havia sido, aliás, muito mais do que isso: foi uma figura destacada do KGB e da governação comunista no Azerbaijão. O seu conflito foi com a “perestroika” de Gorbachev, isto é, com quem quis “democratizar” o comunismo. Mas não entrei nestes detalhes, claro.

A guia sorria, perdida, não sabendo o que fazer: não ousava contraditar-me, mas a minha questão estava fora do seu roteiro. Recordo-me que as minhas colegas do Omã e da Albânia, duas boas amigas, imploraram, em voz baixa, que eu não embaraçasse a senhora e eu lá “deixei cair” os meus preciosismos históricos. E a palestra prosseguiu, para grande alívio dos nossos acompanhantes.

Não vou maçar quem aqui me lê com muitos mais detalhes dessa viagem, que também incluiu uma longa deslocação à fronteira iraniana, junto da qual havia uma espetacular mina de sal, transformada em clínica para doenças pulmonares.

A noite acabou, divertida, com uma refeição bem regada a vodka, como é de regra naquelas paragens. No final, um responsável local, com ar de autoridade política, aproximou-se de mim e disse, num tom cujo sentido não era de leitura unívoca: “Já vimos que é bastante interessado pela nossa terra. Esperamos vê-lo por cá de novo. Nessa altura, poderá ir ver a mesquita iraniana. E até o poderemos levar a outros lugares, que nem imagina que temos, para os estrangeiros curiosos...” A conversa acabou por ali. Desafiar ditaduras pode ter um preço.

Para o que me importa, nesse dia cumpri o meu objetivo de ir a Nakhchivan. Como costumava dizer alguém que já tive como amigo: “Você gosta de fazer ‘vezinhos’ em várias coisas bizarras, pelo mundo”. É verdade. Cada um é como é.

quarta-feira, junho 03, 2020

A “Visão” de Portugal


Porque há mais vida para além da pandemia, amanhã, na “Visão”, dou algumas ideias sobre onde fazer turismo em Portugal. 

Aproveitem, se puderem.

Europa


A força de Trump


O fenómeno Trump, qualquer que venha a ser o seu saldo final, tem já garantido um lugar na história política americana. Não o vai ser, com toda a certeza, pelas melhores razões, mas os Estados Unidos que sairão da sua passagem pela Casa Branca serão bastante diferentes daqueles que herdou de Obama. Não sabemos ainda é quanto.

Depois de Trump, todos iremos perceber se o corpo institucional americano permanece preservado no seu papel de gestor essencial dos “checks and balances”, ou se o desgaste induzido por um presidente que fez das roturas uma doutrina de ação acabou por se consagrar como um fator descaraterizador, com efeitos duradouros.

Trump chegou ao poder com uma intenção evidente: mudar a América de Obama. Fazer o contrário do seu antecessor foi a estratégia definida desde a primeira hora, numa linha que, tendo bastante de primário e de impressionista, traduzia o que ele pressentiu ser a vontade maioritária da sociedade.

Percebeu que havia uma parte do país violentada por uma leitura urbana, reverente a causas filosóficas da modernidade, que, na ordem externa, dava ares de fragilizar a imagem do país, colocado a jeito da satisfação de interesses que essa parte da América não via como americanos. A nostalgia de um país com um poder respeitado, que os oito anos de Obama teriam deixado banalizar, com compromissos económicos dependentes de um sistema multilateral globalizante, tido como responsável por desemprego e falências, conduziu ao “Make America great again”. Simples como slogan, eficaz como leit-motiv.

Como aquelas equipas de futebol que abrem o jogo “ao ataque”, que fazem do “pressing” a tática permanente e vivem as semanas, nas redes de televisão, a insultar os adversários e a proclamar que são “os maiores”, a onda Trump é uma espécie de “bullying” político permanente.

Curiosamente, se olharmos em perspetiva, estamos, desde o primeiro momento, perante um puro “one man show”, onde os atores secundários são mesmo secundários e descartáveis, à menor tentação de dissenso. 

O debate eleitoral que se aproxima, depois de uma pandemia com mais de 100 mil mortos e um rasto económico trágico, não vai ser entre Trump e Biden. Vai ser entre os que acreditam que, depois do vírus, é Trump quem tem mais força para afirmar a América no combate mundial de interesses, nomeadamente contra a diabolizada China, e os que entendem que a solução é recolocar no poder um “genérico de Obama”, da tal América fraca e dialogante. Espero estar enganado, mas os dados parecem lançados.

terça-feira, junho 02, 2020

Forte Príncipe da Beira


Várias foram as pessoas que, antes da minha ida como embaixador para o Brasil, em 2005, me falaram no Forte Príncipe da Beira, a maior edificação militar portuguesa construída fora da Europa. Todas essas pessoas, sem exceção, tinham “ouvido falar” do forte, mas nenhuma lá tinha ido. A fortaleza de São José de Macapá, de que há dias aqui falei, segue-se-lhe, em dimensão e importância estratégica.

Intimamente, prometi a mim mesmo que tudo faria para conseguir fazer aquela visita, durante a minha estada no Brasil.

O Forte Príncipe da Beira fica localizado no Estado brasileiro da Rondónia, numa zona remota, junto ao rio Guaporé, que faz fronteira com a Bolívia.

O forte teve várias utilizações, desde a sua inauguração, em 1783, até aos últimos anos do século XIX, quando era presídio militar, altura em que foi abandonado. Foi “descoberto” em 1913, mas a sua planeada recuperação não foi então avante. Só em 1930, o marechal Rondon, que daria o nome ao Estado em que a estrutura militar se situa, já com o forte uma vez mais tapado pela vegetação amazónica, conseguiu recuperá-lo. Em 1983, o presidente brasileiro João Figueiredo e o embaixador de Portugal, Adriano de Carvalho, visitaram o forte, lançando as bases para uma recuperação que a Fundação Calouste Gulbenkian viria, posteriormente, a ajudar a concretizar.

Hoje, a fortaleza, com os seus belos canhões com as armas portugueses, mantém-se preservada, na estrutura essencial, graças a uma pequena guarnição militar, que cuida da sua conservação. Se assim, não acontecesse, a mata amazónica “tomaria conta”, de novo, do forte.

Em 2008, a meu pedido, o nosso Adido de Defesa, coronel Jorge Santos, conseguiu montar uma “operação” de ida-e-volta ao forte, a partir da capital da Rondónia, Porto Velho, numa visita de trabalho que fiz a esse Estado e ao vizinho Acre. Junto ao forte, existe uma curta e improvisada pista, a que os aviões da Força Aérea brasileira conseguem aceder.

A viagem fez-se sobre uma imensa paisagem amazónica, tendo-nos acompanhado a figura magnífica do cineasta e historiador Beto Bertagna, um gaúcho que tem dedicado a sua vida à história da Rondónia. Foi um dia inesquecível, que guardo nas minhas memórias para sempre.

A entrada no forte, belíssimo e com uma construção muito curiosa, no conhecido modelo Vauban, foi para todos nós um momento emotivo. E sê-lo-ia mais quando deparei, na parede, com uma placa onde se lê um extrato de uma carta de junho de 1776, enviada por D. Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, governador e 4º capitão-general da capitania de Mato Grosso.

O que está escrito nesse texto passou para mim a consubstanciar o verdadeiro conceito de Serviço Público:

"A soberania e o respeito de Portugal impõem que, neste lugar, se erga um Forte, e isso é obra e serviço dos homens de El-Rei nosso Senhor e, como tal, por mais duro, por mais difícil e por mais trabalhos que isso dê, é serviço de Portugal. E tem que se cumprir".

Em honra do embaixador de Portugal, a guarnição fez disparar na ocasião um velho canhão português. (Anos depois, o meu sucessor em Brasília, numa viagem idêntica, teve menos sorte do que eu, tendo então ocorrido um acidente durante a mesma cerimónia.)

Regressado a Brasília, consegui (sem encargos para o Estado, diga-se), reunir meios para enviar um jovem e talentoso fotógrafo brasileiro ao Forte Príncipe da Beira, tendo sido organizada, em dezembro desse ano, no Instituto Camões, em Brasília, uma belissima exposição com fotografias dessa visita. Foi, aliás, no ambiente dessa exposição que organizei a minha despedida oficial da capital brasileira.

Passaram entretanto alguns anos e, já em Portugal, fui uma noite dormir a um palacete, transformado em unidade hoteleira, em Penalva do Castelo (hoje incluído na rede dos Paradores espanhóis), a Casa da Ínsua. Qual não foi a minha surpresa quando descobri que o primeiro proprietário daquele belo solar fora D. Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, o responsável pela edificação do Forte Príncipe da Beira, lá longe, na atual Rondónia brasileira.

O mundo é pequeno, mas o mundo português é grande.

segunda-feira, junho 01, 2020

Hoje, na TVI


Hoje, durante o “Jornal das 8”, da TVI, estive à conversa com Pedro Pinto e Miguel Sousa Tavares sobre a situação nos Estados Unidos e no Brasil. Pode ver estas conversas, respetivamente aqui e aqui.n

America


domingo, maio 31, 2020

Olhar os olhos


A cada dia que passa, atento mais na beleza dos olhos de algumas mulheres, acima das máscaras. E, por vezes, dou comigo a tentar adivinhar, pelos olhos, como será o resto da cara. Estes também são efeitos colaterais da pandemia.

António Costa Silva


Viver no estrangeiro, durante bastantes anos, mesmo procurando estar atento à realidade portuguesa, traz como consequência que sejamos surpreendidos pela emergência de novas personalidades na cena pública.

Um dia, creio que de 2013, num debate em que participei no Teatro Nacional D. Maria II, “contracenei” com António Costa Silva. Não faço ideia do tema. Já nos tinhamos encontrado antes, num posto que eu ocupara, mas foi só durante esse colóquio que pude apreciar a sua exposição estruturada, informada e fundamentada, o saber “olhar em frente” sem cair na especulação irresponsável. Ligando uma sólida formação académica a uma relevante experiência prática no mundo dos petróleos, António Costa Silva é servido por uma capacidade pedagógica serena, o que dá imensa credibilidade às suas análises.

Daí em diante, e já lá vão alguns anos, sempre que penso em nomes para estruturar um colóquio ou conferência, sobre temáticas geopolíticas, o nome de António Costa Silva surge-me como uma obviedade. É o que tem acontecido em iniciativas do Clube de Lisboa, a que presido. E não posso deixar de destacar também a sua excelente contribuição no grupo de estudos criado pela Fundação Calouste Gulbenkian para pensar o seu futuro, a que ambos pertencemos.

Vejo agora que o primeiro-ministro decidiu recorrer a António Costa Silva para o ajudar a racionalizar a aplicação das novas ajudas europeias. Fá-lo, aparentemente, num modelo novo, desligado das estruturas institucionais tradicionais, o que já provocou uma expectável reação da “velha política”. Costa Silva estará nessa iniciativa “pro bono”, sem receber salário, apenas num ato de serviço público que decidiu assumir. Esperemos que, cedo ou tarde, da atual informalidade, essa sua relação com o governo possa vir a densificar-se. O país só ganharia com isso. É esse o meu voto.

sábado, maio 30, 2020

Mazagão Velho

 
Um dia, sendo embaixador no Brasil, recebi do governador do Estado do Amapá, Waldir Goes, um convite para estar presente numa solenidade em que seria feita uma homenagem aos fundadores da cidade de Mazagão Velho.

À época, 2006, tinha uma ideia muito vaga da história da localidade. Mazagão Velho fora criada, em 1775, para apoiar a fortaleza de São José de Macapá, na defesa do norte do Pará. O nome advinha do facto de ter sido fundada pelos antigos ocupantes da fortaleza de Mazagão (atual El Jadida), em Marrocos, a última que os portugueses haviam sido forçados a abandonar, já em 1769, dentre as várias que, desde o século XVI, haviam sido implantadas na costa marroquina.

É impressionante pensar, nos dias de hoje, como o poder político em Lisboa tomou a decisão de enviar, recém-saído da costa africana, depois de uma breve passagem pela Europa, um contingente mais de 300 famílias, mistas de portugueses e familiares marroquinos, para aquele remoto território, na fronteira norte do Brasil.

Olhando em perspetiva, em termos de resultados práticos, somos levados a concluir que essa terá sido uma decisão que acabou por contribuir para uma eficaz proteção dessa entrada do Amazonas, com vista à preservação da soberania setentrional do que é atualmente o Brasil.

É no Amapá, para quem não saiba, que o Brasil tem fronteira com ... a França! De facto, do outro lado do rio Amazonas, está a Guiana Francesa. É, no plano político-administrativo, um Estado brasileiro relativamente recente, fruto de uma divisão do Estado do Pará, ocorrida em 1943.

A data do evento era-me, contudo, bastante inconveniente: tratava-se do dia seguinte às eleições presidenciais em Portugal, a cujo encerramento da votação eu queria estar presente na capital federal. Isso obrigar-me-ia a sair de Brasília bastante tarde e chegar ao Amapá já bem dentro da madrugada, naqueles aviões noturnos que a insuperável imaginação brasileira crismou de "corujões", porque andam de noite, com preços mais baratos, que vão pousando, como se fosse um autocarro, por vários aeroportos, ao longo de milhares de quilómetros de território, o que transformava a viagem numa longuíssima jornada.

Foi a amável e reiterada pressão telefónica do governador Waldir Goes que me convenceu a ir. Cheguei ao aeroporto de Macapá, capital do Amapá, depois das duas da manhã, acompanhado por um diplomata marroquino, conselheiro cultural da sua embaixada. Esperava-nos uma simpática receção e, para nossa surpresa, aguardáva-nos uma ceia, no hotel, com convidados, tudo feito sem grandes pressas, com imensa cordialidade. No final, foi-nos dito que, às sete horas da manhã (!), passariam a buscar-nos... Se, depois do lauto repasto, acaso dormi uma hora, sob um inesquecível fundo musical, chegado das ruas de Macapá, terá sido já muito!

Logo de manhã, fomos levados do hotel ao porto, de onde embarcámos com destino a Mazagão Velho. A viagem acabou por ser problemática: a meio do rio, o barco avariou. Foi preciso mandar vir uma nova embarcação. O governador Waldir Goes mostrava uma serena fúria com o incidente, que perturbava o cerimonial previsto. Mas tudo se resolveu e a expedição continuou. Já perto do nosso destino, mudámo-nos para uma piroga, com remadores, em que havia músicos/cantores, com tambores e violas, que entoavam modinhas antigas, da tradição luso-mourisca do século XVIII, que viémos a saber ser a imagem de marca identitária da localidade. Uma experiência inesquecível!

Quer eu quer o diplomata marroquino estávamos comovidos. E mais ficámos ao aproximar-nos de Mazagão Velho, ao constatar que o que parecia ser toda população da cidade nos aguardava, na margem do braço de rio, chefiada pelo prefeito José Carlos "Marmitão", nome que condizia, à justa, com a dimensão da amável figura. Era enquadrada por garbosos cavaleiros, vestidos com coloridos trajes, que se pretendiam representativos da época remota de celebrávamos, das lutas entre os cristãos e os muçulmanos.

Dali saímos diretamente para o evento, pontuado por diversos momentos religiosos, que teria como ponto alto a inauguração de um memorial, onde ficaram depositados os restos mortais dos portugueses e das suas famílias marroquinas, que haviam sido descobertos em escavações recentes. Sentia-se um ambiente, ao mesmo tempo, de emoção e júbilo. Mazagão Velho tinha ali o seu momento de consagração histórica e eu senti o imenso privilégio que era poder representar Portugal naquela ocasião.

O calor do doa era imenso. Lembro-me de, na longa cerimónia, ter proferido, do palanque, à frente de uma multidão a perder de vista, um emocionado discurso, com os olhos a arder, pelo sal que vinha do suor que me caía da testa.

Seguir-se-ia um lauto almoço, no seio de uma multidão entusiasmada com o relevo que assim era dado à sua terra.

Hoje, sabendo o que sei, ficaria arrependido para toda a vida se acaso não tivesse estado, nesse dia, ao Amapá.

No regresso, bem mais longo, por terra a Macapá, tinha um pedido a fazer: queria visitar o Zerão. E foi feita a minha vontade. O que é o Zerão? É o estádio de futebol perto da capital do Amapá, cuja linha divisória, a meio, é ... a linha do equador. Tirar uma fotografia, com um pé em cada hemisfério, era uma experiência que eu, por nada, queria perder! E não perdi.

No dia seguinte, com o governador Waldir Goes, fui visitar a fantástica fortaleza de São José de Macapá, construída no tempo colonial português, um marco de soberania que, felizmente, nunca teve de disparar um único tiro, durante toda a sua história - o que é a glória máxima da eficácia da dissuasão.

Prometi então - e vim a cumprir, meses mais tarde - enviar o conselheiro cultural português no Brasil, o pianista Adriano Jordão, para fazer um concerto naquele belíssimo espaço, convertido em espaço cultural. Não foi fácil concretizar a iniciativa: os pianos não abundavam no Amapá! Mas essas são contas de outro rosário, que o Adriano, se quiser, contará.

Lembrei-me disto, há pouco, por uma razão triste, ao constatar, na televisão brasileira, que o Amapá é um dos Estados brasileiros onde a situação da pandemia é hoje bem trágica.

sexta-feira, maio 29, 2020

quinta-feira, maio 28, 2020

Modas


A máscara no queixo é o equivalente pandémico dos óculos de sol na cabeça.

Questões

Mafalda Anjos, diretora da “Visão”, suscita hoje uma questão que também já me tinha colocado: “Por que razão serão (...) menos independentes os meios (de comunicação social) que aceitam uma compra de espaço publicitário pelo Estado, que é “cega”, pública e indiscriminada, do que os que a recusam, mas vivem de subsidiação de dezenas de empresários com agendas políticas e interesses privados?”

Eu colocaria ainda a questão: se, desde o ínício, tivesse ficado claro que a ajuda do Estado era substancialmente maior, tê-la-iam recusado?

TAP

Percebo que a presença de capital público na TAP deva objetivar-se em orientações no sentido de interesses do país, definidos pelo Estado. Mas gostava de lembrar que foram decisões insensatas sobre “rotas políticas” que, no passado, ajudaram a levar a TAP ao descalabro.

Os novos libertários

Em alguns tolinhos, a moda começou mais cedo. Noutros, é coisa mais recente. É a “revolta”, o apelo à “desobediência” contra a “ditadura” do confinamento “oficial”, uma espécie de deriva libertária, a darem-se ares liberais.

E se tivessem um pai ou uma mãe no hospital, com respirador? Diriam o mesmo?

Será impressão minha?

É minha impressão ou Portugal paga hoje, nas idas ao mercado de dívida soberana, as taxas mais baixas de todos os países do sul da Europa?

O mundo adversativo

O jornalismo adversativo é uma forma muito triste de exercer a profissão.

Para compensar qualquer notícia que possa ser lida com tendo um tom positivo, algo que esteja a correr bem, é colocada logo depois uma frase antecedida de um “mas”, “porém” ou “contudo”.

Estejam atentos.

Adeus, CDS ?

O teor das declarações do nóvel líder do CDS, quanto ao Chega e a Orbán, deixa claro a que mercado de votos pretende aceder. Fica tudo mais claro, facilitando e legitimando a escolha dos adjetivos para qualificá-lo.

A Europa mexe

A acreditar na primeira leitura das medidas europeias anunciadas, há duas resistências que se quebram: a mutualização de alguma dívida e a eventual criação de novos recursos próprios. A Europa mexe.

quarta-feira, maio 27, 2020

Mobilidade humana


Hoje, 4ª feira, 27 de maio, entre as 17:00 e as 17:30, no Facebook e no YouTube, António Vitorino, diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações, falou comigo sobre o futuro da Mobilidade Humana depois do Covid 19.

Pode assistir aqui.

Nós por lá


Quando era embaixador em França, foi-me um dia chamada a atenção para o facto de um comediante, Patrick Timsit, ter feito comentários depreciativos sobre a comunidade portuguesa.

No meu anterior posto no Brasil, tinha-me defrontado, por mais de uma ocasião, com situações idênticas. Algumas vezes houve em que achei oportuno responder a esses comentários, às vezes com “estrondo” mediático. Outras, decidi não reagir.

Este é um problema que se coloca, de forma recorrente, aos embaixadores: avaliar se devem ou não atuar, em face de ataques públicos ao seu país ou aos seus cidadãos. Há que ponderar se tal reacção não acabará por ter um efeito desproporcionado, isto é, se não ajudará a chamar mais atenção para a questão do que aquela que ela teve no momento em que ocorreu. E, depois, nos casos em que decidirmos intervir, há que ainda que escolher e medir o tom que essa intervenção deve ter. Podem crer que é uma questão nada fácil.

No caso de Timsit, optei por aguardar, com vista a perceber se a questão tinha repercussão. Não teve e o assunto morreu.

Há dias, surgiu num canal televisivo um filme que tinha fados de Amália como banda sonora. Parei o zapping por ali. Era uma comédia francesa, com alguma graça, “Marie-Francine” - por cá seria chamada “50 são os novos 30” - assente num romance entre uma técnica de laboratório e um cozinheiro, cuja mãe era uma porteira portuguesa. O papel desse franco-português era desempenhado por Patrick Timsit.

Apetece-me dizer que tudo está bem quando acaba bem.

A dispensa do jornalismo


Os governos, todos os governos, pela natureza das coisas, querem dar de si próprios e da sua ação uma imagem favorável. E tentam que os cidadãos acreditem na narrativa que projetam. Em democracia, as oposições funcionam como contraponto às versões oficiosas. Mas é, muitas vezes, graças a intrusividade da imprensa, que se especializou em explorar os escaninhos do dissenso e a não se deixar encantar pelas versões únicas que se fica a saber, mais cedo ou mais tarde, que as coisas nem sempre são aquilo que nos foi apresentado.

Para isso, surgem versões dos factos, o diz-que-disse, os relatos parciais. É essa a riqueza do trabalho dos jornalistas, esses “impacientes da História”, como lhes chamou Jean Lacouture, para bem caraterizar a sua função antecipadora dos juízos definitivos, com o recuo do tempo.

Contudo, às vezes, vezes que são raras, a realidade dispensa o jornalismo. Há factos que são tão evidentes que não necessitam de mediadores de leitura.

Vem isto a propósito do vídeo que revelou a reunião do presidente brasileiro com os seus ministros e alguns convidados do inner circle. Embora estivesse a ser gravada, aquela reunião não estava destinada a vir a ser conhecida pelo grande público - e muito menos o seria depois do que ali foi dito, em especial da forma com o foi. Era uma reunião de pura coordenação política – e daí decorre a sua “riqueza”.

Naquelas escassas horas, todo o brasileiro ficou a conhecer a “cultura de balneário” do team Bolsonaro. Foi muito interessante perceber que o Brasil tem no topo do Estado uma figura que entende que o voto conjuntural que recebeu o ungiu de uma autoridade quase sem limites, só prejudicada, no seu exercício, pelo empecilho não resolvido de outros poderes, como o legislativo e o judicial.

Ouvir (e ver) o que ali disseram ministros como o da Educação, num arroubo filo-fascista não contraditado por ninguém, do Ambiente, com afirmações para além da decência básica para o exercício de um cargo público, da Economia, cheio da consciência de ser o derradeiro fiador de Bolsonaro perante o empresariado, com as certezas da “mão invisível” a orientar-lhe as escassas dúvidas éticas – tudo isso constituiu um espetáculo memorável. E, nessas horas, foi imperdível a cara do militar vice-presidente, com um auto-controlo no fácies que era um verdadeiro livro aberto.

São raros os momentos como este, em que História, por um acaso, se fez no instante, sem esperar pelo amadurecimento do tempo. Tudo ali ficou imensamente claro, para sempre.

terça-feira, maio 26, 2020

A voz do Porto


Ouvindo hoje Rui Moreira a clamar, lembrei-me do Porto e do seu poder ou falta dele.

Curiosamente, sendo embora a segunda cidade do país, o Porto só com a democracia conseguiu obter uma expressão significativa a nível do poder central. Se olharmos para a história da ditadura – e mesmo da primeira República, passado um tempo de evidência no republicanismo novecentista - verificaremos que a influência política do Porto, como cidade, junto do poder central, foi sempre muito escassa. E, curiosamente, é uma evidência que o Porto teve sempre, em particular nesse tempo, um forte tecido de instituições, formais e informais, desde logo na área empresarial, mas igualmente no domínio cultural e no terreno social.

Tudo indica que Salazar nunca gostou do Porto, talvez porque a cidade projetasse uma sofisticação, quiçá algo snobe e elitista, que se contrapunha ao ruralismo pretendidamente esclarecido que ele próprio representava e que Coimbra, com Lisboa, aqui também através da universidade, era suficiente na sua tarefa de cooptar o pessoal político da ditadura. 

Graças à sua força económica – recordo que então se dizia: “o Porto trabalha, Lisboa diverte-se” -, o Porto como que se isolou um pouco no processo político à escala nacional, mantendo uma dinâmica própria, uma burguesia longe do cosmopolitismo do dinheiro “novo” de Lisboa, mais Clube Portuense e muito pouco Linha do Estoril. O Porto ia fazendo pela vida...

Diga-se, contudo, que o Porto burguês não era maioritariamente anti-regime, muito longe disso. O peso da igreja e a proteção dos negócios encontraram sempre no Porto um terreno sólido de apoio ao salazarismo. Mas o Porto da ditadura foi também aquele que deu o maior banho de multidão a Humberto Delgado, em 1958, como já tinha proporcionado o maior comício a Norton de Matos, nove anos antes, na Fonte da Moura. E é o Porto que gera um bispo que atazanou o ditador e, verdadeiramente, abriu caminho às vias católicas dissidentes à escala nacional. Esse é, alias, o mesmo Porto que produziu Sá Carneiro, esse inesperado incómodo que veio a destapar a fraude da abertura marcelista.

Foi o 25 de Abril que levou o Porto a perder esse seu relativo isolamento político. Com Sá Carneiro e as suas adjacências, o Porto entrou muito cedo para a partilha do poder político central. E por lá tem ficado, às vezes de forma influente, outras numa presença simbólica. Quando se forma um novo governo, à esquerda ou à direita, imagino que a pergunta deve surgir: “E do Porto, quem é que se põe?”. Pode soar um tanto cruel estar a dizer isto, mas é esta parece ser a realidade. 

Desta vez, no governo, o Porto não se pode queixar... E tem mesmo a liderança da oposição. Porém, não obstante a inegável excelência de muito do pessoal que a política doméstica foi buscar ao Porto, nas últimas décadas, isso só marginalmente quis significar o peso real acrescido da cidade no jogo político nacional. 

Mas Porto desenha um outro modelo curioso, sendo nisso quase um “case-study”. Refiro-me ao seu perfil reivindicativo. A cidade do Porto assume sempre um discurso tenso, uma mostra de mal-estar permanente, uma queixa de quem se sente mal tratado. Até as distritais portuenses dos dois partidos do novo rotativismo sofrem desta obsessiva necessidade de terem uma idiossincrasia própria, um discurso façanhudo e de cara dura frente aos aparelhos de Lisboa. 

Com regularidade, o Porto convoca os poderes económicos e os seus nomes sonantes para a retoma dos vários episódios dessa espécie de permanente batalha virtual que mantém com Lisboa. E, com o tempo, mas sempre com o sobrolho cerrado, nas entrevistas e proclamações, o Porto lá vai conseguindo levar a água ao seu moinho de vento, melhorar o aeroporto, ter as suas novas pontes, o seu metro, as vias que o seu jogo de cintura interna é sempre capaz de arrancar.

Mas convém que fique muito claro: essa guerrilha política, nas formas curiosas, típicas e mediáticas que por vezes assume, não deixa de ter uma indiscutível legitimidade. Porque a verdade é que, neste país, continua a haver uma macrocefalia muito evidente em torno e em favor de Lisboa

A política e a Cultura

Os titulares da Cultura são, entre nós, uma espécie governativa com uma esperança de sobrevivência potencialmente escassa. O financiamento orçamental que é alocado ao setor é, desde há muito, bastante inferior às reais necessidades para satisfazer as esperanças dos vários lóbis. Alguns, com capacidade de movimentação nas franjas político-partidárias do poder, ainda conseguem assegurar umas linhas promissoras, mas genéricas, nos programas de governo. Esses grupos de interesses movimentam-se logo que chega um novo titular, na ânsia de serem eles, dessa vez, os beneficiados. Os governantes disfarçam quanto podem o óbvio “bluff” em que atuam e vão ganhando tempo junto dos agentes do setor, até ao momento em que, para alguns destes, fica muito claro que a manta está longe de poder cobrir todos e não vai abranger muitos. Entram então em processos reivindicativos - em si mesmos justos, porque foram iludidos nas suas expetativas - com forte cumplicidade dos media, onde, por natureza, encontram ecos de simpatia, facilitaos pela notoriedade de algumas das personalidades que são a cara do setor. Nessa altura, com um qualquer pretexto ou por desgaste, os titulares acabam por ser mudados e recomeça a dança. Esta é a minha visão. Corresponderá à realidade?

segunda-feira, maio 25, 2020

A sina dos diplomatas

Em democracia, um diplomata representa o Estado e executa as instruções que são emanadas dos governos que o voto popular escolheu para dirigir esse Estado.

Mas o diplomata não é um mero executante. À luz da sua experiência e da leitura que desta tenha extraído, ao longo dos anos que leva de serviço público, sobre aquilo que melhor defende o interesse nacional - que é algo que transcende os ciclos políticos -, deve ser criativo na sua tarefa de dar corpo à política externa do país, sugerindo caminhos, alvitrando formas de atuar. Mas, no derradeiro momento, deve obedecer às instruções definidas por aqueles a quem foi conferida a legitimidade democrática para decidir.

E se um diplomata estiver em desacordo com aquilo que o mandam fazer? Há duas hipóteses. Se acha que, ao executá-lo, isso fere a sua consciência ou valores limite, só lhe resta demitir-se e abandonar a carreira. Se se trata apenas de uma divergência de orientação, o diplomata tem obrigação de expor a sua leitura contraditória mas, se a decisão lhe for reiterada, deve cumpri-la, mesmo contra a sua vontade. E, ponto muito importante, a prova da lealdade de um servidor público está, não apenas no cumprimento das instruções recebidas, mas no estrito dever de não publicitar essa discordância.

Em quase quatro décadas de carreira, com 21 ministros dos Negócios Estrangeiros, algumas vezes houve em que, pontualmente, não estive de acordo com aquilo que me foi dito para fazer. Mas, em nenhuma dessas ocasiões, fiz algo contra a minha consciência.

Por que é que trago hoje esta questão? Porque acabo de ler uma carta dirigida pelo embaixador brasileiro em França ao jornal “Le Monde”, reclamando contra a cobertura crítica feita à situação da pandemia no Brasil.

A carta, compreensivelmente, defende a política de Bolsonaro. Quero crer que o argumentário deve ter chegado ao embaixador emanado da capital, dada a sensibilidade do tema. Mas devo dizer que me impressionou muito ver um profissional da diplomacia, embaixador num dos principais postos do mundo, oriundo de uma carreira que tem um património histórico de prestígio e qualidade, por sua iniciativa ou sob instruções, aceder a subscrever uma argumentação que, num determinado ponto, vai a este extremo: os governadores dos Estados brasileiros, quase esmagadoramente críticos da política de “portas abertas”, terão optado pela política de confinamento ou mesmo de “lockdown”, com o deliberado propósito de provocarem a destruição da economia do país, por forma a dificultar as condições para a reeleição do presidente em 2022. Como se fosse minimamente plausível que esses governadores, de vários partidos, se tivessem conluiado para arruinar a economia dos Estados que os elegeram! 

Assinar um pensamento tão mesquinho e absurdo como este não honra uma diplomacia como a brasileira. Tenho a certeza que muitos amigos que tenho na carreira diplomática do Brasil, patriotas e alguns até com iniciais simpatias por Bolsonaro, menos por ele e mais por rejeição da alternativa que se lhe opunha, devem ter ficado algo incomodados ao verem o bom nome do Itamaraty descer a este ponto.

Parabéns!


Hoje, celebram-se 98 anos de vida do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles.

Somos um país com muito poucas unanimidades. Ribeiro Telles faz parte das escassas figuras, em Portugal, que merece um generalizado respeito, pela sua obra profissional mas, essencialmente, por ter visto, antes de quase todos, a importância das questões ambientais para o nosso futuro coletivo e de ter tido a coragem e o desassombro de nos alertar para elas, num tempo em que fazê-lo era considerado uma bizarria, quase uma ideia ridícula e sem sentido.

Deixo aqui a minha homenagem a essa grande figura de cidadania que é Gonçalo Ribeiro Telles.

domingo, maio 24, 2020

Bolsonaro (2)

O baixíssimo nível do discurso de Bolsonaro, que um vídeo de uma reunião ministerial revelou, pode acabar por ter um efeito positivo junto do eleitorado que o elegeu. Na realidade, muitas dessas pessoas, que têm, elas próprias, uma linguagem e estão num patamar cultural não muito diferente daquele que ali ficou projetado, sentem, afinal, que têm um presidente que está próximo de si.

sábado, maio 23, 2020

Bolsonaro

Para melhor se entender o caráter da reunião presidida por Bolsonaro, de que há horas foi divulgado um vídeo, é importante ter presente que, num regime presidencialista como o brasileiro (ou como o americano, mas já não como o francês), não existe o conceito de um “conselho de ministros” que reúne todas as semanas, onde é aprovada legislação, como sucede em regimes como o nosso. 

Reuniões como a que agora foi mostrada, ocorrem apenas ocasionalmente e têm um caráter de coordenação política, delas não emanando qualquer decisão de natureza colegial. O conceito de colegialidade governamental não faz parte, aliás, do ordenamento constitucional brasileiro. Neste, cada ministro faz chegar ao presidente os projetos de legislação do seu departamento, através da Casa Civil da Presidência da República, a cuja chefia compete, em princípio, assegurar a coerência da ação governativa.

sexta-feira, maio 22, 2020

Eles ai estão!

 

Se fosse só assistir a jogos de futebol, um dos mais belos desportos do mundo, era excelente!

Mas não: vai ser uma enxurrada de verborreia dos comentadores, das imensas conferências de imprensa, das críticas dos dirigentes e treinadores aos árbitros, com a polícia, que devia ter coisas mais úteis para fazer, a ser gasta a controlar manadas de claques ululantes, raivosas de ódios, cheias de ultras e racistas.

E lá estarão - atentas, veneradoras e muito obrigadas - todas as televisões, a toda a hora, telejornais de quilómetro incluídos, subservientes aos poderes de facto, inventando peças, filmando treinos, alimentando as intrigas, com notícias repicadas do jornais desportivos.

Há por aí um país que estava sedento do regresso às trincheiras clubistas, morto por ouvir falar de bola, nem que seja naquelas emissões patéticas, em que não se vê nenhum jogo, mais apenas uns tipos a falar do que eles estão a ver e os outros não.

Só um país triste se alegra desta forma.

Quem tem capa...

Parece que passou a ser moda, nas redes sociais, inventar-se imagens falsas, dando-lhes uma aparência de plausibilidade. Esta semana acontece com a capa da Visão.

Há poucos dias, um outro vigarista gráfico alterou o rodapé de uma imagem televisiva, colocando um palavrão onde estava outra palavra. Foi um festim de difusão de algo que nunca tinha sucedido e que, a acontecer, poria em causa o rigor profissional dos responsáveis pela legendagem daquela estação.

Posso estar enganado, mas tudo isso tem muito a ver com um certo tipo de humor profissional alarve que por aí anda, que joga com as fronteiras da verdade e, claro, com a ignorância de muitos. E como parece que vivemos no reino da inimputabilidade e do vale tudo...

Nas redes sociais, há sempre gente para acreditar em tudo, e a regra é: “toca a fazer rapidamente ‘partilhas’ dessas vigarices, para mostrar como sou engraçado”. Em lugar de pôr de quarentena quem promove essas imbecilidades, a “cultura” deste mundo de graçola primária leva à difusão imediata daquilo que surge como insólito. Depois, se não for verdade, pronto!, não tem importância, olha!, afinal era falso...

Com a divulgação intensiva dessas imbecilidades, cada dia se abandalha mais a comunicação entre as pessoas, que este tipo de espaços de comunicação poderia proporcionar.

Confesso os figos

Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...