As histórias são como as cerejas. Atrás de umas vêm outras.
O “Expresso” traz ontem na sua Revista um artigo sobre os prémios Nobel. E lembra que o escritor Boris Pasternak não foi autorizado, pelas autoridades da União Soviética, a deslocar-se a Estocolmo, em 1958, para receber o prémio da Literatura.
Neste instante, lembrei-me que também a Andrei Sakharov, físico russo, foi, em 1975, atribuído um Prémio Nobel. Não foi igualmente autorizado a recebê-lo pessoalmente, desta vez em Oslo - porque, ao contrário de todos os outros Nobel, que são da competência da Academia Sueca, o Prémio Nobel da Paz, com que Sakharov foi então galardoado, é da responsabilidade do Comité Nobel norueguês, em cuja capital é entregue, em cada dia 10 de dezembro.
Veio-me então também à memória um episódio sobre Sakharov que Hedrick Smith conta no seu livro “The Russians”, que li numas férias que passei em Ialta, na Crimeia, em 1980 (levei o livro encapado com papel de embrulho, o que causava uma curiosidade, nunca satisfeita, aos meus vizinhos de praia).
Sakharov, que era imensamente diabolizado pela imprensa (oficial e oficiosa, porue outra não havia) do seu país, não era uma cara minimamente conhecida na URSS. Essa mesma imprensa nunca publicava a sua fotografia, pelo que o físico era, na verdadeira aceção da palavra, um “ilustre desconhecido”.
Conta Hedrick Smith (lembro de memória, porque já perdi há muito o rasto do livro) que, a certo passo, encontrando-se Sakharov, com a sua mulher, numa praia (no seu caso, creio que em Sochi), ouviu, num grupo ao lado, falar no seu nome. E pôde assistir então a uma conversa em que ele era o principal tema, com muita gente a criticá-lo, nos termos da doutrina oficial, e, creio, ninguém a defendê-lo, porque os tempos eram o que eram. Julgo que não interveio no debate, mas achou a situação bizarra e até divertida.
Porque trago isto aqui? É que isto cruza-se, à minha medida, com o meu almoço de ontem. A certo passo, ouvi falar, na mesa atrás de mim, no meu nome. Pensei ser engano, mas não: o nome foi repetido várias vezes. Discretamente, olhei e não reconheci nenhuma das pessoas. Elas também nunca me tinham visto, pelo que continuaram a comentar o que apenas percebi ser o meu artigo sobre Franco Nogueira, publicado ontem, no “Público”. Como não sou de “escutas”, embora não deixe de ser curioso, não ficou claro se gostaram ou não do texto.
Presumindo que a palermice das redes sociais não vá ao ponto de sugerir que me estou a “comparar” a Sakharov, só posso dizer que é, de facto, uma sensação estranha ouvir falar de nós, na nossa presença, por quem nos não conhece. No meu caso, apressei o almoço, não fosse sentir-me tentado a dar uma opinião sobre mim, mesmo que não fosse muito lisonjeira...