sexta-feira, setembro 14, 2018

Juncker ou uma certa Europa


Este texto foi escrito antes de conhecer o discurso sobre o “estado da União”, anteontem lido por Jean-Claude Juncker no Parlamento Europeu. A menos que uma improvável “bomba” nele tenha surgido, o cenário é bastante previsível: uns dirão que foi um pouco mais do mesmo - apelando às responsabilidades, alertando e elencando riscos, mas sem que daí decorram necessariamente maiores consequências; outros opinarão que, apesar de tudo, ficaram algumas pistas realistas para um futuro sustentado do projeto. E todos dirão que este acabou por ser o testamento político de Juncker, que abandonará a Comissão no próximo ano.

Uma noite de dezembro de 2000, num hotel em Biarritz, Jean-Claude Juncker, acabado de sair de um jantar à porta fechada com os líderes europeus, sentou-se no bar (poupem as graças) numa conversa comigo e com Elmar Brok, figura ainda hoje dominante no seio do Partido Popular Europeu. E ali nos contou, ainda sob a impressão do tom da discussão que acabara de testemunhar, o que nessa ocasião lhe fora dito, em contraponto a uma intervenção sua, por uma destacada figura de um Estado ao qual a História concede quase sempre uma palavra relevante no destino do continente: “se, no futuro, houver uma nova guerra na Europa, o teu país não chegará para acolher todas as sepulturas”. Com isto, a figura em causa queria apenas dizer que o Luxemburgo, tal como todos os restantes países que “contam pouco”, não era mais do que um figurante menor numa peça em que o estrelato estava pré-determinado. Mesmo que a peça acabasse por vir a ser exibida como tragédia. E Junker ficara chocado e eu passei a conhecê-lo melhor.

Sempre tive grande respeito por Jean-Claude Juncker, muito para além das caricaturas de si mesmo que, por vezes, ele ajuda a desenhar. Estive com ele em muitas reuniões, algumas incontáveis, vi-o atuar, de forma coerente e quase sempre do lado certo, em momentos decisivos. Reconheço nele um europeísta, uma bela figura humana e, no que nos toca, um excelente amigo com que Portugal sempre pôde contar. 

Mas Juncker é, em si mesmo, um retrato datado na Europa de hoje. Digo isto sem qualquer nostalgia, mas com alguma pena, se acaso tal for compatível.

Juncker sucedeu a uma singular tríade que, por muitos anos, espelhou bem aquilo que a Europa dos Estados mais poderosos desejava que a Comissão Europeia fosse: Santer, Prodi e Barroso. Quando foi escolhido (o que, para mim, foi uma surpresa), sabia-se que Juncker nunca viria a ser um Delors, porque os tempos já não estavam para aí virados. Mas, apesar de tudo, a sua escolha indiciava a vontade de ensaiar um novo sopro de integracionismo, quiçá menos abrangente, que permitisse à Europa do euro superar algumas fragilidades reveladas. Porém, o Brexit, a falta de vontade para completar a União Bancária, as crises migratórias e dos refugiados, o desafio global titulado por Trump e, acima de tudo, as clivagens internas não ajudaram o tempo europeu de Jean-Claude Juncker. Tenho pena por ele mas, muito mais, por nós.

4 comentários:

Anónimo disse...

Lido.
Não concordei com quase tudo.
Não mereceu despacho.
Tem de se aguardar pelos acontecimentos. Estão todos expectantes e sem ideias concretas.

Joaquim de Freitas disse...

Só por isso, JC Juncker devia ter sido posto na rua: O princípio da optimização fiscal das multinacionais, que permite todos os meios legais para evitar o pagamento de impostos sobre os lucros das empresas.

Com a liberalização do mercado de capitais e contabilidade criativa permitida, uma multinacional pode declarar os seus lucros nos chamados "paraísos fiscais", onde a taxa de imposto sobre as sociedades é irrisória. O Luxemburgo, que é um dos 28 países da União Europeia, faz parte desses paraísos fiscais.

No caso do Luxemburgo, com Jean-Claude Juncker presidente durante 14 anos, uma característica da legislação local é que os juros são isentos de impostos.
Um imposto de 33% que seria pago em França torna-se assim um imposto de 0% no Luxemburgo.

JC. Juncker, como chefe do governo luxemburguês entre 1999 e 2009, foi, por conseguinte, um dos principais intervenientes na hemorragia fiscal de outros países da UE a favor do Luxemburgo.
Ele nunca negou isso.

Num sistema democrático e ético, após as revelações da LuxLeaks, Juncker teria sido demitido imediatamente. Mas estamos no pequeno mundo da União Europeia, entre bons amigos, onde se deitam os referendos ao lixo e onde a oligarquia é rainha!
Se as empresas tivessem pago normalmente os seus impostos nos países respectivos, e o Estado não tivesse sido obrigado a procurar socorro nas instituições de crédito, a baixa dos juros e a carga da divida correspondente teria mantido as nossas economias abaixo da linha fatídica dos 3%, sem esforço…

As primeiras estimações do voto das europeias esta manhã ; que indicam a extrema direita a 21% , ao mesmo nível que o partido de Macron, é de mau augúrio para a Europa.

Graças entre outros a J.C Juncker , que além da imagem degradante com que nos presenteou há algumas semanas , arrasta com ele a criminosa actuação como presidente do paraíso fiscal do Luxemburgo.

Rui C.Marques disse...

Dei por mim a recordar M.Jean-Jacques Rabier,amigo e antigo conselheiro de Jean Monnet,numa longa conversa em Bruxelas quando ele era responsável pelas sondagens Eurobarómetro...

Anónimo disse...

Lembram-se das figuras tristes do Juncker em relação ao Nigel Farage?

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