quarta-feira, janeiro 10, 2024

Entrevista a José Cabrita Saraiva, para o semanário "Nascer do Sol"


Com uma carreira na função pública de 42 anos, esteve colocado em Oslo, Luanda, Londres, e foi embaixador nas Nações Unidas (Nova Iorque), OSCE (Viena), Brasil, França e UNESCO (Paris). Hoje exerce funções de administração e consultoria em várias empresas do setor privado e não se imagina a viver fora de Lisboa. 

Durante a sua vida visitou mais de cem países e conheceu figuras decisivas do nosso tempo, como Bill e Hillary Clinton, Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, Chirac e Sarkozy, Gorbachov e o atual ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov. Mas quem mais o impressionou foi Mário Soares – «estava à vontade em todo o lado, parecia aqueles velhos diplomatas que não se assustam com nada» – e, a nível internacional, Lula da Silva.

Alguns desses encontros, entre outros momentos e memórias, estão registados no livro Antes que me Esqueça (ed. D. Quixote), ponto de partida para uma conversa à volta da diplomacia e das suas circunstâncias.

Conheceu muita gente importante. Chegou a conhecer o Kissinger, que morreu recentemente?

Não conheci o Kissinger, mas todos nós no fundo somos um pouco clientes do seu realismo cínico. Se olharmos para os tempos da história a que esteve ligado, verificamos que há momentos dramáticos para muitos povos em que ele teve um papel decisivo. Estamo-nos a lembrar das ditaduras latino-americanas, do sudeste asiático, etc. Em relação a Portugal, Kissinger tem dois tempos. Um é o momento em que ele é convencido pelo Carlucci [embaixador dos EUA em Portugal entre 1975 e 1978] de que afinal Portugal não estava perdido nas mãos do comunismo internacional e que era possível encontrar uma solução através de Mário Soares e dos moderados dessa altura. Outro, talvez mais trágico, é o momento em que Kissinger vai com Gerald Ford à Indonésia e no dia seguinte, ou 48 horas depois, devido a uma luz verde dada por Washington, há a invasão indonésia. É nessas conversas que os indonésios ganham a consciência de que os americanos não se oporiam a uma invasão, na lógica da Guerra Fria. A eventualidade de Timor-Leste cair nas mãos do comunismo internacional levava a que Kissinger tivesse a noção de que valia tudo. No fundo não é muito diferente da velha lógica do Roosevelt, que a propósito creio que do Somosa, na Guatemala (*erro: era Nicarágua), dizia – e temos de fazer a tradução com cuidado: ‘He’s a son of a bitch, but he’s our son of a bitch’ [‘Ele é um filho da mãe, mas é o nosso filho da mãe’] Na Guerra Fria é quem está do nosso lado que conta, e ele põe um bocadinho os princípios de parte. Nesta última fase, o momento mais complexo terá sido quando, no início da guerra da Ucrânia, em mais um acesso de realismo, ele terá dito que era preciso fazer um compromisso que passasse eventualmente por algum trade-off relativamente ao território. Mas é um personagem extraordinariamente interessante da política americana. E devo dizer que ele pensa muito bem, escreve muito bem, é delicioso lê-lo. Mas nunca o vi.

Falemos então um pouco da sua experiência. O seu primeiro posto foi…

Na Noruega, em Oslo, em 79. Entrei para a carreira diplomática um pouco por acaso. Era funcionário da Caixa Geral de Depósitos, estava no meio do serviço militar, e fiz concurso…

Atirou o barro à parede a ver se pegava?

Já tenho falado com a minha mulher sobre isso. Eu já escrevia sobre questões internacionais n’A Voz de Trás-os-Montes, em Vila Real, aos 18, 19 anos. Ainda outro dia encontrei esses textos. E o meu pai era um francófilo e assinante do L’Express. Depois, entre um dos meus tios e o meu avô havia muita conversa sobre política internacional, virada para a guerra. E eu fui-me interessando. Havia concurso e pensei: ‘Eu sou capaz de fazer aquilo’. Há um elemento diletante nisto. Na altura, de manhã fazia umas horas numa empresa de publicidade e trabalhava comigo um personagem que chegou a ser famoso nos media portugueses, o locutor Pedro Moutinho. Quando eu lhe disse que ia fazer concurso para o Ministério [dos Negócios Estrangeiros], o Pedro disse: ‘Ó Francisco, você é de famílias com posses?’. E eu disse: ‘Não, eu vivo do meu ordenado’. ‘Então não pode ir para o Ministério. O Ministério é só para gente rica’. A verdade é que o meu salário, quando eu entrei, era mais baixo do que o que eu tinha na Caixa Geral de Depósitos. Portanto devo ter feito uma opção algo lúdica, no sentido de ‘deixa experimentar se sou capaz’. E devo dizer que os primeiros tempos não foram fáceis.

Porquê?

Quando entrei em 1975 o Ministério era uma casa basicamente conservadora. Mas ao mesmo tempo era uma casa muito liberal – talvez porque as pessoas viajem muito, tinha um grande cosmopolitismo. Eu tinha estado no MFA, tinha estado muito envolvido politicamente e com uma posição bastante radical. Andava com uma bigodaça e um cabelo imenso e as pessoas devem ter pensado: ‘Este tipo não está bem aqui’. Mas arranjei uma maneira de escapar: trabalhava muito e, sem modéstia, acho que trabalhava bem. Foi assim que eu subi à corda.

Foi assimilado?

Fui assimilado, numa casa que à partida não era a minha – o meu pai era gerente da Caixa Geral de Depósitos em Vila Real e eu vim estudar para Lisboa, portanto, não tenho ligações familiares nem sociais…

Porque existem linhagens no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Existiam mais no passado. E acho absolutamente normal que o filho de um diplomata tenha a tentação de seguir a carreira. Ainda hoje há muitos filhos de diplomatas na carreira e têm feito ótimas carreiras. Mas eu diria que o concurso de 1975, aquele em que eu entro – e o primeiro em que entram mulheres –, é o momento da abertura social do Ministério. Não é que não houvesse já pessoas de níveis sociais diferentes. Mas eu diria que um certo eixo Lisboa-Cascais, e certas famílias de uma aristocracia às vezes já um bocadinho erodida, predominavam no Ministério. Eu vinha com uma marca, que nunca procurei iludir, de esquerda. E a esquerda não é o território ideológico natural do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Mesmo hoje, penso eu.

Então vai para Oslo.

Vou para Oslo, depois vou para Luanda.

Geograficamente não é nos antípodas, mas em termos civilizacionais…

Oslo tinha sido um banho de civilização. Dali parto para Luanda. Luanda com recolher obrigatório, com os hotéis a não funcionarem, não havia restaurantes, não havia lojas, não havia nada. A minha casa em Luanda era muito fraca, a vida era uma complicação. Mas eu e a minha mulher fomos extremamente felizes em Angola. Se calhar só tenho esta perspectiva agora, mas foi muito enriquecedor também em termos de nos dar um banho de realismo. E esse realismo tem uma dimensão política, isto é, nós percebemos que as coisas não são bem como se pintam. Por essa altura, ou uns tempos antes, entre os comunistas, apesar das divisões – os que eram favoráveis à União Soviética e ao PCP, os que eram favoráveis aos movimentos maoístas, etc. – havia uma coisa que estava numa espécie de Olimpo, que eram os movimentos de libertação. E justificava-se até muitas coisas que corriam mal por estarem no princípio.

E percebeu que afinal não era bem assim? Perdeu essa ingenuidade?

Quatro anos de Luanda ajudam-nos a pôr os pés no chão. E ajudam-nos a perceber que essa tal ingenuidade tem que desaparecer. E devo dizer que estes banhos – aí no livro conto também uma viagem à União Soviética, a Ialta, com a minha mulher, nos anos 80 – são momentos de confronto com um mundo… Eu nunca fui convidado para o PCP, talvez as pessoas achassem que não tinha vocação de seguidismo. Mas fez-me muito bem ir a Berlim Leste em 79, fez-me muito bem ir a Ialta em 80. Você tem um confronto com uma sociedade em que, intimamente, diz: ‘Eu não quero viver numa coisa parecida com isto’.

É uma vacina?

E, passando para Angola, é a dose de reforço da vacina. É o momento em que, mesmo aqueles que vêm de uma tradição marxista, como era o meu caso, de repente têm uma espécie de reconversão, no sentido de dizer: ‘Afinal, com todos os seus defeitos, a democracia burguesa é o sítio onde eu me sinto bem a viver’. Depois pode estar mais à esquerda ou mais à direita. Mas esta noção de poder dizer o que lhe apetece, de poder escrever à vontade, de poder sair à vontade, isto é uma coisa que não tem preço. Aliás, a gente olha agora para o mundo e percebe que esse é o lado certo. Independentemente de depois poder ter as suas ambiguidades.

Imagino que esses contrastes deem um cosmopolitismo que não é só o das grandes metrópoles, mas o cosmopolitismo que de certa forma lhe permite estar à vontade também em sítios menos ‘civilizados’.

É verdade, embora eu não seja dado, digamos, ao cultivo afetivo de coisas ‘étnicas’ ou de coisas ‘bizarras’ no plano cultural e da vida. Tento compreendê-las, mas não tenho paixão por isso. Sou muito urbano.

Muito europeu, também?

Muito europeu. Desde miúdo andei pela Europa. Fui à boleia da rotunda do Relógio até à Noruega.

Com que idade?

Com 19 anos e depois com 21, antes de me empregar na Caixa Geral de Depósitos. E fui aos Estados Unidos com 21 anos, nas primeiras férias que tive da Caixa Geral de Depósitos. Ninguém ia passar férias aos Estados Unidos. Também comecei nessa altura a nascer para a cultura anglo-saxónica – em minha casa era tudo francófilo, os meus livros eram em francês, as minhas referências eram francesas – e foi aí que comecei a abrir aos Estados Unidos e à cultura americana, à história política, aos Watergates, comecei a interessar-me muito por isso. Mas de facto há um cosmopolitismo que nós ganhamos e que é estar naturalmente em qualquer sítio. E perceber que estamos sempre – particularmente os diplomatas – numa posição secundária. É-nos dado o privilégio, em determinados momentos, de assistir a determinadas situações. Mas somos atores secundários. E não podemos ter a tentação de trair a lealdade e a fidelidade da função que nos é dada. As personagens que fui encontrando, os reis, os primeiros-ministros, essas coisas todas, percebemos que tudo roda, tudo muda. A parte diplomática dá-nos um papel, diria, de lugar na bancada para esse mundo. A certa altura, no final da minha vida – e este livro, no fundo, é o somatório de tudo isso – fui fazendo uns retratos à luz da minha própria maturação. Do princípio ao fim eu vou evoluindo e vou crescendo no olhar. E, se calhar, às vezes nalgum cinismo. Depois, a circunstância de ter passado de algum radicalismo marxista para a posição social-democrata que tenho hoje também me apaziguou comigo mesmo.

Já não tem aquela visão da luta de classes, portanto.

Não, não tenho. E mais do que isso: já não tenho a noção de que qualquer coisa que eu faça pode mudar o mundo. Talvez um voto de quando em quando ajude. Mas tenho a noção de que estas coisas têm uma dinâmica que nós não controlamos.

Existe um pouco a noção de que os diplomatas são pessoas que andam refasteladas em bons hotéis e em bons restaurantes a discutir os problemas do mundo mas sem terem verdadeiramente poder para os resolver.

Sempre fui bastante comodista e sempre procurei andar em bons hotéis. Há uma expressão que agora é muito utilizada, que é sair da sua zona de conforto. Eu estou lindamente bem na minha zona de conforto e lutei muito para lá chegar, portanto não me apetece sair dela. A minha zona de conforto é aquela que eu criei, que paguei, que saiu do meu trabalho. Sim, tenho a noção de que a vida diplomática dá às vezes essa ideia um bocadinho glamorosa de andar nos alcatifados e nos tapetes, com os reis, e os jantares e cocktails, não sabendo as pessoas que um cocktail ou um jantar com gente chata à volta é uma coisa absolutamente inenarrável. Mas imagino que alguns, particularmente aqueles que querem aceder à carreira, podem sentir-se tentados por aquilo a que o Medeiros Ferreira chamava ‘os sinais exteriores da carreira’. Hoje aceito com imensa relutância alguns convites diplomáticos de embaixadas, já dei para esse peditório.

Porque é uma estopada?

Às vezes não é. Às vezes são pessoas muito simpáticas, muito agradáveis. Mas, como eu não tenho futuro no terreno político, no terreno oficial, não preciso de estar a expandir esse networking, a troca dos cartões, etc. Já não tenho vida para isso.

Não tem uso?

O meu curriculum já parou e já dá para a nota necrológica. [risos] Acho que há um momento a partir do qual até nos libertamos disso e é um bocadinho um sentimento de alívio. Dito isto, há pessoas na carreira que têm maior apetência e ainda mantêm esse tipo de ligações. Eu cito no início do livro uma frase do De Gaulle que é um bocadinho aquilo que aprendi na vida: ‘É preciso saber deixar as coisas antes que as coisas nos deixem’. Para que nós amanhã não sejamos atirados para fora. Há uma história que eu julgo que não conto no livro, que é de um velho embaixador de uma grande embaixada portuguesa que estava já reformado em Lisboa, numa altura em que fui chefiar o protocolo durante 15 dias porque havia ali um problema. E o velho embaixador, figura prestigiadíssima, dos melhores nomes que a carreira teve, entra-me no gabinete que eu ocupava transitoriamente e diz-me: ‘Vem aí a visita do Presidente da República de […]. Não se esqueçam de mim para um lugar à mesa no jantar da Ajuda’. Tratei-o impecavelmente bem, acompanhei-o à porta, trouxe-o cá abaixo ao pátio, e disse para mim mesmo: ‘Espero ter aprendido a blindar-me contra a ideia de que alguma vez sou capaz de ir ao Ministério pedir para estar no jantar de Estado do Presidente da França ou da Rainha de Inglaterra’. Quando nos deixamos tomar por essa patine protocolar, cerimonial, de relações um bocadinho fátuas, é o fim. Acho que consegui escapar a isso.

Normalmente os diplomatas têm a palavra fácil, sabem fazer aquela conversa de salão – um bocadinho de história, um bocadinho de literatura…

Não sei se ainda sabem, mas sabiam.

Esse tipo de conversa é muito comum no meio diplomático?

É aquilo a que os franceses chamam langue de bois [língua de pau]. Ou, para usar outra expressão, são tipos que conseguem não dizer nada em várias línguas. Às vezes essa conversa tem que se fazer. Como diplomatas, somos seres sociais que estão ali, não em representação própria, em representação do Estado. E, se queremos dar continuidade àquela relação, temos que ser capazes de dizer alguma coisa que não fira o interlocutor. Ouvir barbaridades faz parte também. E ouvi-las com uma cara…

Impassível?

Aqui há tempos, em Lisboa, num jantar social de altíssimo nível a que eu tive de ir, uma senhora ao meu lado explicava-me: ‘Como sabe, nos países do sul da Europa só as ditaduras é que funcionam, não são países preparados para ter um regime democrático’. Como é que eu saio disto? Disse-lhe: ‘Isso é uma teoria interessante, valia a pena até…’ Sai-se pela ironia, não há outra maneira. Caso contrário vou dizer à senhora: ‘Você é uma parva, isso é um disparate!’.

Há uns meses estive em Bruxelas, e ouvi uma discussão surreal em torno da redação de uma recomendação. Tinham tanto medo de ofender este ou aquele, que às tantas o texto já não dizia nada.

Eu refiro isso no livro, às vezes discute-se noites inteiras por causa de uma palavra. É a chamada ‘agreed language’. Se a palavra é aceite, todos os documentos a partir dali vão ter essa palavra. Quem vê de fora acha: ‘Está tudo maluco, estes tipos estão a tratar coisas completamente sem sentido’. Mas no mundo da diplomacia multilateral pode ter algum sentido. O que não significa que às vezes não estejamos ali a perder tempo.

Na União Europeia existe uma burocracia complexa e…

Existe uma burocracia muito complexa e mais do que isso: como todas as burocracias, existe para se sustentar a si própria e para não ser destruída. Conheci um velho embaixador que dizia: ‘Sempre que se cria uma organização internacional, a primeira coisa que eles criam é um fundo de pensões’. [risos] E é um bocado verdade.

Está a dar a impressão de que é uma coisa quase parasitária.

Há um país cuja diplomacia respeito muito, mas cujos princípios práticos eu não respeito muito, que é o Reino Unido. O Reino Unido era contra as organizações, contra as estruturas, porque tinha a noção de que as estruturas institucionais têm uma vocação para ser uma espécie de um monstro que se auto-alimenta. E esses monstros adoram esse tipo de linguagem redonda de que falávamos, que não tem por onde se pegar. Quando estive como secretário de Estado, e ia ao Parlamento Europeu responder a deputados, o secretariado-geral do Conselho preparava-me as respostas e eu raramente respeitava o que ali estava. Eles ficavam desvairados, porque saía da langue de bois e saía daquele mecanismo de palavras redondas – ‘eventualmente’, ‘no caso de’ e tal.

Que nunca se compromete.

Nunca se compromete e, chegando ao fim, aquilo dá para tudo. A linguagem europeia é um perigo. Agora, a Europa trata de coisas muito sérias e trata outras de forma pouco séria. Quando fui secretário de Estado dos Assuntos Europeus, eu era soberanista, basicamente, porque tinha a noção de que sendo Portugal um país cujos interesses médios dificilmente se projetavam no processo de decisão europeia, queria ficar com a maior quantidade possível de cordelinhos na mão. Porque países como a Bélgica, a Holanda ou o Luxemburgo têm interesses iguaizinhos. Nós não. Estávamos à margem fisicamente, geograficamente, financeiramente, legislativamente e até mentalmente. Portanto eu dizia: ‘Quanto mais tarde partilhar a minha soberania, melhor’. Mas depois sou apanhado por algumas pessoas que se mostraram mais abertas – e aí são mais os políticos do que os diplomatas. O meu antecessor no lugar de secretário de Estado dos Assuntos Europeus, o Vítor Martins, é muito mais europeísta do que eu. Quando cheguei, dei-me conta de que herdava uma teoria com a qual convivia mal, e sou eu próprio que começo a europeizar-me e a perceber ‘se calhar eles é que têm razão’.

Converteu-se?

Fiquei, digamos, na soleira do federalismo. Mas nunca dei o passo verdadeiramente para a Europa federal. E acho que neste momento não há condições para isso. O cidadão português, quando vota, vota num deputado que elege um governo e a quem pede responsabilidades é a esse deputado e a esse governo. Não é a Bruxelas. E por isso estar a tomar decisões a nível europeu para depois o governante português dizer ‘Peço desculpa, eu não fui ouvido nem achado’ cria um problema de deslegitimação dos poderes nacionais.

Encontrei nestes textos várias referências a leituras e à aquisição de livros. 

Aqui não há livros. Estão lá em baixo. A minha mulher, que é baixinha, entra no escritório e não me vê, tem que espreitar por trás das pilhas de livros. Eu tenho uma tese sobre a sexualidade dos livros, acho que os livros se multiplicam. De vez em quando saem daqui umas carradas para a biblioteca de Vila Real, onde já estão uns milhares. E há em Vila Real, na casa onde o meu sogro viveu, uma cave com 100 caixotes – não são 99 nem são 101, contei-os outro dia, são 100 – por abrir. Fotografias, discos, alguns dossiês, se calhar contas antigas. E livros e livros e livros. E também aquilo a que o Jaime Gama chama ‘não-livros’. Como Pássaros da Moldávia, aqueles coffee table books que na vida diplomática nos oferecem muito, e esses a Biblioteca de Vila Real não quer [risos]. Vivo atulhado de livros, vivo a comprar livros todos os dias. Será até ao final da vida. A única coisa a que eu não tenciono resistir é a comprar livros.

O problema é que é muito mais rápido e fácil comprá-los do que lê-los.

Até lhe digo mais: comprar um livro é uma coisa que dá um prazer às vezes superior à leitura!

Imagino que seja útil para um diplomata ter uma certa cultura livresca. Se vai à Rússia não pode dizer que não leu o Guerra e Paz.

É verdade. Mas não sei se as novas gerações são capazes de acompanhar isso. Havia uma cultura média, a que o meu pai chamava ‘cultura de almanaque’, que as pessoas tinham e que nos permite estar à mesa… Há uma história que se conta de uma mulher de um diplomata que ficou ao lado de um escritor, e perguntou-lhe: ‘O que é que está a escrever?’. E ele: ‘Uma autobiografia’. ‘Que interessante! E é sobre quê?’

[risos] Tem de haver um mínimo?

Exato. Não sei se hoje esses mínimos são cumpridos. A minha geração, que acabou o seu curso nos anos 60, princípios de 70, tinha uma espécie de curiosidade renascentista sobre tudo.Às vezes um bocadinho pela rama. Mas íamos a todas: cinema, literatura, semiologia, depois apareceu a linguística… Isso, para uma conversa social, é um mundo ideal. Não faço ideia se as novas gerações são capazes disso. Mas se calhar eu também sou incapaz de manter uma conversa com alguém que… Às vezes vejo os cartazes daqueles festivais de música e daquela lista de bandas não conheço ninguém. Fico angustiado. Outro dia veio cá aquele grupo, Coldplay. Quando pus no Twitter, fui insultado por não saber o que era o Coldplay.

Tal como há temas preferenciais nesses encontros sociais – como o vinho ou o novo filme que está no cinema – também há temas proibidos? Estou a pensar, por exemplo, no futebol e se o golo foi ou não fora de jogo.

Há um tema proibido socialmente, e não apenas na carreira diplomática: as questões religiosas. Também é de evitar as questões políticas, assim como conversas muito fracturantes. E algumas grosserias, algumas anedotas mais ‘pesadas’. A vida diplomática é muito parecida com a vida social da média-alta burguesia. A conversa é à volta dos livros que estão, dos filmes que estão, às vezes de coisas mais levezinhas. Há uma história que por acaso não conto aí, de uma bielorrussa lindíssima que eu conheci num jantar no Quirguistão e em que ela diz: ‘Eu quero ficar ao lado do embaixador de Portugal, que eu quero discutir um grande, grande escritor português’. E eu: ‘Claro, com certeza’. E pensei: será o Lobo Antunes, o Saramago?

E quem era o escritor?

Paulo Coelho. [risos] E posso garantir-lhe uma coisa: o Paulo Coelho foi durante todo esse jantar um grande escritor de língua portuguesa. Assumi a cem por cento. Devemos evitar atitudes muito radicais e confrontacionais. Embora às vezes a parte política seja mais complicada. Mas há um ponto interessante: a diplomacia é uma espécie de esperanto global muito marcado pela cultura europeia, que é aquela que define todas as regras do protocolo, o funcionamento das embaixadas, etc. E isso também nos ajuda a circular com alguma comodidade. Apanhando os códigos, estamos à vontade em qualquer sítio.

Sendo obviamente um meio requintado, com regras de etiqueta e de comportamento muito específicas, não há às vezes tendência para um certo snobismo?

Um certo…?

Snobismo.

Claro! Sim, sim, sim. A carreira [diplomática] é um espaço para cultivo da snobeira. Quem é à partida snob sente-se na carreira como peixe na água. Para já, porque permite alimentar e sustentar o seu sonho de convivência social, e portanto encontra ali o terreno ideal para isso. Depois, porque isto também é muito permeado por aristocracias, particularmente em países monárquicos. E porque ainda subsistem – acho que cada vez menos – aqueles momentos de solenidade do uso da casaca, do uso do fraque – se é de manhã com colete claro, se é à noite com colete escuro –, do uso do smoking, das condecorações, essas coisas todas. Há quem cultive essas coisas, e de certa maneira cultiva também o snobismo que vem atrás de tudo isso. A carreira antiga estava mais próxima desses rituais. Há um livro do embaixador Paulouro das Neves que tem o título ideal para isso: Rituais de Entendimento. São rituais de entendimento, mas também de comportamento. Não podemos, por exemplo, ter um tipo de agressividade que possa ser desagradável. Ou melhor: podemos ter agressividade, desde que ela seja estudada. Eu tenho hiatos de agressividade propositados. Por exemplo, receber um embaixador estrangeiro que na véspera disse umas coisas desagradáveis sobre Portugal. Ele começa a justificar-se, eu levanto-me e ponho-o na rua. ‘Pode continuar absolutamente a dizer de nós o que quiser como disse ontem. E não venha dizer que não disse, que eu tenho três testemunhas. Agora, da sua atitude nós vamos tirar consequências nas relações com o seu governo’. E ponho-o na rua. Passado duas semanas, ele estava a dizer bem de Portugal por todo o lado.

O diplomata pode ter de lidar hoje com Sócrates e amanhã com Passos Coelho, como foi o seu caso. A cor política muda alguma coisa na relação?

Tive 21 ministros dos Negócios Estrangeiros e 15 primeiros-ministros, creio eu. Nós temos que aprender uma coisa muito simples: somos funcionários do Estado, e eles também têm que aprender que nós somos funcionários do Estado e não funcionários do governo de turno.

Nem do partido.

Nem do partido. E temos que aprender que quem tem legitimidade política são eles. E perante isto, há duas coisas a fazer. Em primeiro lugar, perante alguma coisa que nos mandem fazer e sobre a qual nós tenhamos dúvidas, dizer: ‘Eu não concordo, por isto, por isto e por isto’. Ele diz: ‘Muito obrigado, mas de qualquer forma vai ter que fazer’. E eu faço. E assim eu resolvi todos os problemas da minha vida. Aconteceram-me duas ou três coisas na carreira em que me senti verdadeiramente dissociado. Uma delas, que é a principal, foi a Cimeira das Lajes. Ninguém me pediu para fazer nada, mas senti-me profundamente ofendido com a utilização do nome de Portugal para uma acção baseada naquilo que era uma evidente mentira. E não é só mentir, porque a gente está sempre a falar da mentira das armas de destruição maciça. Trata-se de falta de respeito pela vontade multilateral, que é um elemento fundamental da atitude portuguesa no plano internacional desde o 25 de Abril. Portugal associou-se a uma acção de natureza unilateral sem mandato das Nações Unidas.

Sentiu isso logo na altura ou a posteriori, depois de conhecermos as consequências?

Senti isso no dia. Senti isso na coreografia que levou à organização da cimeira. Senti-me envergonhado de ver o governo português envolvido numa ação daquela natureza, porque era uma acção de sabujice internacional relativamente aos americanos. Temos uma excelente relação com os Estados Unidos, é um dos elementos identitários mais fundamentais da nossa política externa. Mas temos que saber defender nesse quadro os princípios e valores que Portugal tem aculturado ao longo de quase 50 anos de democracia. Fugir disso rompendo com uma prática internacional vai contra os princípios constitucionais portugueses. Mas não disse uma palavra. Digo isto agora porque estou a fazer uma espécie de ponto de situação sobre a minha carreira. Depois, nos dois anos que estive em Paris, entre 2009 e 2011, procurei aumentar os consulados, aumentar o número de professores para os estudantes da comunidade portuguesa, dar mais meios para os leitorados, etc. E de repente vem a troika e dizem-me: ‘Há menos dinheiro. Vamos cortar pessoal, vamos baixar salários, vamos cortar professores, vamos reduzir os consulados. Você vai ter que ficar embaixador de Portugal em Paris e também na UNESCO, para poupar. E vamos vender a casa’.

Tudo o contrário do que andava a defender, portanto…

Como o Thomas Moore, eu sou ‘a man for all seasons’ [um homem para todas as ocasiões]. Tenho que fazer isso, porque é essa a minha função como servidor público. O meu pai era funcionário do Estado, na Caixa Geral de Depósitos. Eu fiz concurso para a Caixa Geral de Depósitos, entrei e telefonei-lhe: ‘Sou seu colega’. O meu avô da parte materna era funcionário público, era juiz, na minha família são todos funcionários públicos. Tenho um grande, grande orgulho em ter sido funcionário público. E um diplomata também serve uma entidade. Não estamos ali por nós próprios, estamos ali pelo nome de Portugal. Ainda por cima é muito cómodo ser diplomata português no estrangeiro. Somos um país muito bem aceite, visto como um honest broker no quadro internacional. Somos um país antigo. E somos um país que projecta uma imagem positiva.

Sem desprimor, se calhar somos um bocadinho como o Belenenses ou a Académica…

Se calhar.

Não ameaçamos ninguém e por isso todos simpatizam connosco.

Exatamente. E como nós não temos grandes interesses, podemos dar-nos ao luxo de ter grandes princípios. Tem razão, a circunstância de sermos um país que não é muito agressivo, que não tem agendas muito tensas, torna-nos um bocado um Belenenses ou uma Académica. Toda a gente nos acha simpáticos. E se vir, sempre que procuramos eleger alguém para qualquer coisa é raro perdermos. Já perdemos, mas é raro. Porque temos amigos em todo o lado.Na América Latina, na África, na Ásia. Acabámos por nos reconciliar com as antigas colónias mais depressa do que outros impérios fizeram. Temos com alguns países da América Latina melhores relações do que eles têm com Espanha. E eles inclusivamente utilizam-nos como uma espécie de plataforma na relação com a Europa para fugir à tutela espanhola.

Insistindo um pouco na questão da cor política, toda a gente sabe o que o PS pensa de Cavaco Silva ou de Passos Coelho. Cada vez que Cavaco faz uma declaração, cai-lhe o PS todo em cima. Falámos no Belenenses mas o que se passa nos partidos é mais parecido com um Benfica-Sporting. Há um lado quase tribal, de claque. Para um diplomata ligado a um partido como é isso?

Nunca tive o mais pequeno problema. Cavaco, aliás, foi quem me fez a prova oral de Economia Política para a entrada para o Ministério. Fui adjunto de Durão Barroso para as questões de cooperação. E ele sabia, quando me contratou, o que eu era politicamente. No Ministério toda a gente sabia de onde eu vinha. E o Barroso não hesitou em ter-me no gabinete.

Ele também vinha da mesma área, na realidade…

Mas prevaleceu a noção de que eu tinha capacidade profissional para aquelas questões. E trabalhei com ele durante três anos sem o mais pequeno problema. No Ministério, até chegar a embaixador, e foram vinte e tal anos, não estive mais à vontade com gente do PS do que do PSD. Parece estranho mas é verdade. Acho que as pessoas até valorizavam a circunstância de eu vir de outra área política e apreciavam mais a minha lealdade em função disso. Pode-nos dar mais prazer representar uma pessoa do que outra, mas representei gente bastante à direita sem grandes problemas.

Mas reconhece que a política está a ficar… há pouco usei a palavra tribalizada.

Está. Se calhar, com esta fragmentação do espectro partidário e com a possível projeção da necessidade de novos modelos de alianças que possam comportar partidos que saem um bocadinho do mainstream, isso pode vir a tornar-se mais evidente. Eu praticamente não vejo telejornais, vejo muito pouca televisão, mas noto uma crispação na vida política muito forte. Por isso mesmo, quando lancei este livro, deu-me um grande agrado ver lá amigos do PSD, do CDS e de diferentes áreas, porque eu cultivo um bocadinho isso. Aliás, o livro foi apresentado pelo Jaime Nogueira Pinto e pelo Zé Ferreira Fernandes, e tem o prefácio do Jaime Gama. Eu não tenho mais amigos à esquerda do que à direita. Pelo contrário, se fizer bem as contas, se calhar tenho mais à direita do que à esquerda. Mas sim, sinto uma crispação na vida política, sinto que discurso às vezes resvala para elementos de natureza quase insultuosa. Mas depois consolo-me quando passo a fronteira do Caia e vejo o que se passa em Espanha. E veja o que se passa em França. Apesar de tudo fico mais sossegado.

Há um bocado falou-me do Quirguistão.

Sim.

Já esteve em muitos sítios estranhos, ou pelo menos onde não foram muitos portugueses.

Já estive em mais de 100 países, mas isso também significa conhecer muito pouco. Significa conhecer o aeroporto, o hotel, o centro da capital… Mas tive a oportunidade de conhecer quase toda a antiga União Soviética – os cinco países da Ásia Central, os países do Cáucaso, os bálticos – e é interessante perceber a identidade de cada uma daquelas repúblicas e até a relação que cada uma tem com Moscovo. Ganha-se imenso em ir lá. Referiu o caso do Quirguistão. Eu vivia em Viena, e fui numa missão que a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa arranjou para embaixadores que quisessem ir. Estávamos num tempo de vacas magras e paguei do meu bolso. Só andando de país em país é que se percebe a diferença entre um e outro. Quase todos são ditaduras, e quase todos são, no fundo, subprodutos do mundo soviético. O diplomata tem – e eu tive essa sorte – a possibilidade de andar um bocadinho por aí.

Mas não são sítios para fazer turismo, imagino.

Acho que apesar de tudo a Ásia central dá para fazer turismo. Ir ao Uzbequistão, ir a Samarcanda, vale a pena. Mas depende das cidades. Uma das coisas que eu sempre achei no mundo soviético e mesmo na Europa de Leste é que faltava-lhes tinta. Havia uma espécie de uma obsessão para se manterem no cinzento e nos tons escuros, quando a cor muda tudo. Acho muita graça a visitar aqueles países, embora a vida daquela gente seja uma tragédia. Um dia, no Tajiquistão, tivemos uma reunião com o Governo e disseram-nos: ‘A oposição pode ter os jornais que quiser’. Depois fizemos uma reunião com a oposição, e confirmaram. ‘Sim, podemos ter os jornais que quisermos. Mas não nos vendem papel’. É assim. Ou uma outra história passada no Turquemenistão, com uma senhora de uma organização não-governamental que defendia presos políticos e tinha o marido na cadeia. Veio falar connosco, com um ar muito triste, mas com uma grande dignidade. E à saída disse: ‘Os senhores têm uma representação aqui, não é? Seria possível essa representação falar com as embaixadas ocidentais e dizer que vim ver-vos hoje aqui? É eu amanhã vou ser presa, naturalmente’. Aprende-se muito mais a amar a liberdade quando se tem este tipo de experiências.

terça-feira, janeiro 09, 2024

O PCP e a memória

Em 1960, um grupo de dirigentes do PCP evadiu-se da cadeia de Peniche. Entre eles estava Francisco Martins Rodrigues. A imprensa clandestina do PCP deu nota dessa fuga histórica, indicando os nomes de todos os intervenientes. Com o tempo, Rodrigues veio a entrar em dissídio ideológico com o PCP, que acabou por expulsá-lo. Nada de mais natural, perante divergências de fundo que espelhavam a tensão entre a linha oficial do partido e uma deriva pró-maoísta que veio a criar a FAP e o CMLP - que Álvaro Cunhal veio a qualificar de "radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista", na linha da crítica do "esquerdismo" que já Lenine rotulara de "doença infantil do comunismo". Francisco Martins Rodrigues foi a cara dessa linha dissidente, que refletia o que então se chamou o "cisma sino-soviético". Depois da sua expulsão do PCP, nunca mais o nome de Francisco Martins Rodrigues voltou a surgir em todas as referências que o "Avante!", ou outras publicações que refletiam a linha do partido, iam fazendo à fuga de Peniche. E foram muitos anos! Veio o 25 de Abril e PCP decidiu voltar a contar a história como ela foi. E, já com Portugal a viver em liberdade, passou a colocar de novo o nome de Francisco Martins Rodrigues nos seus relatos da fuga de Peniche.

Há dois dias, no Twitter, ironizei com o modo "estalinista" como algum CDS tinha tentado e estava ainda a tentar fazer desaparecer o nome de Diogo Freitas do Amaral da história do partido. E acrescentei: "Faz lembrar o PCP, que também procurou "esquecer", nos relatos da célebre fuga de Peniche, o seu dirigente Francisco Martins Rodrigues, que entretanto se afastou do partido". Não pretendi "fazer História", mas apenas uma inocente ironia.

Foi o bom e o bonito! Caiu-me meio mundo à volta do "Partido" em cima! Foram dezenas de comentários, onde a acusação de "anti-comunista" foi o epíteto mais doce. Dando-se o caso de não ser anti-comunista, é, contudo, o lado para que durmo melhor. Aqui fica a nota de uma "polémica" com que alguns se entretiveram. Resta deixar também uma versão de Francisco Martins Rodrigues sobre alguns dos factos. Leiam aqui.

segunda-feira, janeiro 08, 2024

Memória


Eu não queria ser desmancha-prazeres, mas sempre gostaria de lembrar que dois dos três líderes da AD de 1979, tão elogiada pela direita que por aí anda, acabaram a apoiar candidatos e projetos socialistas. 

domingo, janeiro 07, 2024

É só isto?

Se o melhor que a direita democrática tem para oferecer aos portugueses é este projeto titulado pelas três figuras da nova AD podemos concluir que a sua ambição é muito limitada. 

Abril

Um excelente discurso do novo secretário-geral do PS. Um prenúncio daquilo que espero venha a ser um primeiro-ministro à altura dos 50 anos do 25 de Abril.

No 11 de março

Uma depressão em cadeia vai afetar o universo de comentadores dos media que tão militantemente anti-PS se têm revelado nestes últimos tempos. Se as coisas lhes correrem mal no dia 10 de março (e espero que corram), aposto que Luís Montenegro vai acabar por ser o bode expiatório. 

sexta-feira, janeiro 05, 2024

Muito bem!

 


Presidente de Portugal no funeral de Jacques Delors!

Smart guys

O CDS, quando tinha quatro lugares em S. Bento, era conhecido como o "partido do táxi". Agora, com a borla dos dois lugares que o PSD lhe dá, passa a "partido do Smart". Por passar a ter dois lugares? Não, porque foram espertos...

Levanta-te e anda, se conseguires!

 


O PPM !

Com o PPM a coroar a (re)nova coligação, consta que o pânico assentou arraiais no largo do Rato.

CTT

A minha grande questão ao governo que agora cessa funções é saber por que diabo não mandou a Parpública comprar mais ações dos CTT. 

Ou será que o Estado só pode ter, no seu portfolio de participações, empresas que não sejam lucrativas?

No "Nascer do Sol"

 


quinta-feira, janeiro 04, 2024

Mesas recentes


Muito bem que se come na Toca da Formiga, em Ermesinde, que reabriu recentemente. 


Continua impecável, na comida e no serviço, o clássico Camelo, em Santa Marta de Portuzelo.


Um dos melhores bacalhaus do país é servido, desde há anos, na Taberna Afonso, em Poiares.


O Chaxoila, em Vila Real, permanece um local seguro e muito recomendável.


O DOC, de Rui Paula, na Folgosa, não perdeu minimamente o fôlego, e continua a servir divinamente.


Sempre de confiança, sem surpresas e com uma qualidade genuína, permanece o Lameirão, em Vila Real.


Nunca saí desiludido do Costa do Sol, no Hotel Aguiar da Pena, em Vila Pouca de Aguiar.

(Uma nota aos leitores: só falo sobre restaurantes que efetivamente visitei e dos quais saí satisfeito. Ah! E paguei sempre a conta em todos eles, bem entendido!)

quarta-feira, janeiro 03, 2024

"Eco"


O estimabilíssimo jornal digital Eco publica uma excelente edição especial em papel com um alargado painel de comentadores e artigos muito variados e interessantes. A convite de António Costa (não, não é esse!) escrevo por lá um texto sobre os Estados Unidos e o seu papel no mundo, opinando que as ideias sobre a sua anunciada morte como potência dominante me parecem muito exageradas. 

terça-feira, janeiro 02, 2024

Entrevista à Rádio Observador


Para ouvir aqui.

Zé Vera


O meu amigo José Vera Jardim faz hoje 85 anos. Não sei quando nos conhecemos, apenas sei, de certeza segura, que não foi no MES. É que, bem antigo "compagnon de route" e de profissão de Jorge Sampaio, o Zé recusou sempre o epíteto de ex-MES, afirmando, com irritante soberba: "Eu nunca fui ex-MES, porque nunca fui do MES". Entrámos um dia juntos nessa bela e esperançosa aventura que foi a governação Guterres e aí consolidámos uma amizade e um companheirismo que guardamos para sempre entre nós. Com ele ministro, fui visitá-lo ao Terreiro do Paço. Do seu gabinete, olhávamos a praça. A certa altura, disse: "Olha! Vai ali um órgão de soberania". E apontou para um tipo que passava, com ar imponente. Esclareceu, com uma risada: "É um juíz". O Zé é um espírito livre como muito poucos que conheci, pensa pela sua cabeça, mesmo que isso signifique poder, às vezes, contrariar os amigos. Essa plena liberdade, que é um seu lema de vida, usa-a na intervenção institucional, a que se dedica com empenhamento, para assegurar, entre nós, a saudável coexistência das diversas religiões. Tem um humor magnífico, uma cultura soberba, onde brilha uma costela filo-germânica que vem sempre ao de cima. Há uns anos, a morte da Maria Amélia trouxe-lhe uma sombra de tristeza que nunca mais saiu do seu olhar. Por décadas, ambos fizemos parte da tertúlia do Procópio, sob a batuta do ímpar Nuno Brederode Santos. Nos últimos tempo, às vezes, ainda por lá regressamos à antiga Mesa 2, num "remake" esforçado, qual Mesa 2.0 . Por muitos anos, almoçámos quase todas as semanas num grupo que a pandemia e a saída de cena de alguns convivas espantou, mas que, às vezes, ainda se junta no Pátio Bagatela. Espero continuar a encontrar o meu querido amigo Zé, por muito tempo, por todas essas mesas de uma amizade que, tal como nós, está cada vez mais orgulhosa da sua velhice. E, se a sorte nos correr de feição, também espero comemorar com ele, em 2024, algumas vitórias políticas e desportivas em mundos que, com muito orgulho, partilhamos.

segunda-feira, janeiro 01, 2024

Hopper


Ao ver coisas como esta, como devemos reagir?: "Coitado do Hopper, constantemente a ser usado e abusado com distorções do seu genial quadro!" ou "Que sorte que o Hopper tem de estar sempre a ser lembrado, de todas as maneiras e feitios" ?

Vila Real


Na minha terra, ainda tem quelhos como este.

Procrastinações


O "El País" publicou um longo artigo, tentando explicar a saga de um país vizinho, cujo nome não vem ao caso, que, por muito que se esfalfe há mais de cinco décadas, não consegue construir um novo aeroporto para a sua capital. Talvez valesse a pena alguém começar por lhes contar a história de Santa Engrácia.

Risco

Morreu um amigo de Putin, caído de um terceiro andar. Esta questão da segurança das janelas na Rússia já merece uma tese de doutoramento.

Hospitais

E será que alguém se lembra de quando o Natal dos Hospitais eram umas pessoas sentadas, embrulhadas em roupões, a ouvir uns pimbas a terem uma oportunidade única para surgirem na RTP? Hoje, o cenário são as portas das urgências e as "cantigas" têm todas a mesma letra...

Está no papo!


Quanto a futebóis, o Sporting já conseguiu o mais difícil, que foi chegar à liderança. Já viram bem a quantidade de clubes que, para isso, tivemos de ultrapassar? Agora, é só segurar a posição e impedir que algum clube passe à nossa frente. Não estou a perceber a dificuldade!

Agora é que é!

A quantidade de dietas que vão começar hoje! Para a semana, já ninguém se lembra...

Matar o mensageiro

Um jornal deu o resultado de uma sondagem sobre as próximas eleições, efetuada por uma empresa tida por credível. As redes sociais encheram-se imediatamente de insultos ao órgão de imprensa e aos seus jornalistas, tidos por serventuários da força política mais destacada.

... e paz

No dia de hoje é fazem falta as misses-qualquer-coisa a quem, perguntado o seu maior desejo, invariavelmente debitam esse profundo anseio geopolítico que é haver paz no mundo.

domingo, dezembro 31, 2023

E se logo houvesse uma surpresa?

 


Aspas

Os meus amigos "pêpêdês" que tenho cruzado neste Natal falam do seu "líder" com um entusiasmo em que quase se ouvem as aspas...

Vida nova?

Acordei, tomei um café e passou-me pela cabeça: e se, a partir de amanhã, mudasse certas coisas nos meus hábitos, tipo "ano novo, vida nova"? 

Depois, ajudado por outro café, decidi tomar juízo: vai ficar tudo igual. Continuo a achar odienta a expressão "sair da zona de conforto".

sábado, dezembro 30, 2023

Via real


Nos últimos dias, mesmo em alguns com chuva, deu-me para calcorrear Vila Real a pé (não sei se se pode calcorrear uma cidade sem ser a pé, mas está bem). A menos de 100 metros de minha casa existe este caminho. Eu, que me tenho por imensamente curioso sobre as coisas da minha cidade, nunca me senti motivado para seguir por ele até ao fim. Há gente muito estranha! Vá-se lá percebê-los! Eu já nem tento! 

Devido

É num dia como o de hoje que o país decente, aquele que recusa o populismo justicialista que alimenta os títulos da calúnia fácil e canalha, deve, uma vez mais, um agradecimento ao desassombro premonitório de Rui Rio.

Ouvido

Ouvido há pouco: "E se esta movimentação da justiça em torno de Luís Montenegro visasse afinal forçar o seu afastamento, a tempo da direita ainda poder vir a apresentar um líder com algumas hipóteses de disputar os próximos quatro anos ao PS?" Mauzinhos ou premonitórios?

sexta-feira, dezembro 29, 2023

Bem, a RTP


A RTP considerou António Guterres como a Figura Internacional do Ano. Bem.

Livros


Pois é assim: o Centro Nacional de Cultura escolheu, como habitualmente os "Melhores Livros de 2023". E não é que entre eles figura um tal "Antes que me esqueça", de um autor que a modéstia me não permite citar? Ver aqui.

Fernando Reino


Quando, em 1979, cheguei a Oslo, para o meu primeiro posto no exterior, tive o privilégio de ter como embaixador Fernando Reino, uma das "rising stars" da casa. Reino, uma "força da natureza", era um democrata e europeísta. Trabalhei sob as suas ordens cerca de um ano, até ao momento em que ele foi chamado a Lisboa, para chefe da Casa Civil do presidente Ramalho Eanes. 

Fernando Reino representou mais tarde Portugal junto das organizações internacionais em Genebra, sendo depois embaixador em Madrid e na ONU, em Nova Iorque. Ficámos amigos e em permanente contacto desde então. Fernando Reino morreu em 2018. Nos anos anteriores, tivemos dois divertidos almoços com outros amigos.

Há poucas horas, um cruzamento de referências na internet trouxe-me as inesperadas imagens de uma conversa que Fernando Reino e eu tivemos na RTP, em 1996, moderada por Nicolau Santos. Gabo-me de ter excelente memória, mas não tinha a menor ideia de ter feito esta entrevista ao lado de Fernando Reino. As relações entre Portugal e a Espanha eram o tema em análise.

Na peça, Reino, então já há muito reformado, está igual a si próprio, desassombrado, chamando "os bois pelos nomes", sem perder, no entanto, alguma prudência diplomática que lhe vinha da profissão. Eu, pelo contrário, vejo-me demasiado Secretário de Estado, "muito certinho", algo "redondo", politicamente correto, irritantemente oficioso. Mas achei imensa graça observar-me 27 anos depois e reencontrar este mano-a-mano com essa excelente figura da nossa diplomacia que foi Fernando Reino.

Quem tiver interesse, pode ver aqui.

Bicho raro

Fui, desde a adolescência, um viciado em notícias, em jornais e revistas. Nos últimos anos, deixei parte (só parte) do papel e ando muito, talvez demasiado, por estes écrans da internet (iPad e iPhone, larguei por completo os laptop e já dei conta que desperdicei dinheiro num Mac que nunca abro). Criei uma rede forte e segura de consulta para me informar sobre os temas internacionais que tenho de comentar na televisão. Pago assinaturas, gasto cada vez mais dinheiro para obter a informação que me interessa. Julgo saber o suficiente "da poda" das notícias para não correr o risco de ser vítima das "fake news", mas isso dá-me uma constante trabalheira de "check and re-check". Perco assim muito tempo por aqui, leio menos livros, quase não ouço rádio, há três anos que deixei de ver, por completo, os telejornais dos canais clássicos. Dos restantes, olho um pouco a "minha" CNN, e nem sempre, quase só em zapping. Não assisto a nenhuns programas de debate (salvo se me chamarem a atenção para alguma coisa imperdível), seleciono os escassíssimos comentaristas que vejo e oiço. Às vezes, perante os meus amigos, faço figura de real ignorante relativamente a coisas que todos sabem, que todos viram, que todos ouviram, a pessoas de quem se fala. Ridicularizaram-me quando, há meses, perguntei o que era essa coisa dos Coldplay. Até há duas semanas, nunca tinha ouvido a voz de Taylor Swift, figura a que achava graça por outros motivos. Reconheço que sou um "bicho raro" no mundo da comunicação, mas sinto-me bem assim.

quinta-feira, dezembro 28, 2023

A vida não tem rascunho

Dia por dia, faz hoje 50 anos. Antes, já tinham passado mais de oito de conversas a dois. Num registo civil, nesse dia 28 de dezembro de 1973, perante apenas duas testemunhas, assinámos um papel. A seguir, sorte das sortes, veio Abril (com uma eterna maiúscula) e surgiram coisas para fazer. A vida foi acontecendo, não teve um rascunho. Andámos pelo mundo, durante quase quatro décadas, com algumas passagens por cá. Um dia, já há mais de dez anos, com toda a naturalidade e sem a menor nostalgia, regressámos ao ponto de partida, para continuar a vida em novas vidas. Sempre com a família, com os amigos - muitos, bons e bem diversos. Uns continuam connosco por aí, outros ficaram-nos na boa lembrança. Correu tudo bem? Correu quase tudo muito bem. Naquele dia de 1973 fazia sol, hoje está a chover. O grande segredo, aprendemos, foi saber resistir com bonomia a todos os climas e, ao longo deste meio século, continuar a olhar, sempre que possível, para a face divertida das coisas. Juntos, claro.

Delors e o "Le Parisien"


Numa conversa com Jacques Delors, em 2009:

- Que jornais diários franceses lê, embaixador?

- De manhã, o "Le Figaro", o "Libération" e o "Les Echos". À tarde, o "Le Monde".

- Não lê o "Le Parisien"?

- Só aos fins de semana e nem sempre. Acha que é um jornal que vale a pena ler diariamente?

- Sem dúvida! Eu começo sempre o dia pelo "Le Parisien". É um jornal simples, popular, que traz muito daquilo que o cidadão comum de Paris absorve, em especial sobre política nacional. E é muito equilibrado. Para se entender o que constroi a opinião média em Paris, passar os olhos pelo "Le Parisien" é essencial.

Depois desta conversa com Jacques Delors, o "Le Parisien" passou a fazer parte da minha leitura diária. E acho que fiz bem.

Um ou dois anos depois, num dos "dîners en ville" que eram o fatigante pão nosso de cada noite, quando vivia em Paris, conheci Thierry Borsa, então diretor do "Le Parisien". Contei-lhe o comentário de Jacques Delors. Ficou entusiasmado: "Ele disse isso?! Deu-me uma ideia: vamos procurar entrevistá-lo". Nunca apurei se o tentaram e se o fizeram. À época, Jacques Delors tinha já uma vida pública muito discreta e recolhida, escolhendo parcimoniosamente as suas aparições mediáticas.

Hoje, o "Le Parisien" trata assim a morte de Jacques Delors. 

Podiam ter acrescentado: um homem que gostava do "Le Parisien"...

quarta-feira, dezembro 27, 2023

Na "Visão" de 28 de dezembro

 


Jacques Delors


Contrariamente ao que o senso comum possa pensar, a França não é um país que se distinga por ter um constante e elaborado pensamento europeu. Sendo um Estado central e que foi essencial para o lançamento do projeto económico-social coletivo que a paz no pós-guerra permitiu instituir, Paris alimentou sempre uma leitura singular, e nem sempre solidária, desse mesmo projeto.

Com o fim da Guerra Fria e o sonho da criação de uma Europa-potência que pudesse ombrear com o parceiro democrático do outro lado do Atlântico, criando simultaneamente um "modus vivendi" com o grande e inevitável vizinho a Leste, o eixo franco-alemão teve a genialidade estratégica de estimular o salto institucional que redundou no Tratado de Maastricht e na posterior criação da moeda única, cumulando o mercado interno e a liberdade de pessoas em Schengen.

A clarividência dos dirigentes europeus da época determinou que Jacques Delors viesse a ser a figura escolhida para dinamizar e pôr em prática essa ideia. Soube fazê-lo com um inexcedível brilho, elevando a Comissão Europeia a um excecional patamar de importância.

Há quem diga que o destaque conseguido por Jacques Delors à frente da Comissão pode ter "assustado" os Estados que têm assento no Conselho de Ministros e que essa terá sido a razão pela qual, a partir de então, a escolha dos seus sucessores no cargo tivesse recaído em figuras bem mais fracas e bastante menos incómodas para muitos poderes nacionais. A exceção pode precisamente ser a atual presidente da Comissão, que se destacou pelo seu meritório papel durante a pandemia e que, a partir daí, lançou uma sombra sobre a ação do Conselho na gestão da crise ucraniana. Vale a pena refletir: Delors era francês, Van der Leyen é alemã. Na Europa não há coincidências.

Portugal deve a Jacques Delors uma grande atenção à especificidade dos seus problemas, um cuidado com as suas debilidades, que nunca será demais ressaltar. Cavaco Silva e Vitor Martins, primeiro-ministro e secretário de Estado dos Assuntos Europeus, que com ele muito lidaram, são testemunhas privilegiadas dessa forte amizade que Jacques Delors dedicava ao nosso país. E Delors sabia bem a afetividade que essa sua ação gerara entre nós.

Uma vez, em Paris, há mais de uma década, à margem de uma bela conferência que Jacques Delors proferiu na delegação da Fundação Calouste Gulbenkian, tive a oportunidade de lhe reiterar, como embaixador português, o facto de o seu nome ter ficado gravado, de forma muito positiva, na imagem que cultivávamos do projeto europeu. Delors retorquiu com qualquer coisa como isto: "Portugal mereceu tudo aquilo que teve. É um país que soube forjar uma genuína dedicação à Europa. Inicialmente, os fundos europeus foram muito importantes, mas vocês souberam ir mais longe e foram capazes de construir uma maneira própria de estar na Europa. Mas, por favor, nunca digam, como às vezes ouço dizer, que Portugal é um pequeno país na Europa. Vocês, como europeus, são um grande país". Confesso que fiquei contente ao ouvir isto, mesmo que a frase só seja verdadeira a espaços.

Alguma imprensa vai, por estas horas, "ter a imaginação" de repetir a frase batida de que, com a morte de Delors, a Europa está de luto. É uma imensa banalidade, de facto. Mas também é uma imensa verdade. O que é triste ter de admitir é que, nos dias de hoje, muitos europeus não façam a menor ideia daquilo que devem a Jacques Delors.

(Publicado no site da CNN Portugal)

Wilson e o fumo


As férias dão a oportunidade de redescobrir livros que já tínhamos esquecido. Aconteceu-me agora com um volume editado em 1976, da autoria do antigo primeiro-ministro britânico Harold Wilson. Tem por título "The Governance of Britain" e dá-nos uma perspetiva muito interessante sobre o modo de funcionamento do executivo britânico, à luz da época.

A certo ponto do texto, Wilson, conhecido fumador de cachimbo, mas também de cigarros, aborda a magna questão de se poder ou não fumar nas reuniões do gabinete. Anota que, no governo Attlee, depois da guerra, tinha sido determinado que só se podia fumar nas reuniões depois da uma da tarde, com pretextos de poupança. Depois, a regra caiu, naturalmente, com Churchill. Mais tarde, os hábitos terão variado. 

Quando Wilson chegou pela primeira vez a Downing Street, já como primeiro ministro, em outubro de 1964 (ficaria até 1970), assumiu abertamente o uso do tabaco nas reuniões. Na sua interessante e interesseira perspetiva, isso evitava que alguns ministros saíssem a espaços da sala, pretextando urgentes chamadas telefónicas, ou fizessem pressão para que as reuniões acabassem mais cedo, adiando decisões.

Wilson foi substituído por Edward Heath, que ficou no cargo nos quatro anos seguintes (1970-1974). Heath, que também tinha o cachimbo na sua bem conhecida lista de vícios, proibiu o fumo nos conselhos de ministros. 

Quando, em 1974, Harold Wilson regressou a Downing Street, para um novo mandato como primeiro-ministro (ficaria até 1976), deu-se conta de que os cinzeiros tinham desaparecido por completo da casa. No dia seguinte, ao abrir a primeira reunião do conselho de ministros, fez um anúncio solene: "Aqui, não é obrigatório fumar". E acendeu o seu cachimbo.

terça-feira, dezembro 26, 2023

Não é nostalgia


Nunca fiz parte de quantos pensam que "no meu tempo é que era bom". Desde logo porque o conceito de "meu tempo" é um pouco bizarro. Cada tempo tem o seu tempo, nós fomos diferentes em cada um desses períodos, o que nos ficou dessas experiências passadas representou apenas uma escolha, embora não necessariamente deliberada: às vezes, as coisas não foram tão boas como a nossa memória as reteve, outras vezes foi o nosso mal-estar conjuntural que ajudou a fixar uma imagem menos agradável do que até foi simpático. Aprendi, com os anos, a relativizar tudo, o que, por vezes, me leva a um desapego pelas coisas que pode parecer chocante. Já concluí que essa é a minha linha de defesa. E vivo lindamente assim.

Aqui em Vila Real, olhei aquela casa, agora feita ruina. E lembrei-me de mim, criança, a brincar lá dentro, junto de familiares, há muitos anos. Tive saudades? Nenhumas. Foi outro tempo. E continuei a passear pelas ruas da cidade. Estava frio, um sol magnífico, cruzei-me com alguns amigos, comi um covilhete, bebi um fino. Este é o "meu tempo".

domingo, dezembro 24, 2023

... e, em Vila Real, vai-se à Gomes, claro!



O nome por detrás dos nomes


Viviam-se os primeiros anos da década de 90. Estava colocado na nossa embaixada em Londres. Um dia, um jornalista do "Expresso" de quem me tinha tornado um bom amigo, Benjamim Formigo, perguntou-me se acaso eu não quereria escrever, para as páginas da secção internacional que dirigia, alguns artigos de opinião, sob pseudónimo.

A tentação era grande, mas tinha uma natural limitação: não podia escrever sobre política externa portuguesa. Essa era uma linha vermelha que, por razões deontológicas óbvias, não ultrapassaria.

O Benjamim e eu combinámos então a criação de dois pseudónimos temáticos.

Um seria dedicado à abordagem de temas europeus e questões internacionais em geral. O outro nome abordaria apenas temas africanos, que, à época, muito me interessavam e estavam na moda na nossa imprensa. E, claro, eu não seria remunerado por essas tarefas.

Para o primeiro tipo de comentários, criei o nome de "Mark Kraëlsky".

Soava bem! Como é que cheguei a esse nome? Semanas antes, eu tinha andado à procura de alguém que pintasse a sala do apartamento onde vivia, em Londres. Não podia gastar muito dinheiro, porque os salários de então dos diplomatas portugueses no Reino Unido andavam pelas ruas da amargura. Uma amiga, Valerie Dawson, uma atriz que hoje aparece com frequência nas nossas televisões, a quem eu tinha falado no assunto, disse-me que conhecia um trolha polaco que podia fazer esse trabalho por um preço razoável. Falei com o homem, acordámos o pagamento e, dias depois, as minhas paredes resplandeciam. O polaco chamava-se "Mark Kraëlsky" ou algo similar que passei a grafar dessa forma (confesso que nunca vi um nome polaco escrito assim...). Como então me disse que o seu último biscate tinha sido pintar o hall de entrada de um edifício da Universidade de Londres, decidi, ao adotar o seu sonoro nome, colocar-lhe um asterisco à frente e, no final dos textos, inseria "* Universidade de Londres". Havia tantas universidades em Londres... Nos tempos atuais, com o recurso ao Google, esta mentirola de Polichinelo só duraria umas horas!

O outro pseudónimo, utilizado para abordagem de temas africanos, era bem mais prosaico - "João Urbano".

Por essa altura, no "Semanário", um jornal que, sem sucesso, ao tempo procurava rivalizar com o "Expresso", e onde então preponderava a figura de Marcelo Rebelo de Sousa (que, no "Semanário", utilizava vários pseudónimos, alguns subscrevendo artigos que chegavam a contestar outros escritos pelo mesmo autor...), surgia um regular opinador sobre política africana que assinava como "Carlos da Mata". Julgo que se tratava de um pseudónimo (o meu amigo João Amaral ainda um dia vai satisfazer a minha minha curiosidade sobre quem é que afinal estava por detrás desse nome) que era usado por mais do que um escriba. E se ele era "da Mata" eu passei a ser "Urbano". E assim escrevi no "Expresso" uns tantos artigos como "João Urbano"...

Verdade seja que não era essa a primeira vez que assinava textos, sob pseudónimo, no "Expresso". Anos antes, creio que em 1988, num mano-a-mano com o meu colega António Dias, havia subscrito dois artigos sob o então assumido pseudónimo de "Luiz da Cunha", homónimo daquele que é historicamente considerado o "pai" da diplomacia portuguesa - a figura setecentista de D. Luiz da Cunha. Esse artigos, escritos num tom elegantemente respeitoso, embora um tanto gozão, eram atribuídos pelo jornal a um "coletivo de diplomatas portugueses" (a bem dizer, bastam duas pessoas para fazer um "coletivo"...) e prendiam-se com modestas reivindicações corporativas da nossa classe profissional, num tempo em que a nossa associação sindical primava pela modéstia e ineficácia na sua ação.

Esses dois textos, nos dias subsequentes à respetiva publicação, tiveram a virtualidade de abalar a placidez das conversas pelos claustros das Necessidades. O ministro era João de Deus Pinheiro. O seu chefe de gabinete, António Sequeira Nunes, foi ter comigo: "Cheira-me que tu deves saber quem são os tipos que assinam como "Luiz da Cunha"!" Ele pensava que eram muitos... Ri-me e comentei: "Pois sei, mas não será da minha boca que ouvirás os nomes deles. Mas faço-te uma proposta: se me disseres quem são os meus colegas que tu suspeitas que podem ser os "culpados", e se acaso tiveres a perspicácia de acertar em algum deles, eu prometo confirmar. É o máximo que posso fazer". E pelo chorrilho de diplomatas que o António então avançou, como "suspeitos" daquela moderadíssima ação reivindicativa - nomes nos quais, estranhamente, nem eu nem o António Dias figurávamos -, acabei por vir a saber quem estava no "index" de potenciais dissidentes por parte do gabinete do ministro...

Sob o nome de "Pedro Leite de Noronha" eu ainda viria a escrever uma célebre carta ao diretor que o "Expresso" publicou. Mas essa é uma historieta que conto nas páginas 306/307 do meu livro "Antes que me esqueça". Façam o favor de comprar o livro e lá poderão lê-la!

sábado, dezembro 23, 2023

A explicação

Um comentador comentou: "Francisco Seixas da Costa, tanta exposição mediática, de forma regular, para quê? Uma candidatura política relevante, no futuro próximo?"

Pronto! Já não consigo disfarçar mais! No mês de janeiro, há uma assembleia geral do meu condomínio e preciso de criar condições para garantir a minha reeleição como administrador. Fui desmascarado por um comentador arguto!

BOAS FESTAS!



Giuliani

  A América é uma terra de oportunidades. Mas, quando elas escapam das mãos, transforma-se num país cruel. Rudy Giuliani, como mostra este t...