sábado, março 26, 2022

Não me conformo!


Esta mudança de hora, em que perdemos 60 minutos (já sei que eles voltam no outono, mas não é a mesma coisa!), nunca me convenceu! Não me parece justa! 

Reler Biden

Depois do discurso em Varsóvia, em que Biden, a propósito de Putin, disse “This man cannot remain in power!”, a Casa Branca esclareceu: "He was not discussing Putin’s power in Russia, or regime change." 

Claro que não! Então não se estava mesmo a ver? Nós é que ouvimos mal…

CNN Portugal

Com o prévio “disclaimer” de ser colaborador da CNN Portugal, quero dizer que considero notável e ímpar o trabalho que está a ser feito pelo canal na cobertura da guerra na Ucrânia, nomeadamente através dos enviados especiais no terreno, muitas vezes em zonas de elevado risco.

A Oeste, algo de novo

O ataque russo a Lviv, quase simultâneo com o discurso de Biden em Varsóvia, mostra a crescente relevância estratégica da zona ocidental do país, mais próxima das fronteiras países NATO, por onde chega o essencial do apoio, militar e outro, à Ucrânia.

“Regime change”

Biden diz que Putin não pode continuar no poder. Resta agora saber o que os EUA estão dispostos a fazer para concretizarem esse objetivo, que pode ter muito a ver com o conceito de “regime change”.

O fim dos princípios?

Nada como a emergência energética e as urgências geopolíticas para porem a salvo de pressões as autocracias medievais do Golfo e alguns países europeus, até aqui visados pela inobservância das regras democráticas e do Estado de direito. Os princípios valem enquanto derem jeito.

Refugiados

A Polónia é um país que tem feito um esforço extraordinário, no acolhimento de refugiados ucranianos, embora sem tradição nesse âmbito. É muito justo que o mundo assegure, com rapidez, um “burden sharing” equitativo, sem o que será difícil a Varsóvia sustentar essa atitude.

“Quando”?

Todos sabemos que Biden é “gaffe prone”. Porém, ficou-me no ouvido aquela sua frase, há horas, aos soldados americanos na Polónia, de que “quando” estivessem na Ucrânia iriam poder testemunhar a coragem das populações face ao invasor russo. “Quando”? O que foi aquilo?

O sol e a guerra

Lembrando o mês de conflito, o céu na Ucrânia foi sempre cinzento, como nos habituámos a imaginar o que “deve ser” o tempo numa guerra. Há pouco, ao olhar o belo sol sobre Mariupol, cidade devastada e sob fogo, o contraste pareceu-me quase chocante. Ali, é já o sul a chegar.

O tempo e o modo

O grande teste à liderança e autoridade política interna de Zelensky será a sua capacidade de definição do “timing” certo para um eventual compromisso com Putin - e em que termos. Como a História nos ensina, só com alguma perspetiva temporal isso pode vir a ser avaliado.

E a China?

A próxima ida de Lavrov a Pequim, depois da conversa de Biden com Xi Jin Ping, pode querer significar que, depois de alguns peões menores em busca de relevância negocial, um peso pesado pode facilitar um compromisso. Acaso ouvimos alguma vez Zelensky criticar fortemente a China?

Cretinices

Até que enfim Putin disse uma coisa com a qual toda a gente sensata deve estar de acordo. Proibir e censurar obras musicais ou literárias de autores russos é uma imensa cretinice. Quando a cultura de dimensão universal começar a ser condicionada é sinal de que está tudo doido!

Nós e a Ucrânia

Entendo que as autoridades portuguesas não devem preocupar-se com as valorações ucranianas da sua atuação. Portugal deve continuar a fazer aquilo que, nas várias frentes, considera que deve ser feito, à luz dos seus compromissos. E, até agora, Portugal tem sido impecável.

Donbass

Parece-me uma evidência - mas é legítimo que haja quem pense o contrário - que a declaração russa de que “o importante é o Donbass” é uma óbvia posição de recuo de Putin, perante a constatação de que outros objetivos não são alcançáveis.

Dormir com o inimigo

Biden referiu que, nos últimos anos, as autocracias se têm espalhado mais do que as democracias. Imaginando que estas, para imporem a sua superioridade moral, não tencionam desencadear uma guerra armada contra as primeiras, para as “convencer”, não seria de parar para pensar?

E a globalização?

Vivemos algumas décadas em que certos teóricos nos vendiam que a globalização era o remédio santo para os males do mundo. Os “descontentes” de que Stiglitz nos falava já há 20 anos, eram então descartados como “colateral casualties”. Hoje, algumas portas fecham-se de novo, não é?

Olhó mercado!

Na China, ficou provado que a vitória do capitalismo (de Estado) não favoreceu o surgimento da democracia. Na relação da Rússia com a Europa, constata-se que o estabelecimento de uma mútua dependência económica não desenvolveu uma cultura de distensão, conducente à paz “eterna”.

America, America

A América revela uma assinalável liderança nos esforços para reagir à agressão russa à Ucrânia. Sem ela, a Europa estaria muito menos coesa. Agora, resta aos EUA mostrar que não pretendem aproveitar para beneficiarem da situação nos negócios da energia e das vendas de armamento.

Wehrmacht

A Alemanha está a mudar de política, em matéria de defesa. Alguns dirão: o mundo mudou, essa política tinha de mudar. Não consigo deixar de pensar que, quando a poeira ucraniana assentar, nem todos, do lado de cá, olharão para essa opção de Berlim com bons olhos. E mais não digo.

Refugiados

Os refugiados são trágicas vítimas das guerras. É dos livros que, no início, convocam imensa compaixão. É também da História que, com a fadiga do tempo, com crises económicas, com contrastes sociais e outros, a solidariedade tende a esvair-se. Lamento, mas temos de pensar nisto.

Interlúdio

A questão pode ser desagradável, mas acho que devemos pensar nela: Trump foi um interlúdio mau na história da América ou a presidência Biden é, afinal, um mero e fugaz intervalo até que Trump, ou alguém parecido, volte a reinar em Washington, onde tudo continua a ferro e fogo?

sexta-feira, março 25, 2022

Ainda 1962


Foi ontem. Foi num debate organizado pelos estudantes da Universidade Autónoma de Lisboa, para debater a situação na Ucrânia (“what else?”), com os professores Ana Isabel Xavier, Carlos Gaspar, Luís Tomé e Filipe Vasconcelos Romão, com uma sala que ficou cheia, com muita gente por zoom. 

Na primeira ocasião em que me coube intervir, não me contive de começar por lembrar que estávamos no dia 24 de março, uma data em que, há 60 anos, precisamente nesse dia e mês, o mundo universitário lisboeta havia sido abalado pela chamada “crise académica”, um sobressalto cívico e político que acabou por ter fortes impactos, mesmo no seio da ditadura. 

Não faço ideia se a maioria dos alunos que ali estavam (e que, no final daa nossas intervenções, fizeram inteligentes e pertinentes perguntas sobre o tema em debate) tinham consciência de que aquela data, com seis décadas, tinha alguma coisa a ver com a liberdade em que agora vivemos. Eu, pelo sim pelo não, lembrei isso.

quinta-feira, março 24, 2022

“A Arte da Guerra”


No podcast do Jornal Económico, no “A Arte da Guerra” desta semana, à conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, trato da evolução do conflito ucraniano, das surpresas sobre o estado das forças convencionais russas, dos novos desafios colocados à ONU, do regresso do debate sobre as armas nucleares, do futuro da NATO e da segurança e defesa europeias neste novo contexto.

Pode ver aqui.

O novo governo

Do que gosto mais, no novo governo?

Desde logo, acima de tudo, da continuidade de Marta Temido na Saúde. A competência, a pertinácia e a frontalidade premeiam-se. Esteve muito bem António Costa nesta decisão. Mal conheço, pessoalmente, Marta Temido, mas tenho uma imensa admiração pelo seu trabalho.

Depois, gosto muito de ver João Gomes Cravinho nas Necessidades (e como nº 3 do governo), onde vai substituir aquele que foi um excelente chefe da diplomacia nos últimos sete anos, Augusto Santos Silva. A experiência que traz da Defesa, onde revelou coragem e muita competência, além do seu profundo conhecimento de todas as dimensões da ação externa, são uma sólida garantia para o país.

Acho magnífica a escolha de Helena Carreiras para substituir João Gomes Cravinho na Defesa. Brincando, diria que a diretora do Instituto de Defesa Nacional nos vai fazer falta como vice-presidente do Clube de Lisboa / Global Challenges, mas o seu contributo para o executivo está primeiro! É uma pessoa determinada, que sabe muito da matéria e tem ideias muito claras.

Fernando Medina assume uma pasta muito difícil, mas não tenho a menor dúvida sobre a sua capacidade para a conduzir com êxito. É uma retribuição muito justa àquele que foi, na minha opinião, um excelente presidente da Câmara de Lisboa, embora reconheça que uma conjuntural maioria dos lisboetas não teve o mesmo entendimento do que eu. Pessoalmente, fico muito satisfeito ao ver Fernando Medina com este tipo de responsabilidades, que prenunciam outras.

Deixo um forte abraço de felicitações e votos de bom trabalho para três outros amigos que, pela primeira vez, assumem funções a nível ministerial: Ana Catarina Mendes, João Costa e José Luís Carneiro. 

Ótimas escolhas, a meu ver, são, igualmente, as de António Costa Silva (vão ouvir falar muito dele, podem crer!), de Pedro Adão e Silva (uma surpresa que vai fazer comichão a muita gente) e de Catarina Sarmento e Castro (veio-me à memória o seu pai, um amigo e colega de governo que há muito se foi).

Do que gosto menos neste novo governo? De pouco. Mas, num dia como este, nem às paredes confesso.

terça-feira, março 22, 2022

Ouvir

Eu também acho que a ação de Putin é criminosa, que a Rússia se transformou numa mera ditadura e que a invasão da Ucrânia é uma grosseira violação do Direito Internacional, que deve ser punida. Só que, ao contrário de muitos, quero continuar a ouvir e ler quem não pensa como eu.

… e, na vida, também há isto!

 


Pela primavera

O número no telemóvel, para que tinha olhado, depois de o sentir vibrar no bolso, não era conhecido. Mas, claro, atendeu.

O jantar, no restaurante, mal tinha começado, e começara bastante tarde. O Duarte já tinha trazido as tradicionais empadas para a mesa. O Pedro pediu desculpa aos convivas, levantou-se da mesa, trocou um olhar rápido com a mulher, desceu as escadas e foi atender lá fora. Com a precipitação, até tinha atravessado a sala sem pôr a máscara! Corria um vento húmido, naquela rua de Alvalade.

A conversa foi rápida. “O primeiro-ministro vai telefonar-lhe, daqui a minutos”. A voz era bem conhecida, com poder. 

A notícia não era inesperada: desde há dias que lhe tinha chegado, depois de uma discreta sondagem, a indicação de que o primeiro-ministro o poderia vir convidar para um lugar ministerial, ligado à sua especialidade. A circunstância da imprensa nunca ter falado no seu nome seria mesmo bom sinal. Nem o Marques Mendes! “Leite de Noronha: a grande surpresa”, era, com certeza, o que sairia. Mantivera-se mil por cento discreto. E respondeu, com voz que, sem querer, lhe saiu um tanto embargada: “Ele pode ligar quando quiser”. Arrependeu-se de não ter sido mais firme e afirmativo na breve conversa. Afinal, ia ser futuro colega da pessoa que lhe estava a ligar.

Pedro Leite de Noronha regressou à mesa. Pelo caminho, tinha desligado do silêncio o aparelho e colocou o som no máximo. Ensaiou mentalmente o que ia dizer, quando a chamada chegasse: “Muito obrigado pelo seu convite. Terei o maior gosto em integrar o governo e, pode crer, farei o meu melhor”. Ou qualquer outra coisa assim. Sentou-se, recostou-se, olhou para a mulher e fez-lhe, com a cabeça, um leve sinal. A Susana percebeu. Sorriu apenas q.b..

A conversa ia correndo. Era sobre o cerco russo de Mariupol. Os dois outros casais rivalizavam em insultos ao Putin. Ele fez alguns comentários genéricos. Sorriu intimamente: já se sentia a falar com tom de Esrado. Já estava noutra e quase desligou da conversa. 

Será que lhe iam impingir alguém do partido como secretário de Estado? Ele tinha o nome de Augusto, uma pessoa com quem trabalhara muitos anos, alguém que gostava de vir a ter a seu lado. Ambos eram independentes. O Augusto - que se chamava Augusto Maria de Saa - fazia muita questão de escrever o apelido com dois “as”: “Saa”. Era uma tradição de família, ligada a um tal Mário Saa, parece que dado às artes. Às tantas, os socialistas eram capazes de preferir que ele assinasse “Sá”, como era costume. Logo se veria! O Augusto seria talvez “um bocadinho PPD de mais”, como ele próprio confessava, mas o primeiro-ministro não parecia ser uma pessoa sectária. Deveria falar-lhe já no nome? Não, tinha de conversar prineiro com o Augusto, que estava a milhas da ideia de ser chamado para governante. Mas que ia adorar! 

Pensando bem, era insensato, logo nessa primeira conversa com o primeiro-ministro, tocar no assunto de um “ajudante” (lembrou-se da designação do Cavaco…). Talvez fosse de abordar no dia seguinte, com outra pessoa. Mas com quem? Ou seria cedo? Logo se veria. Caramba! Dava conta de que, apesar de ter passado já a meia centena de anos de vida, era mesmo um novato na política. Ia aprender, rápido, tinha a certeza. Confiança em si mesmo era o que não lhe faltava. A profissão, com sucesso, dera-lhe largo traquejo. E nome, como agora bem constatava.

O jantar foi longo, mais de duas horas. Passava já da meia-noite. Para o Pedro, o tempo foi-se tornando tudo cada vez mais pesado. O telefone não tocava. Na altura da partilha da conta, fez um esgar de desagrado à Susana. Que percebeu que algo estava a correr menos bem.

Já de pé, o Gaspar, que estava a ler o “Público” on line, exclamou: “Já há governo. Diz aqui que o Costa fez esta noite os últimos convites e já deu a lista a Belém. Parece que o Marcelo até fez uma graça e disse que ‘a primavera trouxe um governo novo!’. O tipo é imparável!”

O grupo despediu-se. Entraram os dois para o carro. “Então?”, disse a Susana, com cara fechada. “Disseram para eu esperar uma chamada do Costa, mas nada!”, respondeu o Pedro, com um suspiro, com uma cara cuja palidez a noite não deixava ver.

“Tinhas bateria no telemóvel?”. O Pedro sacou, à pressa, o iPhone 13 Pro do bolso. Estava sem carga. E ele sem cargo.

Mundos


Acabo de receber o último número da “Foreign Affairs”. É minha impressão ou isto já parece de outro mundo?

Isto

É nestes tempos estouvados do mundo que talvez devêssemos parar um pouco e pensar que, afinal, o nosso modelo democrático, “burguês”, com todos os seus defeitos e insuficiências, é, afinal, um porto seguro de bom senso institucional que deveríamos apreciar mais e defender melhor.

O dilema

O mundo está perante um dilema inédito: o que é que é possível fazer para contrariar a ação de um país que disponha da arma nuclear e que, afirmando-se disposto a usá-la em último recurso, pratique flagrantes violações da ordem mundial para impor o que considere serem os seus interesses, mesmo que eles não sejam reconhecidos como legítimos pela generalidade da comunidade internacional?  

Por uma vez, pelos “Blues”!


Vivi, por alguns anos, não muito longe de Stamford Bridge, o estádio do Chelsea. Creio que apenas duas vezes, nesses meus saudosos (assumo) tempos londrinos dos anos 90, comprei bilhetes para ver por lá jogos: uma vez contra o Tottenham, outra contra o “meu” Arsenal, os “Gunners”, grupo a que, desde há décadas, me ligam afinidades políticas (também confesso) e desportivas. 

Nunca fui adepto do Chelsea, tive sempre mesmo uma escassa simpatia pelo clube de Fulham Road, situado, porém, numa das zonas londrinas que mais aprecio e onde, para além de Hampstead, se pudesse daria o que não tenho para lá viver, se acaso Lisboa não existisse.

O Chelsea, como é sabido, por ter sido propriedade de um multimilionário (se me apanharem a dizer oligarca, internem-me, porque é sinal de que me deixei apanhar pela moda mediática) russo, que o facilitismo legislativo, soprado pelo politicamente correto e pelo “l’air du temps”, deixou um dia que obtivesse nacionalidade portuguesa (diz muito de um país ter sido necessário Putin andar na berlinda para o escândalo estourar e ser “instaurado um rigoroso inquérito”!), anda hoje pelas portas da amargura, em termos financeiros. Nem para as viagens parece haver dinheiro, nem pode vender bilhetes.

Como se aquela multidão de fãs, gente que vive e poupa uma semana para ir berrar e cantar no estádio o seu amor ao clube, merecesse ser punida, na sua fidelidade àquela camisola, pelas eventuais patifarias daquele que por alguns anos foi seu dono! 

Como se aquele excelente grupo de jogadores, que demonstra uma admirável determinação contra o infortúnio que lhes bateu à porta, fosse obrigado a arrostar com as culpas daquele calaceiro com ar sonolento, sempre rodeado de grandes pequenas à cata das ”pounds”, porque o rublo da privararia dos tempos de Ieltsin já deu o que tinha para dar!

Podem chamar-me tudo, até “putinista”, mas, no sábado passado, em face daquela flagrante injustiça, “fui“, por uma vez, do Chelsea. 

E da minha bancada almofadada lisboeta, em frente à televisão, tendo à ilharga um Earl Grey do Fortnum and Mason, ”the mother of all teas”, embora sem scones, puxei o que pude pelo clube, até o ver derrotar o Middlesbrough, para a taça lá do sítio. 

E olhem que não é fácil, por estes tempos e por razões que eu cá sei, alguém me ver a apoiar os “blues”!

Nojo

O caso da decisão judicial sobre o nazi Mário Machado é tão mas tão nojento que, para evitar infringir as regras básicas das redes sociais, fico-me por aqui.

Justiça, só isso!

Rapidez na administração da justiça, denúncia imediata de qualquer corporativismo oportunista e ausência de falhas processuais que possam servir de pretexto a um futuro mundo de recursos por juristas espertalhotes, é tudo o que se pede no caso do polícia morto por um militar.

1962



Há pouco, na RTP 1, passou um primeiro programa sobre a “crise” académica de 1962. Uma peça de Jacinto Godinho, com apoio num filme de Diana Andringa, de 1989.

Nesses tempos, eu andava então a meio do meu tempo do liceu. Não me consta que, lá por Vila Real, tivesse ouvido falar de que uns universitários engravatados lisboetas andassem a atazanar a vida do ditador, que já tinha tido mais com que se preocupar no seu “annus horribilis” anterior (desvio do Santa Maria pelo DRIL, revoltas em Angola pela UPA, tentativa de golpe de Estado de Botelho Moniz, ataque a S. João Batista de Ajudá, desvio do avião da TAP Casablanca-Lisboa pela LUAR, ataque indiano ao Estado da Índia). 

Aliás, sempre achei algo irónico designar por “crise” as movimentações dos estudantes de Lisboa de 1962, seguidas depois por Coimbra. É que, se foi “crise”, foi para o regime, não para a oposição.

Ao olhar uma das imagens do programa, mostrando uma sala de aula da faculdade de Direito de Lisboa, com as placas com o números dos lugares, para os professores poderem registar os alunos em falta, do que é que eu me fui lembrar? De que, uns anos mais tarde, numa “ocupação” de um dos anfiteatros daquela faculdade, eu me havia locupletado com uma dessas placas, que ainda guardo - e de que aqui deixo a imagem.

E aproveito também para deixar uma história, que ouvi a Jorge Sampaio, um dos “heróis” desse ano de 1962, de que o filme me mostra vários amigos, como Jorge Sampaio, Medeiros Ferreira, José Vera Jardim, Maria Emília Brederode, Eurico de Figueiredo, Isabel do Carmo e António Correia de Campos.

Nesse ano de 1962, Jorge Sampaio foi de Lisboa a Coimbra, para um diálogo entre lideranças universitárias, em período de tensão política forte. 

Com todos os cuidados que a segurança recomendava, dirigiu-se à “República” onde vivia Carlos Candal, que ele não conhecia pessoalmente. Bateu à porta e atendeu uma governanta, que disse que já ia “chamar o Dr. Candal" - em Coimbra, à época, "era-se" doutor muito antes do curso acabado. 

O ambiente, contou-me Sampaio, era, para ele, surpreendente, muito diferente do contexto homólogo lisboeta - desenhos humorísticos e eróticos pelas paredes, garrafões e outros artefactos pendurados do tecto, enfim, toda a parafernália simbólica da conhecida boémia coimbrã. 

Minutos depois, Jorge Sampaio ouviu, do alto da escada, um vozeirão: "Olá, menino! Já desço!". Sampaio olhou e lá estava, ainda de roupão, saído do banho, indiciador de grande noitada na véspera, a figura do seu interlocutor político, Carlos Candal, já com o habitual charuto na boca. 

Nesse momento, disse-me o futuro Presidente da República, ele percebeu melhor aquela que era a diferença eterna entre a maneira de ser das academias de Lisboa e de Coimbra. E também dos políticos oriundos de ambas, claro, embora isso fosse pano para outras mangas, que hoje não são para aqui chamadas…

segunda-feira, março 21, 2022

Dia rimado

Sem me ter dado conta de que hoje é (já quase foi) o dia internacional da poesia, aconteceu-me acabar de ler, por uma hora, Jorge de Sena. Ainda dizem que “não há coincidências”, mas eu “sei lá!”.

Estados e regimes

A maioria dos 193 países existentes no mundo, reconhecidos como tal pela ONU (outros há que não o são), não são democracias. Nem por isso o seu estatuto deixa de ser idêntico à luz do Direito Internacional, que diz respeito a Estados e não aos seus regimes.

Ditaduras e democracias

A Ucrânia não é uma ditadura, embora o regime ucraniano esteja longe de ser uma democracia sem falhas, “to say the least”. Mas mesmo que a Ucrânia fosse uma ditadura - e não o é, repito - não teria menos direito do que uma qualquer democracia de ver a sua soberania plenamente respeitada.

Adjetivos

Durante a guerra civil em Angola, o ambiente mediático oficioso obrigava a fazer anteceder a expressão “sul-africanos” da palavra “racistas”. Um dia, um locutor foi ao ponto de falar em “aviões racistas sul-africanos”! Alguma adjetivação “obrigatória” que aí anda lembra-me isto.

Estratégia

A UE teve a “sorte” de lhe ter “caído no colo” uma crise grave de segurança, a montante da aprovação do seu novo documento estratégico, hoje pré-aprovado (a aprovação formal será no Conselho Europeu). O texto não corre, assim, o risco de ficar datado. Foi bom que isso acontecesse.

Direitos

É nestes cenários de guerra que o cidadão comum entende, com mais facilidade, que, salvo situações excecionais, o Direito Internacional “não é bem” um direito e que a sua capacidade de imposição é mais limitada do que a generalidade dos outros direitos.

Rendição

A não rendição das forças ucranianas que defendem Marioupol tem um forte significado político: a ter acontecido, representaria um precedente que as autoridades de Kiev procuram evitar a todo o custo.

“The powers that be”

Biden tem hoje uma conversa à distância com os líderes da Alemanha, França, Reino Unido e Itália. Este não deve ser um dia bom para a diplomacia de Madrid e de Varsóvia. Mas é a vida! Um poder não é aquele que afirma sê-lo, é aquele que os outros reconhecem como tal.

Democratas, ma non troppo…

Ontem, o governo ucraniano decidiu proibir 11 (onze) partidos de esquerda da vida política no pais. Lembrei-me de republicar um texto que aqui coloquei há cerca de sete anos, em abril de 2015. O mundo, afinal, muda pouco

“A decisão ontem anunciada pelas autoridades de Kiev de proibir os símbolos comunistas no país (presumo que com a exceção prática das províncias do Leste) é, com toda a certeza, o primeiro passo para a interdição do próprio Partido Comunista do país. Não me parece que isso seja um bom sinal para a Ucrânia.

Nada, aliás, que seja estranho na antiga União Soviética. Vai para mais de uma década, visitei um determinado país da Ásia Central, integrado numa delegação de cinco embaixadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), idos de Viena. Entre os diversos encontros que nos foram proporcionados na capital do país figurava uma mesa-redonda com representantes dos partidos políticos locais.

À volta da mesa, estavam representados aí uns seis ou sete partidos. Cada um deles apresentou-se e definiu o respetivo perfil, ficando claro que estávamos perante um imenso "trompe l'oeil", como o delegado da OSCE já nos tinha alertado. Todas essas formações estavam representadas no parlamento, mas nenhuma delas fez a menor observação crítica ao governo em funções, relativamente ao qual não tinham qualquer objeção visível. Deixámo-los fazer o seu "número" e foram-lhes depois colocadas algumas perguntas por cada um dos visitantes, todos oriundos de democracia ocidentais. Quando chegou a minha vez, não hesitei:

- O representante do Partido Comunista não pôde vir?

Os locais olharam perplexos entre si. Então aquela República tinha-se "libertado" do comunismo e os embaixadores ocidentais, todos de países NATO, onde o comunismo estava bem longe do poder, perguntavam pelos comunistas locais? Imagino se não se perguntavam por que diabo queriam ali comunistas quando o sentido da Guerra Fria fora precisamente derrotá-los.

O "controleiro" da delegação, representante do governo que dirigia a "peça", quebrou o embaraço coletivo e, fixando-me, respondeu com evidente surpresa e não menor firmeza:

- O comunismo acabou neste país. O Partido Comunista foi proibido.

- Peço desculpa, mas tem-nos vindo a ser dito que este país vive hoje em democracia. Como é que podem afirmar isso se não autorizam que uma corrente de opinião como os comunistas se pode organizar e afirmar no vosso sistema constitucional? Os comunistas desapareceram aqui de um dia para o outro? Onde estão? A democracia faz-se precisamente para que todos possam ter o direito à representação política, por muito que não concordemos com eles. Pela minha parte - mas não posso falar pelos meus colegas, naturalmente - tenho de concluir que o vosso regime tem uma falha democrática grave. Tomo nota disso e não deixarei de ter isso em conta no meu regresso a Viena.

Os restantes embaixadores ocidentais que integravam o meu grupo não me pareceram ter ficado muito agradados com a frontalidade da minha tomada de posição. Mas o incómodo foi bem maior entre as figuras locais. No resto da nossa estada nessa "democracia" da Ásia Central fui olhado sempre de soslaio pelos nossos anfitriões. E, regressado a Viena, notei que o respetivo embaixador junto da OSCE tinha esfriado as suas relações comigo. 

No plano económico, o único que poderia suscitar da minha parte alguma contenção em sede de cinismo de "realpolitik", Portugal não tinha o menor interesse nesse distante Estado. E, como costumo dizer, a grande vantagem de um país como o nosso é que, como não tem grandes interesses, pode dar-se ao luxo de ter grandes princípios...”

domingo, março 20, 2022

A guerra

Bombardeamento semântico. Aqui

É de Homem!


Há semanas, foi anunciado que António Sousa Homem, um discreto advogado reformado (esta é a única fotografia que se lhe conhece), de idade bem avançada, que vive no Moledo e que, no “Correio da Manhã”, publicava, com regularidade, crónicas que eram muito apreciadas pelos leitores do jornal (e por outros, que o não sendo, como é o meu caso, lá o procuravam pela sua excelente prosa), decidira colocar um ponto final nesses textos. Como conhecedor que sou da opera omnia escrita do velho causídico, que tinham já dado origem a vários volumes, fiz parte de quantos tinham ficado tristes com a notícia daquela súbita paragem. Disse isso a Francisco José Viegas, um escritor e editor que sabia ser próximo do cavalheiro. E ainda há dias, numa conversa com uma figura da alta investigação policial nortenha, cujo nome não vem a caso, mas que, num agosto passado, tinha visto a tomar café com Sousa Homem numa esplanada em Caminha, eu tinha repetido idêntica observação. Muitas outras pessoas o terão feito, ao que agora apuro. E hoje, para me alegrar este domingo chuvoso, constato que o Dr. António Sousa Homem regressou ao periódico, imagino que “a pedido de várias famílias”, como antes a imprensa dizia, quando entendia dever corresponder a um expressivo sentimento quantitativo dos leitores. A sua coluna chama-se “Em certos aspectos”, com a palavra escrita com “c”, porque o senhor é de outros tempos e não vai em modas ortográficas. Seja muito bem regressado, caro Dr. Sousa Homem! Peço ao Francisco que lhe transmita os meus respeitos.

A Ucrânia e os seus partidos

Numa decisão ontem tomada, o presidente Zelensky, determinou a dissolução dos restantes onze partidos de esquerda que ainda existiam na Ucrânia.

O passado, lá no alto

 


Em Kiev, há poucos anos.

Gastão Cruz (1941-2022)

 


Olhar os dias em quinze notas

1. As palavras têm um peso, mas as mesmas palavras não querem dizer exatamente o mesmo. Biden defendeu hoje a independência da Ucrânia. Puti...