... que vale o que vale!
1. O PS ganhou as eleições. Talvez não por tantos votos de diferença como o estado do país justificaria, mas ganhou. E António José Seguro, que corria neste sufrágio o seu maior risco - as eleições europeias vão ser uma "passeata" -, ficou consolidado como candidato socialista a primeiro-ministro, quaisquer que sejam as reticências que possa merecer. Desde logo, da parte de muitos que nunca votarão no PS, mas que se arrogam a mandar bitaites sobre a vida política interna dos socialistas. E, depois, também de outros que, votando regularmente socialista, não se revêem no seu estilo de liderança. Mas quem manda no PS são os militantes do PS e, a seu tempo, o PS elegeu e depois confirmou Seguro. Que agora ganhou. Talvez valesse a pena ter claro: Seguro será líder do partido até às próximas eleições legislativas.
2. António Costa confirmou-se como uma figura política de grande dimensão. Apoiado por uma espécie de neosampaísmo e com forte penetração em algumas áreas não socialistas, é, felizmente para o país, uma figura incontornável no nosso futuro político. Mas não vale a pena alguém ter ilusões: está decididamente "fora de jogo" para a liderança socialista até 2015. Por azar dos calendários, arrisca-se a ser para os seus, como Dennis Healey foi um dia no Reino Unido para certo "labour", "the best prime minister we never had". Mas Belém fica já ali adiante. E mais vale um pássaro na mão...
3. Passos Coelho foi muito realista na assunção da derrota e muito irrealista nas razões que a motivaram. Sem sofismas, admitiu o seu fracasso e o êxito do PS, insistindo, contudo, na tecla da linha política que levou muitos dos seus candidatos ao tapete. Posso admitir que, com a "troika" no Terreiro do Paço, não lhe restasse outra opção. Mas, salvo um milagre, acaba de escrever mais um capítulo da crónica de uma morte política anunciada. O PSD continuará a ser, apesar da "abada" de ontem, um grande partido autárquico e, sem fundos comunitários para alimentar as rotundas, os repuxos e a relva, os edis socialistas vitoriosos vão passar por tempos bem difíceis. Daqui a quatro anos, a "máquina PPD" vai recuperar. Até lá, o sebastianismo "fluvial" irá corroendo o partido, sendo muito curioso ver o que o Porto poderá fazer por isso. Não faço prognósticos, salvo que, para os social-democratas, tudo será pior amanhã do que hoje. Estas eleições colocaram um ponto final no otimismo que a remodelação de agosto provocara. Em política o que é, tarde ou cedo, aparece.
4. Sem surpresas, o PCP volta a federar algum descontentamento que a prudência do PS não conseguirá nunca agarrar, sob pena de se descredibilizar como força de alternância. Tendo habilmente feito esquecer ao eleitorado que foi com o seu voto (e o do Bloco) que os socialistas foram derrubados em 2011, e que é graças ao PCP que Passos Coelho é hoje primeiro ministro e aplica as políticas que os comunistas diabolizam, a Soeiro Pereira Gomes regressa momentaneamente aos "ontens" que sempre canta lá pelo Alentejo e arredores lisboetas "enragés". Daqui a dias, voltará para a rua, pela mão da sua heterónima CGTP. Enquanto o sacrifício essencial recair no setor público, o efeito político será uma coisa. Quando forem os assalariados e reformados privados a ter de pagar a fatura - como se viu no caso da TSU - o caso mudará de figura e as ruas passarão a avenidas. O PCP terá sempre e apenas a força que o leque das medidas do governo lhe concederem. Nem mais, nem menos.
5. O CDS confirma-se como indiscutível líder da "liga dos últimos". Com cinco bravas Câmaras cinco, recolhe as canas do incêndio no PSD e ganha a noite, formalmente compungido com o desaire do parceiro. Não dá para abrir uma garrafa de "Ruinart", mas dá para beber um espartano "Magos", brindando aos 500% de crescimento! Os centristas passam assim por entre as pingas do dilúvio que se abateu sobre a maioria, mas talvez a irritação desta obrigue a publicar, de uma vez por todas, o famigerado "guião da reforma do Estado" e o saldo efetivo do batimento de pé à Europa nas últimas semanas. A montanha parirá um Caldas?
6. Uma "ultima corrida em Salvaterra" terá sido lidada pelo Bloco, dela saindo aos ombros de si próprio, como é próprio da modéstia política caseira, que vive das derrotas dos outros, não podendo apresentar vitórias próprias. O esquerdismo pós-modernaço e pós-Frágil terá chegado ao fim? Não acredito, mas a sedução bloquista está a esvair-se rapidamente, com o PCP a rir-se a bom rir. Daqui para diante, como é que vai ser? A esquerda da esquerda bloqueada? Não faço ideia, confesso. Mas, francamente, tenho a sensação de que será só uma curiosidade estatística.
7. No meio de tudo isto, como terá sido o domingo da "troika", fechada pela morrinha no seu hotel, entre o "zapping" e os amendoins do mini-bar? Deve estar intrigada ao saber que já houve um Rio no Porto que ninguém atravessou e que agora nasce outro em Braga. Pedirá às suas secretas para descodificar a salgalhada de apoios que colocou Moreira no alto dos Aliados. Cuidará em saber quem é esse tal de Isaltino que não aparece mas afinal está bem presente. Ouvirá sereias a vender-lhe a troca de Costa pelo Seguro e opostos oráculos a defender o senhor do Rato contra o edil mais popular no país. Procurará com lupa as foices e os martelos escondidos no logo inocente da CDU. Sorrirá a bom sorrir quando lhe derem os números daquilo que é a força política por detrás do seu interlocutor nas conversas do "pacote" de avaliações que lhes alimenta as ajudas de custo. E, quem, na "troika" souber um pouco de bola, terá concluído que o Porto ganhou com um penálti falso, no dia de um seu aniversário que também o é. Mas isso nem a "troika" sabe.
8. Mudou alguma coisa no dia de ontem? Mudou. Mas vai demorar algum tempo até que saibamos exatamente o quê e para quê. Resta-me a dúvida no saber se teremos esse tempo.