quinta-feira, setembro 26, 2013

Timor e o fim da descolonização

Há dias, numa conversa durante uma cerimónia na visita a Portugal do presidente timorense, Taur Matan Ruak, lembrei-me de uma história passada em Nova Iorque, ao tempo em que por lá passei como representante permanente de Portugal junto das Nações Unidas.

Um dia (creio que) de maio 2002, um colaborador perguntou-me se estava interessado em ir "à última reunião em que o 'Comité dos 24' iria abordar a questão de Timor". Como a minha agenda era então um "inferno", lembro-me de ter hesitado por um instante. Mas a atenção prioritária que sempre dávamos a Timor-Leste fez-me logo dizer que sim. Porém, só um pouco depois tive a consciência do que essa reunião na realidade significaria.

O "Comité dos 24" (até 1962 conhecido por "comité dos 17", em função do número dos países que o compunham) é uma fórmula redutora para um nome bem mais longo: "Comité especial encarregado de examinar a situação relativa à aplicação da Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais". É também chamado "Comité especial para a Descolonização". O Comité foi criado em 1961, após a aprovação da referida Declaração pela Assembleia geral da ONU, em 1960.

Ainda em 1962, Portugal foi convidado a estar presente numa reunião do "Comité dos 17". (Recordo que, em fevereiro e março de 1961 tiveram lugar graves incidentes em Angola e que Goa caiu em mãos indianas em dezembro desse mesmo ano). Considerando que, na perspetiva do governo de Lisboa, não havia, sob a sua tutela, colónias ou territórios passíveis de se enquadrarem nos objetivos do Comité, o governo português veio a recusar-se, a partir de então e até 1974, a colaborar com aquela estrutura, que se iria transformar num dos mais ativos instrumentos internacionais de denúncia do colonialismo português. Com a aceitação da autodeterminação e independência das suas colónias, a partir da Revolução de 25 de abril, tudo mudou. E, desde 1975, apenas o caso de Timor-Leste, dentre os antigos territórios coloniais portugueses, permaneceu como um processo em aberto nessa instância, neste caso sob a denúncia da ocupação indonésia.

Por essa altura de 2002, aproximava-se a independência de Timor-Leste, que iria ter lugar no dia 20 de maio. A reunião do Comité para a qual eu era convocado era a última na qual uma questão relativa à história colonial portuguesa era evocada. Já não me recordo do que disse na sessão, o que deve constar da respetiva ata oficial e do relato desta que terei feito para o MNE. Mas lembro-me bem de que, nesse momento, tive a consciência de que a presença de Portugal naquele ato culminava, de certa maneira, um tempo histórico.

Com a independência de Timor-Leste, no dia 20 de maio de 2002, fechar-se-ia um ciclo de uma aventura imperial iniciada em 22 de agosto de 1415, com o assalto militar português à fortaleza mourisca de Ceuta. Na reunião do "Comité dos 24", em que eu participei em nome de Portugal, escassos dias antes daquela independência, encerrava-se formalmente último capítulo do longo processo que conduziu ao fim do tratamento internacional da questão colonial portuguesa, iniciado meio século antes.

9 comentários:

Anónimo disse...

Então e a Madeira e os Açores? Tal como Cabo-Verde, por exemplo, eram territórios sem população quando lá chegámos. Há coisas boas para pretos e más para brancos-ou vice-versa?

São disse...

Não existem coincidências: acabei de ler há dias, recomendado por um amigo que exerceu a docência em Timor, "A ILha das Trevas".

Tenha bom dia.

Anónimo disse...

Reler novamente, aviva a realidade "escondida":

"Segredos da Descolonização de Angola"

de Alexandra Marques


Terá 2desaparecido" da livrarias ?


Alexandre

Anónimo disse...

Gostei do "assalto militar português à fortaleza mourisca de Ceuta". Você tem o mérito de fugir à linguagem tradicional. E assume isso com garbo. Parabéns.

Anónimo disse...

Essa coisa de considerar que a aventura imperial só foi iniciada quando tivemos que nos meter numas chalandras, tem que se lhe diga. Então o que significou o cerco de Lisboa, por volta de 1140, até à posse (coerciva claro) dos territórios a sul, que até incluíram outro reino, designado do Algarve? Gostava de ouvir a opinião de Historiadores. Mas sem a “velha” norma: “convencionou-se que…”.
António pa

Anónimo disse...


Por este andar ainda algum comité internacional vai propor que Portugal desapareça ou se torne independente de si próprio visto a sua ocupação de territórios sucessivos 8 séculos atrás...

Anónimo disse...

Pelo contrário estava a pensar “em grande”… Mas qualquer H. Grotius atual (até haverá alguns sem emprego) esclarecia que o Papa Francisco não tem nada a ver com Alex VI, se tal fosse necessário.
E os dos reinos dos Algarves é que não se querem chatear (ou então não valem um cavaco) senão, não sei…
E vamos ver se Meneses promete o que diz que vai fazer setentrionalmente. Eu espero que faça ainda mais do que diz…
António pa

Anónimo disse...

"E vamos ver se Meneses faz o que promete fazer setentrionalmente." (é o que dá estar a escrever enquanto se ouve lá de dentro: “já estou pronta!...)

Anónimo disse...

Os timorenses não esquecem que o único líder português que sempre esteve com Timor foi SAR o Senhor Dom Duarte.

Timor durante muitos anos foi assunto tabu entre os políticos portugueses causando muito desconforto e, quanto menos se falasse melhor.

Felizmente para Timor o Duque de Bragança nunca se esqueceu deste território (ao contrário de Soares, Cavacos, Sampaios e outros)

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...