segunda-feira, junho 02, 2025

A Europa de Bruxelas

No sábado, em Viseu, ao falar na conferência aberta por Josep Borrell, em que se abordou a questão das crises na Europa, toquei em temas que, vai para uma década, tinha colocado num artigo na coluna semanal que então escrevia no "Jornal de Notícias", e em que usei o título em epígrafe. Ele aqui fica:

"Há a Europa e há a Europa de Bruxelas. Esta última é um corpo mais ou menos organizado que tem como cultura comum uma certa ideia evolutiva do projeto europeu. Essa cultura, decantada ao longo décadas, atravessa grande parte do funcionalismo da máquina europeia, a qual, sem o dizer, se considera ungida da missão de levar à prática uma espécie de desígnio “do bem”, cuja finalidade não é explicitada e que só é debatida na metodologia. Aliás, o mais das vezes, o objetivo final não é sequer referido, para evitar espantar a caça. De certo modo, esse projeto europeu funciona na lógica do socialismo reformista de Bernstein: “o movimento é tudo, o fim é nada”. Em português simplório é o “vamos andando e depois logo se vê”.

Há duas palavras-chave no glossário dessa ideologia. E há uma não-palavra que raramente é pronunciada. 

A primeira palavra é “ambição”. Na novilíngua da Rue de la Loi (rua de Bruxelas onde estão muitas das instituições), uma proposta tem mais ou menos “ambição” na razão direta da transferência de poderes que, através da sua eventual aprovação, se processa da esfera nacional para a máquina bruxelense. Dependendo do “l’air du temps”, os ventos estão mais ou menos favoráveis a esse desígnio centralista. Às vezes, o facto da opinião pública em alguns países estar “recuada” impede que a “ambição” possa colher apoio suficiente para conduzir as decisões a bom porto. Aumentar o número de decisões por maioria qualificada, evitando o irritante empecilho da unanimidade, é o caminho para que a “ambição” se concretize com mais facilidade.

Ligada à “ambição” surge a palavra “eficácia”, que designa o grau de operatividade que uma medida pode trazer à “ambição”. A eficácia é o conceito motor por detrás da propositura de muita da legislação ou regulamentação europeia. É “eficaz” aquilo que contorna os mecanismos que atrasam a implementação das medidas. Os parlamentos nacionais são vistos por essa cultura europeia como obstáculos irritantes à eficácia das medidas. E até o Parlamento Europeu, que no passado era um inóquo “compagnon de route” dos promotores da “ambição”, passou frequentemente a ser “parte do problema”, quando obteve mais poderes e responsabilidades.

O drama europeu é que os promotores das medidas com “eficácia”, que têm como finalidade dar corpo à “ambição’, fogem como o diabo da cruz da tal não-palavra incómoda, raramente pronunciada nesses meios, que é a “legitimidade”. Também por isso é que o Brexit aconteceu, que a recusa da “ambição” é cada vez maior, que a Itália reage como reage.

Por graça, há alguns anos, dizia-se que se a União Europeia pedisse adesão ... à União Europeia, receberia um rotundo não, porque o seu grau de democraticidade era insuficiente para ser aceite. Será verdade?"

5 comentários:

Anónimo disse...

Por falar em Josep Borrell…
O antigo Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança Josep Borrell criticou hoje a UE por ficar "calada" perante a morte de milhares de crianças palestinianas em Gaza.

Disse:

"Mas onde é que está a liderança europeia? Eu gostaria muito de ter um líder na Europa que, perante os massacres em Gaza, diga 'não'".

Acrescentou que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu "é um líder que está a conduzir o seu país a cometer crimes de guerra tão horríveis ou ainda mais horríveis do que aqueles cometidos pelo Hamas".

"E a Europa mantém-se calada", concluiu.

Disse ainda:

"Eu gostaria de ter uma liderança europeia que fosse capaz de dizer: não, não é possível. Sim, nós matámos judeus há vários anos atrás, mas isso não dá razão aos israelitas para matar milhares e milhares de crianças palestinianas que não são culpadas".

Não sei se Borrell diria o que disse agora, se ainda fosse um Alto Representante da União.

Provavelmente, Borrell não ouviu o presidente do Conselho Europeu, António Costa, que há dois ou três dias considerou que "a autoridade moral de Israel está a desaparecer".

Note-se a habilidade comunicacional de Costa: “está a desaparecer”. Ou seja, Israel ainda tem espaço de manobra, segundo António Costa, até que perca, por completo, a “autoridade moral”. Quando isso acontecer, talvez, quem sabe, António Costa defenda q

Anónimo disse...

Por falar em Josep Borrell…
O antigo Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança Josep Borrell criticou hoje a UE por ficar "calada" perante a morte de milhares de crianças palestinianas em Gaza.

Disse:

"Mas onde é que está a liderança europeia? Eu gostaria muito de ter um líder na Europa que, perante os massacres em Gaza, diga 'não'".

Acrescentou que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu "é um líder que está a conduzir o seu país a cometer crimes de guerra tão horríveis ou ainda mais horríveis do que aqueles cometidos pelo Hamas".

"E a Europa mantém-se calada", concluiu.

Disse ainda:

"Eu gostaria de ter uma liderança europeia que fosse capaz de dizer: não, não é possível. Sim, nós matámos judeus há vários anos atrás, mas isso não dá razão aos israelitas para matar milhares e milhares de crianças palestinianas que não são culpadas".

Não sei se Borrell diria o que disse agora, se ainda fosse um Alto Representante da União.

Provavelmente, Borrell não ouviu o presidente do Conselho Europeu, António Costa, que há dois ou três dias considerou que "a autoridade moral de Israel está a desaparecer".

Note-se a habilidade comunicacional de Costa: “está a desaparecer”. Ou seja, Israel ainda tem espaço de manobra, segundo António Costa, até que perca, por completo, a “autoridade moral”. Quando isso acontecer, talvez, quem sabe, António Costa defenda qu

Anónimo disse...

Por lapso cliquei em "publicar", com o texto incompleto, pelo que acrescento o parágrafo em falta:

Quando isso acontecer, talvez, quem sabe, António Costa defenda que se apliquem sanções a Israel, equivalentes às que a UE tem aplicado á Rússia.
J. Carvalho

Carlos disse...

Sr Embaixador, quase me sinto tentado a escrever “eu pecador me confesso …”. É que eu que durante décadas calcorreei as ruas de Bruxelas (sim a presença das instituições não se fica pela rue de la Loi), do Luxemburgo e mesmo de Estrasburgo, tenho de concordar com o que escreve. E diria mesmo que nestes círculos a sobranceria com que se fala de países como Portugal é muitas vezes chocante. É por isso que não entendo o entusiasmo patético com que alguns falam duma Europa federal em que os Estados Membros ficam cada vez mais prisioneiros das vontades alheias. É que fico com a impressão que nesta federação idealizada por alguns os Estados Membros teriam ainda menos poderes que os Estados na federação dos EUA

Carlos disse...

Sobre o comentário acerca de António Costa nunca percebi o deslumbramento com o posto de Presidente do Conselho Europeu. Os mandatos anteriores tem mostrado que este lugar se notabiliza pela irrelevancia, na melhor das hipóteses, ocasionalmente pontuado por guerrilhas patéticas (p.ex. o episódio da cadeira e do sofá na reunião de Louis Michel e Von der Leyen com Erdogan) que mostram quão insignificante é a função. O sr Embaixador que é um fino conhecedor destas matérias (sem falsa ironia) poderá expender sobre a razão de ser deste lugar. É que se o objectivo era equilibrar a balança com o Presidente da Comissão o resultado é um falhanço total, como o bullying sistemático de Vonder Leyen tem mostrado!

Com dedicatória

O anti-americanismo radical é a doença senil do pós-comunismo de alguns. Por princípio, são contra a América, o mau da fita. A arrogância po...