sexta-feira, agosto 30, 2024

À mesa


Foi há semanas. Comi nesse local umas quatro vezes. O empregado foi sempre o mesmo. Um homem bem dentro da casa dos 50, pessoa educada e agradável, revelando alguma experiência de restauração, mas menos adequada para o nível daquele local. Era alguém que, visivelmente, na época alta, tinha sido contratado para reforçar a equipa do restaurante.

Pela simpatia que tinha criado, hesitei muito em falar-lhe naquilo que, desde o início, trazia atravessado. No último dia, fi-lo: "O meu amigo não vai levar a mal, mas acho que, depois destes dias em que viemos aqui jantar, há meia dúzia de coisas que devo dizer-lhe. Nunca se serve uma pessoa passando, na mesa, pela frente de outra. Se, por razões de espaço, tiver de o fazer, peça sempre desculpa por isso. E deve servir sempre pela esquerda das pessoas e retirar os pratos pela direita. E não se empilham os pratos retirados de uma mesa, arrastando os restos de comida para o prato do topo. E, claro, deve servir primeiro as senhoras. Quanto ao vinho, não esteja sempre a encher os copos. Depois de servi-lo uma primeira vez, pergunte às pessoas se querem mais: com a insistência em encher os copos, fica a ideia de que quer vender outra garrafa! Ah! E as bebidas são sempre servidas pela direita! Desculpe dizer-lhe tudo isto, mas achei que tinha de o fazer, para o ajudar a melhorar no seu serviço, no futuro".

O homem pareceu-me, de início, um pouco surpreendido com a minha recomendação, mas reagiu muito bem: "Agradeço ter-me dito tudo isso. Algumas das coisas eu já sabia mas a gente distrai-se, e sabe porquê?: porque parece que as pessoas não se importam e nós vamos facilitando. Mas é bom que me tenha lembrado. Já a questão do vinho, são ordens". Eu sabia!

Para o ano, conto passar por lá. Se o homem ainda lá estiver, aposto que se vai lembrar deste cliente "chato".

10 comentários:

Luís Lavoura disse...

No outro dia, vi num restaurante uns turistas, salvo erro franceses, a comerem com o garfo na mão direita e a faca na esquerda.
Nos EUA habituei-me a ver pessoas comer somente com garfo (na mão direita).
Atualmente como frequentemente em restaurantes nos quais vejo pessoas comer com as mãos, e noutros em que as vejo comer com pauzinhos.
A vida é dura.

C.Falcão disse...

Se molharmos o pão no suculento molho do nosso prato, é proibido faze-lo com os dedos ?

Lúcio Ferro disse...

Caríssimo Luís, olhe que isso das mãos e do comer com as mãos obedece a uma etiqueta irrepreensível. Sabe porventura o amigo que os nepaleses só com a mão direita se podem aproximar dos alimentos que à boca levam, de modo a não conspurcar a sua comida, visto ser esse o papel destinado à mão esquerda e esta estar ainda consignada ao levantar e ao afastar dos pratos? Pois é, isto das esquerdas e das direitas tem muito que se lhe diga (ou que se coma).

manuel campos disse...

A vida é dura, como diz com humor o Luís Lavoura.

É verdade que muito pouca gente se importa, até porque muito pouca gente conhece essas regras ou, conhecendo-as, lhes liga para não se incomodar com nada (e passar por “chato”, claro).
Claro que depois são capazes de nunca mais voltar àquele sítio porque lhes cobraram uma manteiga a mais e por isso fizeram um banzé danado, opções de vida.
Confrontamo-nos diariamente com a "falta de profissionalismo" tanto dos que servem como dos que são servidos, saber ser cliente também é “profissão”.
Não me estou a referir em particular à restauração, onde isso é mais evidente pois as pessoas de um modo geral recorrem mais a esses profissionais (nem que seja para beber uma bica) que a canalizadores, pintores, jardineiros ou marceneiros.
Por aqui pintámos o r/c há 2 meses, gente indicada como grandes profissionais.
Ao fim de 2 dias estavam mais móveis e candeeiros com tinta do que paredes, mas segundo os pintores “já estava tudo assim” (e nós em 30 anos nunca tínhamos dado por isso, imagine-se).
Cansados daquilo, perguntámos quanto devíamos até àquele momento, pagámos e dispensámos todos.
Tiveram que vir outros fazer a obra toda outra vez, como tinham que vir de qualquer maneira face à qualidade da obra em curso, assim não se perdeu tudo.
Há tempos numa livraria conhecida tinha que pagar 10 euros e 30 cêntimos.
Ponho 20 euros no balcão e junto-lhe 30 cêntimos, digo à jovem empregada que é “para facilitar os trocos” (a ela e a mim), diz-me que não vale a pena porque no ecrã já dizia que tinha que me dar 9 euros e 70 cêntimos, e lá me deu aquele “cascalho” todo que lhe fazia decerto mais falta a ela.
Disse-lhe á despedida “não me parece que saiba, mas o dinheiro é fungível”.
Ainda deve estar à procura no dicionário, depois só falta perceber a explicação.


Tony disse...

Muito boa e pedagógica ensaboadura. Fez muito bem em não resistir. E o visado deveria agradecer-lhe.

manuel campos disse...

A faca de serrilha é um importantíssimo aviso à navegação.
Esta história das postas mirandesas tem muito que se lhe diga e é exactamente o que aqui está a dizer.
Por isso só as comemos em restaurantes em que sabemos à partida que, ao servi-la, as pessoas nos dizem “se estiver muito dura trazemos outra coisa”, pois discutir a dureza e a macieza é tempo perdido, depois já nem apetece a posta/naco.
Gosto de secretos de porco mas raramente os como, só em 2 ou 3 sítios “acredito” que o são.
Cada porco tem uns 600 gramas no conjunto das duas partes em que se dividem, que pode ir aos 800 gramas com algum prejuízo da qualidade.
Ora não há quase nenhum sítio em Portugal até às tascas e tasquinhas que não o tenha na ementa, para mais muitas vezes anunciados como “de porco ibérico”.
Onde é que alguma vez houve tanto “porco ibérico”?

manuel campos disse...

E este texto não era aqui.
Isto hoje não está a correr nada bem.

disse...

Os pratos retiram-se pela direita porquê? Faz sentido servir a comida pela esquerda porque os copos (que estão à direita) poderiam atrapalhar se a comida fosse servida pela direita. Faz sentido servir as bebidas pela direita porque os copos estão à direita. Mas porque é que se retiram os pratos pela direita?

Anónimo disse...

ZÉ; a regra é simples, a direita é para retirar tudo exceto o vinho para nos embriagar...

AV disse...

Zé faz uma pergunta pertinente e tem razão em relação à posição dos copos e à lógica das coisas. No chamado ‘silver service’ servem-se os pratos pela esquerda com o braço esquerdo e retiram-se pela direita com o braço direito para minimizar invadir o espaço das pessoas. No entanto, mesmo no silver service existem excepções (se a pessoa estiver inclinada para a direita na conversa ou se houver um copo deslocado a perturbar as operações) - e, claro, também existem outros estilos de serviço. No fim, tudo se deve resumir à lógica e ao conforto das pessoas.

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