terça-feira, agosto 20, 2024

"Israel e a armadilha da História"


Quando, no início de 2009, cheguei a Paris como novo embaixador português, uma das primeiras e naturais visitas protocolares que fiz foi ao Diretor Político do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Gérard Araud. 

Recordo que me recebeu com tempo, o que é raro neste tipo de encontros. Um amigo comum tinha-lhe dito que eu "sabia muito" do Brasil e, por um qualquer razão circunstancial, Araud estava bastante interessado em Lula e nos equilíbrios políticos que prevaleciam na cidade onde eu tinha acabado de passar quatro anos. Dei-lhe a minha opinião e a conversa prolongou-se. 

Desse encontro, ficou-me a impressão de ser uma personalidade autoconfiante, muito bem preparada, no género dos excelentes profissionais que a França produz, para sustentar - umas vezes bem, outras vezes com maior dificuldade - aquela que é, porventura, a mais idiossincrática, ambiciosa e "sempre-em-bicos-de-pés" diplomacia do mundo ocidental.

Araud, que ocupava já há alguns anos um dos dois lugares de topo do Quai d'Orsay - o outro é o de Secretário-Geral, lugar que em França tem uma dimensão política pouco usual - estava quase de saída para embaixador na ONU. Anos mais tarde, sairia dali para embaixador em Washington, onde terminou uma carreira brilhante. Antes, tinha sido embaixador em Tel-Aviv, posto em que havia iniciado a carreira. 

Nos seus anos nos EUA, Gérard Araud deu um ar da sua graça nas redes sociais, com comentários que, não raramente, o colocaram em posições delicadas. Esse seu estilo "outspoken", pouco comum na escola de "diplomacia pública" francesa, quase que o prejudicou profissionalmente.

Desde que saiu da carreira, Araud dedicou-se à escrita e publicou alguns livros sobre diplomacia e História.

No meu saco de livros para férias trazia um pequeno volume da sua autoria sobre Israel. Tinha-o comprado em junho (terá sido posto à venda nesse mês), numa livraria de Lyon. Quase que o tinha esquecido, no caos de tudo aquilo que ainda não li e que me enche estantes e mesas lá por casa. 

Nos últimos dois dias, devorei o livro. A experiência profissional de Araud, em especial as duas estadas em Tel-Aviv, conferem a este trabalho uma qualidade muito rara. Equilibrado, informado e informativo, "Israël - le Piège de l'Histoire" ajuda quem se interessa pelos problemas do Médio Oriente (singularmente, os franceses chamam à área Israel/Palestina "Proche Orient" e, embora mais no passado, "Machrek" ao Médio Oriente) a assentar ideias e a ver de forma mais clara as coisas. Dada a experiência de Araud em Washington (posto onde serviu também duas vezes), o texto traz também dados muitos interessantes sobre o histórico da relação entre os EUA e Israel.

2 comentários:

manuel campos disse...

No Youtube há algumas entrevistas dele na sequência da publicação deste livro, algumas que se cingem a este tema, outras que repõem parte da sua história de vida.
É pôr "Gérard Araud Israel Le piège de l'Histoire" na pesquisa.
É um facto que as entrevistas têm muita informação, porque a) sabe muito e b) não empata conversa.

balio disse...

"Machrek" é, se bem me recordo, a palavra árabe para designar todos os países árabes a leste do Egito - por oposição a "Magreb", que designa os países a ocidente do Egito.

Queijos

Parabéns ao nosso excelente queijo!  Confesso que estou muito curioso sobre o que dirá a imprensa francesa nos próximos dias.