Fez-me uma pergunta sobre queijos, atitude que levei à conta de eu ter cara de quem podia aconselhá-lo na matéria. Porque a questão era bastante vaga, dei uma resposta simples, informativa, no mesmo tom. E afastei-me, arrastando o carro de compras, no supermercado. Vi que ele continuou a olhar para mim, à distância. Fiquei então com a sensação de que a pergunta sobre os queijos tinha sido apenas pretexto para abrir uma conversa. Foi no sábado, em Vila Real.
Era um homem um pouco mais velho do que eu. A cara não me dizia nada. Minutos depois, aproximou-se de novo, andava eu já a cirandar por outras prateleiras. "Viveu nos Estados Unidos, não viveu?". Disse-lhe que, de facto, tinha vivido por algum tempo em Nova Iorque. "Não ia a Newark?" Caramba! Era preciso ter uma grande pontaria para nos termos cruzado na pouco mais de meia dúzia de vezes que fui a Nova Jersei! A menos que...
Fez-se-me uma luz: "Não se chama Francisco?" arrisquei. "Sim. Manuel Francisco", respondeu. "Tinha um restaurante na Ferry Street?" Tinha. "E, cá em Vila Real, trabalhou antes no Hotel Tocaio, não foi?"
Para quem porventura não saiba, a Ferry Street é uma rua de Newark, no estado de Nova Jersei, ao lado de Nova Iorque, com uma elevada concentração de comércio português.
Vi a cara do nosso homem abrir-se num sorriso de satisfação. Afinal, fora ele quem me recebera na Casa de Trás-os-Montes, em Newark, de que era presidente, há mais de 20 anos, quando ali fui encontrar o grupo de cantares "Aleu", de Vila Real. Curiosamente, meses antes, eu tinha ido almoçar ao restaurante do senhor Manuel Francisco e aí tínhamos cruzado a nossa comum origem vila-realense.
Eu era então embaixador nas Nações Unidas. Nada tinha ver, em termos oficiais, com as estruturas da comunidade portuguesa nos Estados Unidos, mas havia sido convidado a encontrar, num fim de semana, gente que tinha vindo da minha terra. Aliás, levei essa ida a Newark tão a peito que, na ocasião, até fiz parte do júri de um concurso para avaliar folares de carne, preparados pela comunidade portuguesa!
No encontro no supermercado, esqueci-me de dizer ao senhor Manuel Francisco que me lembrava muito bem de uma frase dele, à despedida dessa jornada.
Eu tinha chegado a Newark, à Casa de Trás-os-Montes, como me tinha sido pedido, cerca das 10 da manhã desse sábado. Visitei as instalações do clube, conheci os seus dirigentes, fizemos ainda uma visita a um outro lugar que agora me escapa e, depois, participei, no espaço que recordo ser um grande pavilhão, num longo e bem regado almoço - com coros, ranchos e discursos (um dos quais meu), que se prolongou por horas. Quando eram aí já umas seis da tarde, expliquei que tinhamos de regressar a Nova Iorque.
A festa ainda ia rija e com jeitos de se ir prolongar bastante. Detetei alguma desilusão perante a nossa partida, aparentemente lida como prematura. Foi o que deduzi da frase de despedida do senhor Manuel Francisco: "O senhor embaixador, numa outra ocasião, tem de vir com tempo, para passar o dia connosco..."
Ora eu estava ali há quase oito horas e, pelos vistos, a minha estada estava a ser vista como escassa! Anos seguintes, passados como embaixador de Portugal junto das duas maiores comunidades portuguesas no mundo - o Brasil e a França -, vieram a revelar-me o que pode significar, em termos de intensidade de ocupação horária, sempre em fins de semana, o fantástico acolhimento dos nossos compatriotas no estrangeiro. A frase do senhor Manuel Francisco tinha-me preparado!
2 comentários:
Disto é que eu gosto, histórias com gente dentro escritas por quem as sabe contar.
Gente que se interessa pelos outros, que se lembra dos outros, que tem prazer em falar com os outros, que gosta de aprender com os outros, gente que arranjou uma vida e se meteu dentro dela de alma e coração.
Gente que tem “histórias de vida” para contar, com as quais podemos aprender, quanto mais não seja que aquela história que nos conta ou que nos ouve contar pode contribuir mais para um mundo um pouquito melhor que 500 teorias cheias de palavras bonitas e intenções catitas de que poucos querem saber.
Obrigado pela sua simpatia, Manuel Campos.
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