O avião chegou atrasado a Paris, nesse final de tarde do dia 2 de fevereiro de 2009. Os serviços do protocolo francês têm como regra receber na “sala VIP” os novos embaixadores. Naquele dia, no “Salão 500” de Orly, que eu bem conhecia das várias vezes que por ali tinha passado, em outras encarnações, até com a presença da simpática funcionária asiática que conduzia o carro dos aviões até lá, estava à minha espera o pessoal diplomático e técnico da embaixada e do consulado-geral, com quem eu iria trabalhar nos anos seguintes. Alguns conhecia, outros não. De todos fiquei amigo, diga-se.
Paris ia ser o meu último posto diplomático. Era interessante fazer parte de uma carreira na qual, no dia em que nela se entrava, se sabia a data exata de saída (hoje em dia, alguma coisa mudou nisso). Dali a quatro anos, quase dia por dia, sabia que regressaria a Lisboa.
Senti então pena, recordo-me, de que o meu pai, que tanto gostava da França e de Paris, já não pudesse ir lá visitar-me. Mas ele já se tinha ido “embora”, menos de dois anos antes.
Seguimos para a residência. Havia um jantar à nossa espera. Achei sempre muito curiosa a primeira refeição à chegada a uma nova embaixada: servem-nos o que entendem, o que há por lá resta, com o vinho simpaticamente deixado pelo antecessor. Só no dia seguinte é que vamos “às compras” e se começa a “orientar a casa”, como eu ouvia em criança.
Numa sala junto ao quarto, vi que havia um computador. Imaginei que houvesse. Ainda antes da meia-noite, abri-o, vi o meu correio e fiz aquilo que tinha pensado no avião: criei um blogue. Já tinha experiência disso e um blogue faz-se num minuto.
Em Brasília, de onde eu saíra algum tempo antes, tinha inventado um blogue “oficioso”. Era, creio, a primeira vez que uma embaixada fazia isso. Foi um sucesso: chegou a ter uma média de nove mil leitores diários. Escrevi-o, sozinho, durante dois anos. Depois, passei-o ao conselheiro de imprensa, que o continuou.
Em Paris, decidi que ia assinar um novo blogue com o meu nome. Seria um modelo diferente. Os textos iriam ser personalizados. Quanto ao estilo, logo se veria. Tinha intenção de falar das coisas da vida. Iria também contar algumas histórias da carreira, poucas. Enganei-me, afinal foram muitas, algumas centenas. Pensava ir escrever a um ritmo irregular, talvez de dois em dois dias. Por isso, subtitulei o blogue de “notas pouco diárias”. Enganei-me, também: iria escrever todos os dias. Todos? Todos. 4380 dias! Quase 8700 peças, quase dois posts por dia!
Dei ao blogue o nome uma parte do título de um filme de Jean-Luc Godard, que tinha muito a ver com Paris: “Deux ou trois choses que je sais d’elle”. Há tempos, o meu amigo Zé Ferreira Fernandes, mestre da escrita e “parisiense” a sério, lembrou-me cenas da fita, que eu já esquecera. E ali percebi melhor a razão subliminar da minha escolha.
Este blogue chega hoje, assim, à “dúzia” de anos. Se acharem graça, continuem a ler. Se se cansarem, não sejam piedosos. Amigos, amigos, blogues à parte!
15 comentários:
Esperei pela última frase com certo receio : afinal não, não pára aqui, mas continua ! Ouf! É que também me habituei a este blogue, por muitas e variadas razoes! Uma entre todas: a qualidade dos temas e o Português do autor. Aprendi ou reaprendi bastante com ele! Muito obrigado e bom vento, Senhor Embaixador.
a simpática funcionária asiática que conduzia o carro dos aviões até lá
Asiática?! Eu diria francesa de raça asiática. Não acredito que fosse mesmo da Ásia.
Por favor uma dúzia. Nem precisa embrulhar. É para ir lendo
Parabéns
Fernanda
Parabéns, e muito obrigado por esta companhia diária todas as manhãs.
Parabens!
Concordo com o J.de F. Tb vivo fora de Portugal e este blogue ajuda-me a manter a lingua. Alem disso, aprecio o toque qb de diplomacia. Por vezes discordo mas isso faz parte da vida.
Parabéns a todps, ao autor, aos blogue e aos seguidores, sobretudo, perdoem-me, aos Leões.
Eu não paro. Leio sempre com muito agrado.
Maria Isabel
Muito bom
“Raça asiática”, Luís Lavoura. Talvez fosse bom atualizar os conceitos...
Claro que todos os que frequentamos este blog somos pela sua continuação e até estranho que não sejamos mais numerosos a vir dar ao Senhor Embaixador o apoio moral que ele nos pede de vez em quando.
Pela minha parte leio-o sempre com interesse e jà tenho recomendado o blog, que espero que continue por muitos e bons anos.
Caro Carlos Cardoso. Agradeço o que disse, mas de uma coisa pode estar certo: estas referências à história do blogue não são apelos ao “apoio moral”. Vou-lhe confessar um segredo: eu escrevo bastante como exercício pessoal. Egoísta. A sério! É claro que ter, em média, mais de 1500 leitores diários ajuda ao ego. Mas percebo bem que quem lê não comente. Os blogues são uma coisa de outro tempo.
Faço minhas as palavras de alguns outros comentadores anteriores - a leitura deste blog é um prazer, pelo interesse dos temas e pela escrita tão clara como rica, um equilíbrio difícil de conseguir.
absolutamente de acordo com joaquim de Freitas!
Caro Embaixador. Não pretendia de maneira nenhuma incomodá-lo com a minha observação, quiçá demasiado irónica. Se foi esse o caso apresento-lhe as minhas desculpas. Não considero egoísmo escrever como exercício pessoal, sobretudo quando se partilha o que se escreve. E não acho que os blogues sejam coisa de outro tempo.
A leitura deste blog é uma paragem, (quase) diária, obrigatória. Nele perpassa a reflexão serena, a dignidade, a ética. E o poder da Palavra. Obrigada Senhor Embaixador.
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