Eu era miúdo e, por essa época, nem café bebia, mas via o meu pai e o meu avô serem servidos do produto, pelo Manuel “Rato” ou por um outro empregado mais forte, com “pés de chumbo”, que era pousado naquelas mesas pequenas com tampo de mármore muito amarelado e raiado a verde, com açucareiros de metal com dupla tampa, connosco sentados numas cadeiras extraordinárias, em couro trabalhado, com as iniciais do café.
Timor era uma coisa distante, de que se falava muito pouco, uma terra no meio da Oceania, de onde não havia notícias. E, aprendi eu na vida, com assumida arrogância eurocêntrica, quando, do mundo “subdesenvolvido”, não há notícias, costuma ser bom sinal!
O Excelsior era um grande café de referência na nossa cidade.
Por aqui tenho falado dos seus bilhares - onde o Chico Menezes, o Olívio e o ciclista Firmino Claudino davam cartas - e da sua sala do dominó, onde, além do dito dominó, outras cartas também se jogavam.
(Hesito em referir, por pudor, a escada, a pique, para os sanitários, de onde, em tempos de calor, exalava um odor a ácido úrico que alguém, com óbvio exagero, disse um dia, que, abertas as janelas, “em dias regulares, enchia a sala das “permanentes” das senhoras do Pimentel cabeleireiro, atingia o largo do Vilarealense, e, em históricas rabanadas de vento, chegava a entrar pela Capela Nova e dava a volta à Misericórdia”...)
Creio nunca ter visto isso referido por escrito mas, nos anos 50, no Excelsior havia, por vezes, espetáculos, depois do jantar, com ilusionistas e outras figuras visitantes, dotadas para algumas artes. Pagava-se para assistir. Os espetadores eram, claro!, exclusivamente homens, porque as senhoras, nesse tempo, não iam aos cafés (a nenhum!) depois do jantar. Houve também por ali sessões de hipnotismo - eu vi! - e tenho na memória uma apresentação de um “fenómeno” que sabia 18 línguas (deve-nos ter baratinado, a nós que então sabíamos uma ou duas). Posso estar equivocado, mas nenhum outro café de Vila Real teve uma tão diversificada atividade artística.
Por que trago o Excelsior aqui hoje? Porque, para fazer o meu café de balão, uma “mão amiga” ofereceu-me um belo café de Timor, que juntei a outro que, há pouco mais de um ano, eu próprio trouxe da Colômbia. Fizeram um lote excelente!
Em tempo:
O meu amigo Mário Fernandes Pinto, que é o curador da memória do saudoso “Excelsior”, lembrou, a propósito deste num comentário no Facebook, um folheto do café onde se lê e que aqui reproduzo, com a devida vénia:
Bebi agora um café
que era mesmo um primor
e sabeis de onde é que é
é o café de Timor
Este café só se toma
naquele café da esquina
onde vai depois que coma
toda a nossa gente fina
E nunca ficareis mal
pois que eu digo e não me calo
que o EXCELSIOR de que falo
é um CAFÉ ideal
e agora já não me ralo
pois também lá vou tomá-lo
pois também lá vou tomá-lo
1 comentário:
Confirmo tudo o que aqui se diz sobre o Excelsior designadamente o intenso cheiro que vinha das fundas catacumbas ali no canto da sala dos bilhares. Só me parece que há uma pequena correcção a fazer. Nessas noites de espectáculo não se pegava entrada. O que se fazia era a venda de umas rifas para se sortear uma qualquer bugiganga.
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