Nota-se, em alguns meios, um sopro de entusiasmo a propósito da ideia de uma nova conferência sobre o futuro da Europa. Começo por confessar que acho essa conferência, no momento que atravessamos, aquilo que alguns costumam crismar de uma falsa boa ideia.
Mas, é claro, se o tema vier a prosperar, não há como fugir-lhe. E, nesse caso, haverá que desenvolver uma posição portuguesa sobre o assunto, a qual, a meu ver, deveria ter um suporte político interno tão alargado quanto possível.
Vale a pena ter a coragem de assumir que o tão vilipendiado “centrão” foi a base política que nos permitiu, ao longo das últimas décadas, estruturar uma atitude europeia consistente, coerente e, o que é mais importante, vista de fora como uma vontade maioritária. Se a política europeia de Portugal tivesse ficado à mercê do vai-e-vem do CDS, do negacionismo do PCP e dos zigzags do Bloco, não teríamos ido longe.
Recorde-se que, por muitos anos, e desde o documento inicial de Roma, a estrutura institucional da Europa permaneceu inalterada. Foram o Ato Único Europeu e o Tratado de Maastricht que vieram a consagrar novas e substanciais adaptações de fundo no modelo de cooperação entre os Estados membros. Uma saudável onda de ambição atravessou então o projeto, soprada pelo ambiente do fim da Guerra Fria e pela noção de que uma Europa-potência, mais do que uma Europa mercado, era então possível, ancorada no eixo-franco alemão. A diluição dos nacionalismos, as oportunidades da globalização e, muito em especial, as vantagens óbvias do Mercado Único e o pesado custo da “não-Europa”, para usar a bela expressão de Delors, tudo isso criou um ambiente de euro-entusiasmo. Daí também o projeto do euro, em que já só alguns se empenharam, tal como, para a liberdade de circulação de pessoas, foi criado o acordo de Schengen.
Houve sempre, como sabemos, alguma ambiguidade quanto ao destino final do processo europeu. Uns diziam-se favoráveis a um salto federal, outros (entre os quais Portugal sempre esteve) privilegiavam um aprofundamento progressivo, outros ainda mostravam ser companheiros relutantes de jornada. Alguns mudaram entretanto de posição; nós não. Com pressões e cedências, foi-se andando.
A perspetiva de um grande alargamento, proporcionada ou forçada pelo fim da Guerra Fria, levou a que se procurasse adaptar as instituições, tendo como preocupação essencial a sua funcionalidade, para que a paralisia decisória nunca viesse a ter lugar. E, de caminho, foram aumentadas as competências da União, em especial em áreas que se tornavam essenciais para assegurar o êxito do mercado interno. Foram esses os passos dados em Amesterdão e Nice.
Ainda na lógica “delorsiana” de que a Europa é como uma bicicleta, isto é, de que é necessário continuar sempre a pedalar, sem o que se cairá para o lado, houve o sonho do Tratado Constitucional, logo travado pelo pesadelo dos referendos frustrados na França e nos Países Baixos. Com um jeito jurídico muito à moda de Bruxelas, foi possível dar a volta ao texto e retirar dele alguns dos seus maiores “escândalos” semânticos. E daí surgiu o Tratado de Lisboa, concluído durante a nossa presidência de 2007. É onde estamos hoje.
O que se passou na Europa, desde então? Muita coisa. Houve a crise financeira, seguida da das dívidas soberanas, emergiu uma inesperada e pouco saudável “diversidade” nas questões migratórias e no acolhimento dos refugiados, em certos Estados membros foi detetada uma deriva face aos compromissos de respeito pelos princípios do Estado de direito democrático.
A obsessão com a estabilidade financeira levou, entretanto, a gizar um outro tratado intermédio. A saída do Reino Unido trouxe, simultaneamente, um enfraquecimento do projeto mas, igualmente, para alguns puristas a ideia de que, finalmente, se pode caminhar sem esse empecilho.
Refundar a Europa? No estado de divisão interna que o projeto atravessa, com pulsões soberanistas e opiniões públicas a tê-la como bode expiatório das suas frustrações e medos, acho um suicídio tentar uma nova “síntese” a 27. Mas logo veremos!
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