sexta-feira, dezembro 11, 2020

Tenho de reler Franz Kafka

O telefonema de um jornalista, esta tarde, foi correto e profissional. A questão era “simples”: o que é que eu tinha a dizer perante o facto, que havia chegado ao seu conhecimento, de que, num processo que envolve a empresa brasileira Odebrecht, o meu nome terá surgido, ao que parece entre outros, como suspeito, nem percebi precisamente de quê, numas inquirições feitas entre as autoridades judiciais portuguesas e brasileiras. “A Odebrecht?”, reagi. Por curiosidade, a Odebrecht é talvez das grandes empresas brasileiras a única com a qual, ao tempo em que fui embaixador naquele país, nunca tive o menor contacto. Não conheço ninguém da Odebrecht! Nunca, pelas minhas mãos, passou algum assunto que tivesse a ver com essa empresa. E sou acusado exatamente de quê? Alguém da Justiça me chamou, alguma vez, para me perguntar fosse do que fosse? Envolve-se o nome de um cidadão num “processo” e deixa-se que, com uns títulos, se crie a ideia do “não há fumo sem fogo”. Para gozo da rapaziada das caixas de comentários? E, depois, haverá alguém, responsável e disponível, no dia em que este tipo de insinuações cair no ridículo, em que obviamente cairão, para vir apresentar um pedido de desculpas? E irá isso ainda a tempo de desfazer os preconceitos entretanto criados ou o objetivo, afinal, era esse mesmo?: tentar enlamear o nome da pessoa, antes mesmo que ela tivesse possibilidade de fazer um mínimo de contraditório. É que isto tem precedentes. Há tempos, correu por aí, tentando envolver-me, um alarido sobre a barragem de Foz-Tua. Uma questão muito fácil de explicar, mas só se alguém quiser ouvir. Tive então direito a fotografias na imprensa, peças nas televisões, à esperada especulação pelos caluniadores profissionais. Fiquei, naturalmente, à espera de que alguém me chamasse. É que a questão é simples: há uma investigação ou não há? Se há, o meu nome está envolvido ou não? E, se sim, em quê? Ninguém me diz nada? É tudo em segredo? A senhora Procuradora-Geral da República nada tem a dizer, publicamente, sobre esta forma de atuar dos seus serviços? Já vale tudo? Por mim, com a total serenidade de quem nada tem a temer, apenas gostava que quem tem a mínima das dúvidas - qualquer, por menor que seja! - me chamasse a esclarecê-la. Querem o meu endereço? “Não digas nada! Só vais agravar as coisas!” dizem-me as vozes amigas e da prudência. Mas vou agravar o quê? O que é que posso agravar, se não me foi colocada a menor questão, se não sei sequer do que estão a falar? Tenho de reler Franz Kafka. 

12 comentários:

Unknown disse...

Senhor embaixador
Sou leitor assíduo do que aqui vai escrevendo.
(Declaração de interesses: só sigo dois "blogs": este e o "Avenida da Salúquia", ambos pela sua qualidade.
Às vezes não estou muito de acordo com o que escreve e, então, não me coíbo de fazer algum comentário, cuidando, sempre, de não ser inconveniente, mas dizendo o que me vai na alma sobre o assunto. Nem sempre, percebo, o senhor embaixador aprecia o que escrevo - e fico sempre a congeminar por que razão (quando isso acontece) o senhor embaixador "faz censura ", não mostrando os meus comentários. Dois exemplos (para que o senhor embaixador vá rever, se a tanto isto que agora escrevo o "incomodar"...): o meu comentário ao seu "post" denominado "Guerras" e outro ao "Vergonha própria" ( aqui falo sobre Tancos).
Dito isto, eu que o não conheço pessoalmente, creia que, seguindo eu com alguma atenção a vida política nacional e quem nela se movimenta - e, ao que tenho por certo, não partilhando a mesma área político-ideológica que o senhor embaixador - estou, neste caso, completamente solidário com a sua atitude, por me parecer das vozes mais claras e límpidas da nossa cena política.
Quero, pois, transmitir-lhe a minha solidariedade e felicitar esta sua atitude de total frontalidade e transparência. Coisa tão escassa e de que tanto precisamos na nossa vida política.
Cumprimentos.
MB

NG disse...

Desejo que as instituições judiciais e mediáticas não apliquem ao Sr. embaixador a mesma metodologia torpe utilizada com José Sócrates e com Lula da Silva, sobre a qual me foi penoso não ver neste espaço vigorosa denúncia e desconforto. Estou convencido que depois dessa brecha no Estado de Direito, a quem tanta gente inteligente e responsável fechou os olhos, em Portugal e no Brasil, muitos canalhas se sentiram à vontade para prosseguir.

Manuel Rocha disse...

Parece-me que essa atroada " quem não deve não teme" devia ser revista e depressa. Se "quem não deve" não realizar rapidamente que a politica do " à justiça o que é da justiça,..." anda a minar os fundamentos do Estado de Direito, quem sobrará para o defender? E repare, Seixas da Costa: vc tem voz. Qualquer jornal lhe dará espaço para explanar o que entender por bem. Então e quem não tem, como se defende?

MR

Luís Lavoura disse...

É normal, Francisco. O Ministério Público português é o sucessor da Inquisição. E, tal como na Inquisição, o seu objetivo não é tanto condenar as pessoas, como sobretudo mantê-las em suspenso e denegrir a sua reputação. Trata-se de uma associação de malfeitores, que atua em colaboração cúmplice com os jornalistas (que são outra associação de malfeitores, basta ver o papel que têm tido na epidemia de covid-19).
Boa sorte.

Luís Lavoura disse...

Concordo plenamente com NG.

Pedro Álvares de Carvalho disse...

Caro Sr. Embaixador.
Lamento, sinceramente, essa situação em que o querem envolver. Infelizmente, digo-o há muito, Portugal é demasiado pequeno, paroquial, falta-lhe a complexidade sistémica que Niklas Luhmann identificava como condição do manutenção cogente e progresso das sociedades.
Nada conta, pelo contrário, tudo a favor do chamado "quarto poder". Bem e lealmente utilizado é um outro elemento de controlo dos outros três poderes soberanos e desempenhava (como magistralmente Luhmann, mais uma vez, explicava. A pena é que eu tenha que escrever esta palavra no passado) o importante papel de criar uma realidade comum partilhada, parcialmente ilusória que fosse mas, ainda assim, essencial para a cogência do tecido social.
O problema português é que a debilidade económica dos grupos de comunicação social obriga-os a serem serventuários de certos stackeholders muitas vezes escondidos, por um lado e, por outro, a usarem o escândalo, a pura maledicência, para agarrar os leitores. Quanto pior, mais sangrento ou provador de indignação, for o noticiado, tanto melhor.
Outro problema português é que a característica paroquial do pais, quer em dimensão quer sobretudo, nas relações entre os subsistemas soberanos entre si interdependentes mas, do ponto de vista do dever-ser, também entre si bem separados e autónomos.
Inexistem as necessárias distâncias pessoais e institucionais, as vedações constitucionais são demasiado permeáveis.
E isso reflecte-se, também, nas relações entre aquelas e o "quarto poder". Podia dar-lhe exemplos concretos, mas o meu dever de reserva impede-me. O que ele não me impede é de dar esta opinião enquanto cidadão.
Está, parece-me, a ser vítima, como já outros foram, do que descrevi.

SCarvalho disse...

Só uma pequena questão: Será que "isto" não é já consequência da limpeza que resolveu fazer aqui no blog?

Francisco Tavares disse...

Caro Embaixador, tem a minha solidariedade e louvo-o pela sua frontalidade e transparência.
FTavares

Tony disse...

Anda muita gentinha, em particular, muita da comunicação social, obsessivamente à procura de sangue. Uma reles tristeza. Sr. Embaixador.

Unknown disse...

Meu Caro Francisco ,um forte abraço .

Corsil Mayombe disse...

Dos fracos não reza a História...!!!!!!!!!!!!!

carlos cardoso disse...

Senhor embaixador, se pensa que "quem não deve não teme", precisa efectivamente de reler Kafka, que mostra muito bem que mesmo quem não deve tem boas razões para temer...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...